"Sinta-se em casa, mas, antes de entrar, poderiam molhar os pés nesta bacia?", foi o pedido feito a nossa equipe de reportagem ao entrar na casa de Pai Alex, umbandista e zelador - na linguagem popular, Pai de Santo - da religião. Guardei os sapatos e permiti me entregar à experiência daquele lugar. Um altar com três prateleiras e várias imagens dão as boas vindas, no centro da casa. Ali estava Santa Bárbara, os pretos velhos, Jesus Cristo e outras divindades. O aperto e beijo na mão para cumprimentar, pipocas em bacias no chão, guias como parte da decoração e outros elementos apresentavam a Umbanda para mim, na minha primeira experiência com a religião.
Pai Alex, quem nos recebia, puxou a cadeira e, nas primeiras frases, explicou: "A Umbanda fala sobre o bem e a caridade. Tudo fora disso não é Umbanda". O zelador é criador do Instagram Umbanda Ceará, com quase dez mil seguidores (até o fechamento desta edição). Ele resolveu usar a plataforma online como mais um meio para dar voz à religião e à sua forma de praticar.
"Eu gosto de falar sempre que, dentro da Umbanda, há várias vertentes. Então, a forma que eu pratico pode não ser a do meu vizinho. Eu não uso o sacrifício animal e não acendo vela para o mal como parte da minha prática, mas preciso respeitar quem usa. A gente tem que entender a proposta de cada pessoa e se firmar naquela que é mais próxima da nossa vida. É a minha forma de enxergar que eu procuro passar nas minhas redes sociais", pontua o cearense.
A Internet, por sua vez, tem sido um porta-voz para Pai Alex e muito outros usuários que decidiram trazer não só a Umbanda, mas religiões afro-ameríndias para as redes sociais. Mas a forma, muitas vezes ingênua, de divulgação, pode não ser positiva. "Eu falo de Umbanda no Instagram, mas eu tenho cuidado e, principalmente, respeito. Eu noto que a Internet está banalizando a religião. Muita gente sem conhecimento se apropria desse meio para falar e passa um conhecimento errado, só que a Umbanda já é uma religião desgastada e, quando associada a uma prática errada, as pessoas acabam zombando. Tem gente que liga tudo a feitiçaria, magia negra, mas não é isso", comenta.
O zelador destaca que procura compartilhar sua sabedoria com uma estratégia para aumentar o conhecimento de quem o acompanha e não de mostrar a forma que trabalha de forma íntima. A diferença entre as duas coisas, para ele, é essencial. "A gente vem de uma cultura que levava a Umbanda apenas para o terreiro e de lá ela não saia. Por isso, é muito importante, nós como zeladores, saber qual tipo de informação estamos colocando nas redes sociais. E, quem decide acompanhar por lá, conhecer a fonte da informação", orienta.
A leitura de quem acompanha o crescimento nas redes sociais é de que possivelmente a internet está sendo uma porta de entrada para novos adeptos. O umbandista, antropólogo e pesquisador do laboratório de antropologia e imagem da UFC, Jean dos Anjos, compartilha que esse suposto crescimento pode ser equivocado.
"O último censo demográfico do IBGE mostra que a religião que mais ganhou adeptos no Brasil foi a evangélica. A Umbanda permaneceu, em 10 anos, com o mesmo percentual. De 2010 para cá percebo que a Umbanda ganhou mais visibilidade nas redes sociais, o que causa a impressão de que ela ganhou mais adeptos. Acompanho a Festa de Iemanjá de Fortaleza há mais de 10 anos e tenho notado que a cada ano a festa tem se esvaziado. É preciso perceber se esse esvaziamento tem a ver com a perda de adeptos da Umbanda", explica Jean.
