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Sem pressa, com (c)alma
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Sem pressa, com (c)alma

Sem ter uma fórmula pronta, inciativa em oposição à aceleração da vida nos sugere um início de ano leve e consciente
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Para Conceiyção Montserrat (atuando no mercado nacional e internacional à frente de gestão e fomentação de negócios), consumir por consumir saiu de moda (Foto: Guilherme Andrade/Divulgação)
Foto: Guilherme Andrade/Divulgação Para Conceiyção Montserrat (atuando no mercado nacional e internacional à frente de gestão e fomentação de negócios), consumir por consumir saiu de moda

Se para você a presença do slow living é só agora ou de uns anos mais para cá, por causa, talvez, da repercussão da sustentabilidade na moda e sua tentativa de frear o consumo acelerado, assim como o slow beauty, que é viver o natural, saiba que o "slow" surgiu décadas atrás, ainda nos anos 1980. Na época, um episódio ativista, liderado por intelectuais, um deles, o sociólogo Carlo Petrini, que era contra a instalação de uma rede de fast food em um ponto turístico na Itália, pôs em discussão: "Somos escravizados pela rapidez e sucumbimos todos ao mesmo vírus insidioso: a Fast Life".

O manifesto trouxe um movimento à tona, o slow food, posteriormente ampliado para slow living, um guarda-chuva bem maior (incluindo slow kids, slow medicine, slow education) cunhado pelo jornalista escocês Carl Honoré que, no início dos anos 2000, compreendeu que o "Devagar" - livro reeditado para uma versão de 2019 do autor - tinha tudo a ver com a sociedade ainda hoje. "Trata-se de encontrar o andamento certo, apreciando o tempo em vez de apenas contá-lo. Fazer tudo da melhor maneira possível, em vez de o mais rápido possível. É uma questão de qualidade e não de quantidade, seja em qual âmbito for", disse para um encontro virtual no Brasil sobre o tema, no último mês.

Ainda em plena pandemia, a oposição à vida acelerada, diz uma especialista na área dos negócios, faz-se mais do que necessária. "Estávamos de maneira muito sutil iniciando um processo de conscientização sobre a maneira como consumíamos. De repente um vírus obriga todos voltarem para si e para a família", escreveu Conceiyção Montserrat, nos primeiros meses ainda do anúncio da Covid-19, em um artigo disponibilizado ao O POVO. Nele, ainda atual, questões que para ela já não são mais simplesmente "burocráticas", explica a expert em gestão e fomentação de negócios.

Organizar tarefas que pelo cansaço físico causado pelos longos deslocamentos era impossível, ou seja, perceber que você pode fazer muito mais pelo mesmo tempo disponível, é aqui que está o slow living. "O cenário atual nos faz repensar em nossas necessidades e prioridades, pois toda realidade será transformada após este período de restrição e conscientização, trazendo para rotina questões que antes estavam esquecidas", faz-nos lembrar.

"Ao contrário do que muita gente pensa (até com certo preconceito, aqui no Brasil) não é uma luta por sermos devagar e sim uma guerra por sermos mais humanos, recobrarmos nossos sentidos, sairmos do automático", soma a jornalista e pesquisadora do Desacelera SP Michelle Prazeres. "A importância de falarmos disso é que eu não vejo outra saída para nós como humanidade que não desacelerar", comenta. "No meu caso, os acontecimentos que me aproximaram do movimento foram as chegadas dos meus filhos. Costumo dizer que quando o Miguel nasceu o tempo encarnou", compartilha.

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Estante

Dicas para adesão ao SLOW LIVING

Inicie um hábito de cuidado
Medite pela manhã e desconecte-se (do mundo virtual) ao menos à noite
Durma uma hora antes e acorde uma hora antes; evite o estresse e a procrastinação
Organize sua vida e eleja prioridades
Trabalhe menos e melhor; produza com qualidade não por quantidade
Livre-se dos acúmulos. Desapegue
Torne a sua rotina simples. Tenha o que lhe faz bem
Viva a experiência (e as fases)
Cultive uma infância sem pressa
Explore a sua cidade
Ande de bicicleta
Saboreie a comida
(Saia da tela e) Passe a folha de um livro
Converse com quem está ao seu lado
Sinta a natureza
Tenha tempo para respirar

