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Som de águas
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Som de águas

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Capa do disco Pássaros na Garganta, de Tetê Espíndola
 (Foto: fotos Divulgação)
Foto: fotos Divulgação Capa do disco Pássaros na Garganta, de Tetê Espíndola

Encomendaram-me para este 22 de março um texto que falasse sobre a água. Numa semana de pautas tão fortes como um vírus impiedoso e uma efeméride da inigualável Elis Regina, foi desafiador pensar nesse tema. A primeira ideia foi falar de Planeta Água, eterno sucesso de Guilherme Arantes presente em muitas festas do primário, mas fugi logo. Lembrei das Águas de março, mas a história do Tom Jobim acompanhando uma enxurrada da janela da sua casa já foi tão contada, né? Ou não?

Insisti no tema e lembrei de uma história simples, embora bastante poética. É de 1982, quando Tetê Espíndola se preparava para gravar seu segundo disco solo. Quem conhece os agudos da cantora campo-grandense deve saber que ali não está uma artista comum. Ligada aos sons da natureza, ela aprendeu a cantar ouvindo os sons dos pássaros, algo que ela estudou depois com uma bolsa da Fundação Vitae.

Essa relação com o tema foi estreitada no premiado disco Pássaros na Garganta. Na capa, Tetê largada nua sobre uma pedra próxima à nascente do Rio Verde. As águas aparecem como uma moldura para aquela mulher que é tão natureza quanto o monumento que a cerca. Nesse mesmo álbum, ela gravou Fio de Cabelo, sua primeira composição, na Gruta do Lago Azul, em Bonito, reconhecida como um das maiores cavidades inundadas do mundo.

E qual o efeito de gravar numa gruta, de forma tão rústica? Principalmente a poesia da situação. Em Fio de Cabelo, Tetê toca sua craviola, assovia e canta sobre veios de rios que se confundem com fios de cabelos e cordas de um instrumento. Todos esses sons rebatendo nas paredes de um lugar à época desconhecido. Cada agudo de Tetê refletindo nas águas azuladas da gruta. A beleza está nos detalhes, no esmero, na vontade de mostrar que aquelas canções sobre olhos de jacarés, espíritos de pássaros e caminhos de terra não eram por acaso.

A missão de gravar os sons das águas da Gruta do Lago Azul ficou com Wilson Souto Jr, do Lira Paulistana. Com um gravador de rolo e descendo cerca de 100 metros pra captar o eco, os grilos, o vento, as folhas, as pedras, eles fizeram um retrato da natureza em seu estado mais bruto. Tombada pelo Iphan, a gruta hoje é ponto turístico preservado. E Tetê Espíndola segue cantando com os pássaros e se transformando em bichos a cada novo disco.

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