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O toque sem tocar e outras possibilidades
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O toque sem tocar e outras possibilidades

Das nudes ao autoconhecimento, período de isolamento e distanciamento social estimula novas formas de experienciar a sexualidade
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Arte do projeto #NudesDeQuarentena, da artista visual cearense Raisa Christina  (Foto: Raisa Christina / divulgação)
Foto: Raisa Christina / divulgação Arte do projeto #NudesDeQuarentena, da artista visual cearense Raisa Christina

Em Da Noite, a poeta paulista Hilda Hilst (1930-2004) escreve: "O que tu pensas gozo é tão finito / E o que pensas amor é muito mais". Os tempos de isolamento e distanciamento sociais demandam que a intimidade com o outro - e consigo - seja ressignificada e exercida de novas maneiras, saindo da caixa de ideias "finitas" para a de "muito mais" possibilidades. É como a poeta, versos depois, sugere: "O toque sem tocar, o olhar sem ver". Dos aplicativos ao autoconhecimento, das nudes aos brinquedos eróticos, o período de quarentena estimula diversas formas de experimentar a sexualidade.

Como aponta a ginecologista e sexóloga Rayanne Pinheiro, o momento oportuniza que mulheres "evoluam no autoconhecimento, erotizem, se toquem mais". A sugestão é ecoada pela também sexóloga e terapeuta de casais Josi Mota. "Algumas pessoas me relatam que estão se masturbando mais, inclusive mulheres", afirma. Para Josi, o fato tem dois lados. "É interessante do ponto de vista de que elas estão se permitindo, mas tenho a preocupação de que a masturbação possa estar sendo feita não exatamente pelo prazer, mas por medo, ansiedade, e espero que essa associação se desfaça", sublinha. Para quem ainda não tem o costume, Josi sugere que o estímulo venha, por exemplo, da leitura de contos eróticos. "É um bom momento para você se permitir tocar seu corpo e esse princípio é libertador. A partir do momento em que você se permite, proporciona primeiro um gozo mental, de liberdade, e depois um no corpo como um todo", avança.

Aos casais que vivem juntos durante a quarentena, Rayanne lista dicas. "Com o fato de ter mais tempo, é uma oportunidade de o casal conseguir fazer preliminares mais longas, investir no aumento da intimidade, buscando outras áreas do corpo que possam ser erotizáveis, outras possibilidades de toque", afirma. "É importante ressaltar, também, que não se deixe a atividade sexual como última 'tarefa' do dia. Dar mais prioridade a ela do que na vida cotidiana seria algo importante no momento", destaca. A especialista ressalta, porém, que na prática da profissão vem observando casos frequentes de diminuição de libido. "O fator econômico, perda de renda, é algo que impacta bastante na sexualidade masculina", exemplifica.

Além desse ponto, Josi aponta que a convivência mais intensa entre os parceiros pode causar tensões, mas também oportunizar aproximação em meio ao cotidiano. "A regra é bem clara: quanto menor o espaço, maior o atrito. Às vezes, dividindo espaços, acontecem atritos. É importante tentar preservar minimamente o espaço individual, assim como um tempo para as crianças e, quando elas dormirem cedo, um tempo à noite para o casal, para tomar um vinho, ouvir música, voltar a se reconectar e se reconhecer. Não existe receita. A gente está limitado, então temos que ser muito criativos", aponta.

Ser criativo é, também, o que deve comandar as ações dos parceiros que não moram juntos e têm que encontrar formas de intimidade à distância. "Ao casal que vive distante, a criatividade sem dúvida é fundamental. É momento da fantasia, erotização, sair mesmo da caixinha", atesta Rayanne, que indica uma possibilidade: "A abertura do mundo virtual é um caminho sem volta". Há pouco mais de uma semana, o sexo virtual foi até recomendado pelo Ministério da Saúde argentino como "alternativa" para o momento. "Ele pode e deve ser uma boa ferramenta nesse momento para um casal que já está se conhecendo e sente uma afinidade, um desejo", corrobora Josi. "Aos solteiros, que façam uso da tecnologia também", sugere.