A questão levantada pelo pesquisador confirma, ao seu ponto de vista, que a religião se popularizou por conta da maior visibilidade digital, o que não quer dizer o aumento no número de adeptos. "É preciso lembrar que a Umbanda não é só a prática de rituais que são mostrados nas redes. A principal característica e o seu objetivo é a prática da caridade. Novos adeptos da Umbanda são convocados para a prática da caridade, sobretudo com as populações que mais precisam, e isso é muito distante do mundo midiático que as redes sociais apresentam. É um desafio", pontua.
Nesse contexto, reunimos, no quadro ao lado, depoimentos de umbandistas e suas perspectivas sobre conexão e a popularização da religião, que ajudam a debater o tema. Continue a leitura!
História
Quando você se tornou umbandista e como foi sua aproximação?
Eu me descobri umbandista, porque a gente não se torna. Descobre-se Umbandista e se encontra na Umbada. Eu me descobri Umbandista em 2011. Uma amiga havia ido a uma consulta na emana anterior e ela iria na semana seguinte, me convidou, e eu estava em uma fase precisando muito, não estava legal. Eu fui lá, fui atendida pelas entidades, pelos pretos velhos, pelos guias me luz. Foi-me passado um tratamento espiritual no qual eu deveria ficar indo durante sete semanas. Depois que terminou esse tratamento eu não consegui me ver fora dessa casa e estou lá até hoje.
Quais as crenças mais fortes dentro da religião?
A principal crença que a Umbanda nos ensina é a caridade. Quando falamos em caridade não é a material, é a espiritual, da caridade como exercício de amor ao próximo, troca de energia e dedicação. A principal missão da Umbanda é fazer a caridade espiritual de pessoas que precisam de cuidados espirituais, tanto às pessoas que são médiuns e tem a necessidade de desenvolver a mediunidade. De se desprender de questões materiais e se conectar com questão espiritual e missão espiritual. É esse exercício de caridade e também a Umbanda como espaço que as pessoas possam ir e levar as suas dores e se sentir melhor.
De que forma a sua percepção de vida mudou?
Tem uma coisa que acho muito importante que é a ideia de que não somos seres espirituais prontos. Essa ideia de trabalhar a sua espiritualidade e sua cabeça ou então de você ter a sua principal divindade, digamos assim, você precisa cuidar e resguardar. E também essa dimensão de que todos e todas temos Orixás que regem a nossa coroa, a nossa ancestralidade. Nós, sobretudo, temos as entidades e guias de luz que trabalham nas mais diversas linhas da Umbanda. Exus são guias e mentores espirituais que são os nossos guardiões e eles estão exatamente guardando esses portais, essas encruzilhadas, nos guardando quando a gente precisa. Por isso que a gente diz que eles são pessoas da rua e não dormem. Porque eles são os seus guardiões. Limpadores que descarregam e também nos ajudam a ter prosperidade. Mas não tem nada de demônio. Sem os Exus os nossos caminhos ficam sem guarda e sem proteção.
Ticiana Studart, Umbandista
Um modismo?
Uma coisa que observei é que o crescimento da Umbanda nas redes sociais vem e vai. Vejo muito como um modismo. Quando um ator aparece com uma guia, um cantor, a gente já sabe que os terreiros vão lotar, mas logo esvaziam. As entidades da Umbanda vêm para nos curar, nos defender e nos alegrar. Nesta ordem mesmo que citei (os Pretos Velhos e Caboclos de pena na linha de cura, os Exus e Pombagiras na linha da defesa e do amor e os Erês que vem nos alegrar, nos limpar). Infelizmente existem irmãos de fé que fazem da religião um comércio, isso acaba manchando a imagem da Umbanda. Minha forma de enxergar a vida, o outro mudou bastante. A começar pelo preconceito que eu tinha em relação às religiões de matrizes africanas e ameríndias. O Brasil se coloca como Estado Laico, mas não é bem assim. Existem privilégios para determinados segmentos religiosos. Enquanto as religiões Umbandista e Candomblecista a perseguição tem aumentado cada vez mais!
Jamili Craveiro, Umbandista