Logo O POVO+
Decoração vintage preserva memórias afetivas
Pause

Decoração vintage preserva memórias afetivas

Como maneira de conservar as lembranças, o vintage retorna como alternativa para a decoração dos lares
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
A casa de Micaela Di Corrado dialoga entre o antigo e o novo (Foto: Micaela Di Corrado)
Foto: Micaela Di Corrado A casa de Micaela Di Corrado dialoga entre o antigo e o novo

Quem entra na casa de Micaela di Corrado, produtora de conteúdo digital, percebe que uma boneca da Pocahontas ocupa espaço privilegiado na decoração. Entre livros feministas, plantas e câmeras analógicas, a visão aparentemente infantil do brinquedo está ali por um motivo: foi seu pai que lhe deu há meia década. A história da Disney havia sido o primeiro filme que ela assistira no cinema e, ainda criança, sonhava com aquele pequeno mimo. Hoje a personagem enfeita a prateleira e representa o esforço que sua família precisou colocar para adquiri-la com pouco dinheiro. Outras peças de seu lar também conservam partes de antigas memórias, como um abajur pintado com flores da avó e os discos de vinil que há anos descobre em lojas locais. Esses objetos carregados de lembranças pregressas que compõem o ambiente são chamados de "vintage".

Para Micaela, cada objeto incorpora uma narrativa diferente. "Quando garimpamos itens, estamos honrando a história e, ao mesmo tempo, temos a possibilidade de ressignificá-los ao inseri-los em nossa própria história", acredita. A intensidade dos sentimentos é ainda maior quando a mobília tem proveniência familiar, porque está ligada ao passado de outros parentes. "O local em que moro atualmente com meu companheiro é minha primeira casa própria. Então, pela primeira vez, tenho a oportunidade de deixar tudo exatamente como sempre sonhei", comenta.

O isolamento intensificou a vivência desse lugar no seu cotidiano e permitiu a descoberta de novas necessidades. "Procuro entender o que cada cômodo tem a me oferecer antes de decorar. Prefiro ir com calma e mudar aos poucos, faz mais sentido para mim dessa forma. Minha casa é meu templo, decorá-la é uma terapia e uma forma de expressar minha individualidade. Por esse motivo está em constante transformação", afirma. Ela, que mantém um perfil no Instagram desde 2012, aumentou a produção de conteúdo nas redes sociais durante a pandemia. Com seu trabalho home office, conseguiu atender ao seu desejo de elaborar ideias para o digital. Atualmente, compartilha informações sobre decoração afetiva, jardinagem, veganismo e a adoção de um estilo de vida consciente na conta @micaeladicorrado, que já ultrapassa 20 mil seguidores.

O costume de utilizar antiguidades no lar não está somente vinculado às memórias de afeto. O funcionário público, Pedro Lisboa, por exemplo, adquiriu o hábito com a mãe, que sempre mandava restaurar os móveis. Desde então, acredita que essa prática cria uma atmosfera que liga o passado ao presente. "Mas sem o saudosismo do que passou, porque a vida segue em frente. Aprendi a gostar do vintage desde que me entendo por gente", indica. O que fascina o homem é a riqueza de detalhes nos objetos. "Não tenho essa ligação com a memória afetiva. Tenho móveis comprados em 'sucata' que restaurei e ficaram belíssimos. O que me chama a atenção são os detalhes de um trabalho feito com amor e de maneira artesanal", opina. Sobre as mobílias produzidas na atualidade, é incisivo: "não vejo graça nos móveis modernos".

Um dos motivos identificados para a tendência vintage é a busca por intimidade e personalidade nas casas. "Nos anos 1990, o comum era termos espaços mais 'limpos', com menos objetos e com móveis de design mais simples. Lembro que, nas revistas especializadas e nas mostras de arquitetura de interiores, até os livros eram encapados com papel de uma mesma cor para tornar o ambiente mais homogêneo. Isso sempre me inquietou", recorda Lia Alcântara Rodrigues, arquiteta e professora de Design na Universidade Federal do Ceará (UFC). Para ela, os móveis pareciam ser pensados para ninguém. "Acredito que uma casa tem que ter a cara de quem mora nela, não a de que qualquer um poderia morar ali. Hoje, talvez estejamos no caminho inverso", complementa.