Ela conta que, no acompanhamento online dos pacientes, estão surgindo muitos relatos sobre o uso de aplicativos de relacionamento. O momento, indica, pode ser bom para aprofundar as conexões com os e as pretendentes. "Como agora não há a possibilidade de marcar encontros para sexo casual, há a possibilidade das pessoas se conhecerem mais profundamente antes. É uma grande oportunidade", destaca. A sexóloga reforça o papel da criatividade. "Diferente de 20 anos atrás, hoje tem WhatsApp, videoconferência, Skype, foto, email, tudo instantâneo. Você se conecta com teu parceiro de forma rápida. Claro que não há o toque, as sensações, o cheiro, mas quem disse que a gente precisa só disso? Palavras também têm o poder de te abraçar, também nos despertam, arrebatam, fazem nos sentir tocados. É o que temos, então vamos lidar com isso da maneira que podemos. Ser criativo é a regra", resume Josi.

#NudesDeQuarentena: invenção de si

Forma popular de estabelecer contatos íntimos pela internet, as nudes são o ponto de partida de um projeto criado pela artista visual e poeta cearense Raisa Christina. "No início do período oficial de quarentena, passei a observar com mais atenção o movimento nas redes. Fui percebendo, além da sensação de ansiedade e medo, que muitos relatavam dificuldades em lidar com a solidão, o confinamento, a falta de perspectivas", contextualiza a artista. "O desenho pra mim é uma prática cotidiana com a qual venho há anos criando espaços de escuta com o outro", explica, partindo daí para estabelecer o #NudesDeQuarentena, obras que ilustram capa e esta reportagem, numa forma de estabelecer espaço para reflexões e aproximações, mesmo que remotas.

Abrindo "uma espécie de chamada pública" nas redes sociais, na qual explicou que receberia nudes por e-mail para criar desenhos a partir delas, Raisa inaugurou o projeto e, até o fechamento desta edição, já são quase 40 obras postadas no Instagram da artista (@raisa.christina). Entre os colaboradores do projeto, a resposta vem sendo positiva. "As pessoas contam como foi importante dedicar um tempo a olharem para si, perceberem o corpo diante do espelho, através da câmera do celular e depois junto ao registro do desenho, que é sempre uma surpresa", afirma.

A cada desenho finalizado em um dos papeis craft tamanho A4 que Raisa vem usando, questões - relacionadas à autoimagem, tecnologia, corpo - começavam a brotar. "Nas redes sociais, há uma censura sobre imagens fotográficas que não é aplicada da mesma forma a imagens 'artesanais', digamos, como desenhos, pinturas e gravuras", aponta. O fato fez a artista pensar sobre como a foto é encarada como "registro do real", enquanto o desenho é "atrelado ao campo da ficção". No entanto, não seriam as nudes registradas por câmeras também uma forma de invenção e performatividade de si e do próprio corpo?

Descrevendo o celular como "uma espécie de prótese" e a nude como "a imagem gerada pelo olho da prótese/celular em direção ao próprio corpo", Raisa elenca questionamentos. "Que corpo é esse que performamos diante do olho de nossa prótese? Que aspectos queremos esconder e que outros são enaltecidos? Que ângulos, enquadramentos e posturas mais se repetem e que signos esse agenciamento de recortes compõe? Qual o papel da nude na configuração das relações amorosas e/ou sexuais? Como as noções de sensualidade, intimidade, gênero, sexualidade, solidão, desejo, erotismo, pornografia, relacionamento e amor próprio são atualizadas no conjunto dessas imagens?", destrincha. Cada questão, ressalte-se, ganha novas camadas no contexto da pandemia. "A partir dele, nossa forma de operar no mundo, nossas relações nos campos social, profissional, afetivo e sexual certamente não voltarão a ser as mesmas", prevê.