Helder, Ananda e Narayan, filho do casal, na postura da árvore
Helder, Ananda e Narayan, filho do casal, na postura da árvore

Parar, observar e recolher-se

Para Helder Lima e Ananda Kaur, do Ram Das Yoga e Terapias, um espaço onde nutrem com o oposto desenvolvendo corpo, mente e alma, a aceleração é a principal chamada de atenção pela humanidade. “O tempo tornou-se uma moeda preciosa. Acúmulo de tarefas, sensação de impotência diante dos desafios... Estamos adoecendo, desgastados e infelizes, e não conseguimos desacelerar. Estamos desconectados do presente, projetando o futuro ou remoendo o passado. O desgaste psíquico decorrente, tem cobrado um preço muito alto; com nossas vidas, saúde e relações se deteriorando”, por isso, avaliam. “Desacelerar tornou-se algo urgente e necessário” na visão do casal. “O yoga, a meditação e várias terapias oferecem a possibilidade de parar, observar e recolher-se”, ensinam. “O yoga, seja com os seus movimentos fluidos ou nas permanências nas posturas, suas técnicas de abstração dos sentidos, de relaxamento e meditação, somados com a busca de auto-observação; nos conectam através da respiração profunda”, fundamental à compreensão slow. “Esta interiorização recarrega nossas baterias psíquicas, o turbilhão de sensações desagradáveis, dando lugar a um sentimento de bem-estar e harmonia”, alcançado não por e para um instante, mas a uma vida nova, se disposto, a partir de então. “Precisamos de doses regulares e aí vem a necessidade de disciplina; quanto mais nos entregamos a este tipo de prática, mais fácil ela vai se tornando", ajudam a receber essa orientação. "É uma escolha que você pode fazer não para o próximo ano, mas para hoje!”, propõem.

Andréa Benício ajuda outras pessoas a encontrar o equilíbrio
Andréa Benício ajuda outras pessoas a encontrar o equilíbrio

Onde está o ritmo da nossa vida?

A pergunta puxa outra: o que é uma vida com mais presença se não se sabe a causa do que te faz acelerar, pelo que e por quê? Quem sugere a pesquisa interna, para um processo reverso ao da aceleração, é a professora de yoga, terapeuta ayurveda e sócio-gestora do Espaço Tenda Andréa Benício. Para a profissional, que diz receber em seu estúdio casos de pessoas esgotadas mentalmente, com a Síndrome de Burnout, "é necessário que a gente entenda o que que está gerindo esse ritmo em nós para que a gente possa recuperar o sistema nervoso e trazer mais equilíbrio para a vida", exemplifica. "Vamos supor que uma pessoa bastante acelerada, em uma vida dinâmica, de repente, fosse tirado dela a metade da carga de trabalho, como que a gente imagina que essa pessoa ficaria com esse tempo ocioso? Ele seria um tempo que geraria paz ou mais ânsia, para lidar com esse ritmo interno?", questiona. "Me sinto vivo na maior parte do meu dia? São perguntas que a gente vai fazendo para que a gente possa levar a um estado em que a nossa vida seja uma vida intencional, em alinhamento com os meus valores, crenças, que são únicos", lembra.

FORTALEZA,CE,BRASIL,11.06.2019: Tatiane Chaves, professora de yogfa e terapeuta ayurveda, que ressignificou sua menstruação e hoje olha para seu ciclo com respeito, cuidado e amor. (fotos: Tatiana Fortes/ O POVO)
FORTALEZA,CE,BRASIL,11.06.2019: Tatiane Chaves, professora de yogfa e terapeuta ayurveda, que ressignificou sua menstruação e hoje olha para seu ciclo com respeito, cuidado e amor. (fotos: Tatiana Fortes/ O POVO)

O simples

Desde que descobriu a prática Ashtanga yoga e adotou o ayurveda como profissão e estilo de vida, isso em 2004, Tati Chaves resolveu o que queria. "Tenho buscado uma vida mais simples", diz, sem deixar que atos, até mesmo corriqueiros, passassem despercebidos. Com a escolha do estilo em sua vida, passou a cuidar mais da alimentação, como da própria rotina. "Além disso, procuro consumir de forma consciente o que evita o desperdício. Cuidar do ambiente também é cuidar de nós mesmos", também incentiva.

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