Segundo a professora, estar rodeado de mobílias que contam histórias possibilita uma sensação de bem estar e segurança. "Mesmo que não estejamos conscientemente pensando nos móveis, objetos e suas histórias, estar num ambiente assim nos traz a sensação de acolhimento e proteção", identifica. Em uma realidade que preza pela atualização em excesso, ela percebe que donos de moradia estão buscando traduzir suas experiências no espaço físico. "Alguns móveis acompanham gerações e ativam memórias de almoços barulhentos na casa da avó, de brigas entre irmãos, de risadas no quintal... Talvez as pessoas sintam falta dessas sensações na correria de hoje. Talvez a compra de móveis e objetos vintage aproxime essas pessoas desses sentimentos que estão ausentes", acredita.

Ligia Cristina Battezzati, professora de Arte no Instituto Federal do Paraná, defende que o ambiente em que se vive tem o poder de comunicar sobre as identificações de alguém. "Os objetos do nosso cotidiano nos constituem como indivíduos únicos, particulares, e o mesmo acontece nas nossas relações com os ambientes em que vivemos. Na contramão do que se imagina, podemos dizer que o vintage busca o velho, a preservação de emoções e experiências afetivas do passado. Mas nesta composição, é importante ter o cuidado para não exagerar e não transformar o ambiente em um antiquário", recomenda.

Segundo a pesquisadora, esse estilo estabelece uma relação com os valores e os afetos colecionados ao longo da vida. "Ao compor um arranjo doméstico com o uso desses artefatos, estamos inseridos em um contexto doméstico que representa as nossas escolhas e identidades. Assim como a moda, a decoração de interiores faz parte de um sistema simbólico: constituímos as relações com os artefatos ao mesmo tempo em que somos constituídos por eles, o que resulta na formação de identidades sociais. Há uma reciprocidade."

O antigo e o novo dialogam na decoração do arquiteto Rodrigo Porto
O antigo e o novo dialogam na decoração do arquiteto Rodrigo Porto

Entre o antigo e o novo

No lar de Rodrigo Porto, professor de Arquitetura da Universidade de Fortaleza (Unifor), o diálogo entre passado e presente permanece na decoração. Proveniente da casa de seus pais, a mesa de cabeceira do arquiteto finlandês Eeron Saarinen está ao lado de aspectos que refletem a modernidade, como uma parede de veludo e cores acinzentadas. "O segredo é a composição cromática. Não tem nada mais harmônico do que colocar, lado a lado, objetos diferentes, mas que, sobretudo, fiquem bonitos", afirma.

Um dos elementos que almeja em ter é um tapete persa Kashimir que pertencia à bisavó. Sua antecessora trouxe a tapeçaria quando migrou do Líbano para o Brasil. Décadas mais tarde, o objeto fez parte do quarto dele quando era um bebê. Agora está na casa de seus parentes, e o professor pretende ficar com ele no futuro. "A minha opinião é que esses móveis ou objetos dão personalidade. Você mostra que é uma pessoa que conhece estilos, que tem a sensibilidade mais aguçada. Quando vou em uma casa que tudo é moderno, branco e prático demais, não vejo vida", opina.

De acordo com ele, todos os meios criativos passam por um processo de busca pelas origens. "Isso está claro até para os leigos que não lidam com a parte criativa. O mundo está passando por uma transformação grande e muitas coisas novas estão sendo criadas. Por isso, as pessoas ficam perdidas", explica. Retomar a memória afetiva - seja com objetos antigos ou que transmitem histórias - é uma forma de criar vínculo neste período de rápidas mudanças.