O que diz o mercado erótico

Entre previsão de crescimento por conta de vendas online e incertezas sobre o cenário futuro, o mercado de produtos eróticos vem tentando se equilibrar em meio ao contexto da pandemia. Segundo dados do portal Mercado Erótico, obtidos a partir de prospecção junto a setores da cadeia do mercado erótico, a projeção média estimada de crescimento de vendas no período da quarentena pode ser de até 12%. Julianna Santos, uma das responsáveis pelo portal e pós-graduada em Educação Sexual pela Faculdade de Medicina do ABC, explica que antes da pandemia o setor se organizava para oferecer novos produtos para o próximo 12 de junho, data de importância para esse mercado. “Com a quarentena, tudo isso mudou. Como as fábricas e as importadoras tiveram que fechar as suas portas, esses lançamentos ainda não chegaram ao mercado. Tudo indica que se ela durar até o final de maio, os lançamentos não estarão disponíveis a tempo nas lojas para o Dia dos Namorados”, afirma. No entanto, ao mesmo tempo, há uma percepção de crescimento imediato de produtos eróticos nos canais de venda online. “O que estamos observando é que há uma alta procura pelos produtos durante o isolamento, o que pode acabar compensando para os lojistas, mas não sabemos como isso está impactando ainda a base da cadeia desse setor”, explica.

Consultora do setor, ex-presidente da Associação Brasileira de Empresas do Mercado Erótico e uma das responsáveis pelo portal Mercado Erótico, Paula Aguiar preparou para os leitores do Vida&Arte dicas sexuais para a quarentena, voltadas a solteiros e casados. Confira!

- Masturbação: Se já era algo normal e corriqueiro, agora na quarentena não pode ser negligenciado, seja com o uso da mão ou de acessórios. Para as mulheres, os mais modernos e eficientes sugadores de clitóris estão com tudo, prometendo orgasmos rápidos mais facilmente. Para eles, os ovinhos masturbadores são os mais desejados.

- Sexo virtual: Ele pode ser uma grande novidade em meio ao isolamento social. A quem não experimentou ainda, aqui está o momento propício. Para quem é comprometido, mas está longe, vale aquela brincadeira na madrugada. Para quem não tem ninguém, nem mesmo um ficante, apelar para os aplicativos de relacionamento pode ser uma saída para desafogar. 

- Contos eróticos: É hora de criar contos eróticos. Bota sua imaginação sexual para rodar e crie historinhas picantes. E que tal distribuir a amigos e amigas seus próprios contos, ou mesmo iniciar uma nova carreira como escritor erótico? Certamente blogs e redes sociais poderão receber esses contos e publicá-los para o grande público.

- Strip poker virtual: Para quem gosta de uma boa farra em grupo, convide os amigas e
amigos mais íntimos para um strip poker virtual. Quem perder vai tirando uma peça de roupa. O Skype pode ser ótima ferramenta para essa brincadeira. Vale também consultar outros joguinhos e adaptá-los para o universo online.

- Vídeos amadores: E que tal gravar uns vídeos "calientes" para aquela pessoa especial que está distante? A hora é de ousadia. Tente descobrir quais suas fantasias e crie vídeos eróticos realizando os desejos mais picantes dele.

- Striptease virtual: Monte o cenário em casa, vista-se bem sexy, coloque aquela música e ligue a câmera ao vivo, afinal o show vai começar.

- Vibradores à distância: O namorado ou namorada estar longe não é mais um problema. Existem vibradores com aplicativos controlados à distância. Combine um horário, estejam equipados que a brincadeira é forte. O dispositivo que realiza essa proeza é o Vibratíssimo (@inttcosmeticos).

- Cursos: É hora de se instruir e à sua disposição têm cursos de sedução, pompoarismo e muito sexo bom que pode ser aprendido. Fique fera na arte do amor estudando, afinal, lives pelo Instagram, livros e cursos online não faltam para todos os gostos. Veja em www.universidadedoprazer.com.br

- Terapia e acompanhamento: Terapia sexual também pode ser uma boa para quem tem alguma dificuldade. Já que está de quarentena, é também hora de cuidar da saúde sexual. Aproveite o momento de isolamento para repensar sua vida sexual ajudado por profissionais capacitados e que estão atendendo pela internet.

- Maratona: Aos casados, à noite no quarto, com televisão, a dica é maratonar os filmes
pornôs preferidos que a cama vai pegar fogo. Não faltam opções na TV a cabo ou mesmo na internet.