Vintage X Retrô

"O termo 'vintage' é associado ao que marcou uma determinada época do século XX. Os móveis e objetos vintage são originais, idealizados em algum período do passado, e conservam suas características. Carrega um valor diferenciado e fica mais nobre com o passar do tempo. Já o termo 'retrô' é o móvel ou objeto produzido atualmente, mas inspirado no passado. O retrô homenageia o vintage, buscando representar uma época que já ficou para trás por meio dos mesmos aspectos formais" - Ligia Cristina Battezzati, professora de Arte no Instituto Federal do Paraná e autora da dissertação "A personalização dos ambientes domésticos através do uso dos estilos vintage e retrô na decoração contemporânea".

Conhecimento para todos

Em 1999, a psicóloga Vero Kraemer (@verokraemer) precisava encontrar outras alternativas de sustento. Com experiências de seu hobbie, comprou vasos para pintar com as tintas que sobraram da reforma de seu apartamento. Aos poucos, começou a vender suas obras na rua até que o aumento de vendas proporcionou a expansão para um espaço próprio, denominado “Além da Rua Atelier”. Especializada em mosaicos e na pintura de móveis, vasos e telas, aprendeu a reutilizar peças antigas de acordo com a demanda dos clientes.

Há mais de uma década, tomou um novo passo em sua carreira ao criar uma conta na internet para guardar as fotos de seu trabalho. Essa situação, que começou sem objetivos específicos, tomou grandes proporções. O blog passou a ser visitado com frequência, e os leitores pediam informações sobre assuntos específicos. “Comecei a fazer tutoriais transformando e customizando móveis. Então passei a receber fotos de peças transformadas pelo público. Isso é mágico!”, encanta-se ao falar.

Sua presença digital também conta com um canal no Youtube. Com mais de 130 mil inscritos, costuma realizar vídeos introdutórios sobre reutilização e pintura de móveis, além de conceder outras dicas de artesanato. Para os que desejam aprofundar seus conhecimentos, também é possível adquirir três cursos virtuais: “Mosaico”, “Pintura em vasos” e “Pintura em móveis”. “As peças antigas viram as estrelas da casa. É muito diferente uma casa que tem apenas móveis modernos de uma casa que tem peças antigas. Um lar com personalidade, a meu ver, tem móveis antigos que são a cara de seus moradores”, explicita.

Onde encontrar serviços

Polylustres Restaurações e Antiquário

Especializada na restauração de peças de prata e móveis, a Polylustres atua no ramo desde 1994. A empresa familiar começou como iniciativa de um casal que decidiu trabalhar em conjunto e segue aberta até hoje. Com o foco inaugural na prataria, os dois expandiram o comércio para atender ao público que buscava aprimorar antigos móveis de madeira.

De acordo com o sócio, Ronald Filho, quase toda a mobília pode ser restaurada, contanto que não esteja comprometida com bichos, por exemplo. "Somos procurados por causa da memória afetiva. O móvel não tem valor financeiro, mas tem valor sentimental. Foi da avó ou da bisavó e está na família há muitos anos", explica.

Quando: de segunda-feira a sexta-feira, das 9h às 17h30min; sábado, das 9h às 12 horas

Onde: rua Padre Valdevino, 1699 - Aldeota, Fortaleza

Mais informações: pelo telefone (85) 3244.6791

Mab Móveis Usados

Há mais de duas décadas no mercado, a empresa foca na venda de móveis antigos, como guarda-roupas, cristaleiras, mesas, entre outros objetos. Também realizam a restauração de mobílias, além de imagens de gesso e madeira.

Quando: segunda-feira a sexta-feira, das 8h30min às 17 horas; sábado, das 8h30min às 12 horas

Onde: avenida Dom Manuel, 612 - Centro, Fortaleza

Mais informações: pelo telefone (85) 98749.6791

Bel Lar Usados

A loja Bel Lar é especializada na venda e na compra de móveis antigos em Fortaleza. Cristaleiras, penteadeiras, relógios e cabeceiras são alguns dos objetos que podem ser encontrados no local.

Quando: segunda-feira a sexta-feira, das 8h às 17 horas; sábado, das 8h às 13 horas

Onde: avenida Dom Manuel, 211 - Centro, Fortaleza

Mais informações: pelo telefone (85) 3231.3499

 

O que você achou desse conteúdo?