- Filme caseiro: Depois de maratonar, que tal fazer um filminho caseiro inspirado nas melhores cenas preferidas do casal? Bole o script juntinho e filme com o celular, mesmo, depois é só assistir sempre que quiserem relembrar a performance.

- Swing virtual: Isso é muito novo. Na internet, há vários grupos e não é difícil achar um casal ou vários para um sexchat pelo Skype. Vocês podem começar um a um se exibindo e masturbando virtualmente para o par do outro, enquanto os parceiros observam a brincadeira. Troquem desejos e prazeres, olhares e falas picantes, brinquem entre si.

- Fantasie: Não aguentam mais a rotina de fazer sempre do mesmo jeito? Finjam que são outras pessoas. Vocês podem ser polícia e bandido, médico e paciente, professora e aluno, enfim basta colocar a fantasia, improvisar a cena e entrar no personagem... acredite e faça a coisa
acontecer!

- Explore lugares: Faça sexo em lugares diferentes da casa. Na cozinha, vale a mesa, apoiada na pia, escorada nos armários. Pode ser no chuveiro ou na banheira, um clássico com muita espuma. No quintal ou lavanderia, improvise! Pode ser uma boa para inovar nessa hora.

- Converse sobre sexo: Dialogar abertamente também é muito saudável para o casal. Entre um petisco e um bom drink, vocês podem comentar sobre fantasias que nunca contaram, coisas que mais gostam na cama e até do que gostariam de fazer, tudo com muito respeito e delicadeza para que isso não se torne algo que magoe um dos dois.

- Sexo tântrico: É um bom momento para um sexo transcendental, além do fato de que vocês podem se conhecer e mudar completamente sua visão de orgasmo. O psicólogo Diego Zahori (@diegozahori) ensina curso de tantra online.

- Jantar afrodisíaco: Você sabia que existem ingredientes que despertam a libido e dão maior tesão? A chef do amor Claudia Marriel (@achefdoamor) disponibiliza várias receitas.

- Massagem: Uma boa massagem relaxa e aumenta a libido do casal.

- Dicas de perfis:

Sex shop: @sos_a_sos, @boutiquesexy.shop, @desejospermitidos

Sex coach: Andreia Salustiano (@andreia_mulherliderdesi)

Lingerie: Sedução Sexy Fashion (@seducaosfashion)

Striptease: Fátima Moura (@chadelingerie_oficial)

Terapia: Alyne Mereilles (@alyne.sexologa)

SERVIÇO
Guia de compras para uma quarentena sexy, do portal Mercado Erótico: www.bit.ly/guia-sexshop

O que dizem os apps

Um dos aplicativos de relacionamento mais populares no Brasil, o Tinder liberou gratuitamente há um mês o recurso Passaporte, que permite que os usuários dar matches ao redor do mundo. Segundo dados da plataforma, a ação garantiu recordes de utilização do aplicativo, que chegou a somar mais de 3 bilhões de “deslizadas” (o usuário escolhe ou rejeita os pretendentes deslizando para a direita ou esquerda, respectivamente) em um único dia. Nas redes sociais do app, as mensagens são diretas: “Faça amigos, conheça gente, marque webdates… mas fique em casa, fechou?”. O posicionamento do Grindr, voltado ao público LGBT, também estimula o isolamento. No Instagram, foi postada uma espécie de “cartilha” com recomendações como “evite se encontrar pessoalmente”, “reserve um tempo para praticar o autocuidado”, “encontre-se virtualmente com fotos, áudio, bate-papo por vídeo e bate-papo em grupo” ou “flerte e conheça pessoas no aplicativo”. Outro app de relacionamento, o Happn funciona a partir da localização, mostrando ao usuário perfis com os quais ele cruzou baseando-se em deslocamentos. Mesmo com tal base, a posição do app também é pró-isolamento. “Nós recomendamos que vocês adiem seus encontros. O isolamento que estamos vivendo no momento não deve encerrá-los, mas dar nova luz sobre eles. Chamadas de vídeos, mais conversas por mensagens e conexões através do som das suas vozes”, diz o texto do Happn.

 

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