Olhar para a arquitetura à nossa volta é presenciar a memória - enquanto de pé, para ser vista e utilizada - sempre viva. Basta estar em uma dessas construções, projetadas, por exemplo, por Lina Bo Bardi. Arquiteta é uma das grandes referências no Brasil. Lina, no entanto, é italiana. Mas naturalizou-se brasileira.
Seu legado para a arquitetura é tão grandioso quanto a força da mais recente premiação endereçada à ela, morta em 1992, in memoriam: o Leão de Ouro Especial, conferido em Veneza, durante a 17ª Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza, onde participou, in loco, o então secretário especial da cultura Mario Frias, sem saber o mínimo quem foi Lina Bo Bardi.
Quem foi Lina, senhor Mario? Daria para repetir este nome por toda a Avenida Paulista, onde a arquiteta, de visão ousada, permanece viva, nas estruturas de um dos seus projetos mais icônicos, no Brasil, a criação do Museu de arte de São Paulo Assis Chateaubriand, o Masp. Também daria para resumir, de forma sucinta, por seu reconhecimento, dado pelo evento, com a curadoria de Hashim Sarkis, que a destaca "pelo conjunto de obra para a primeira mulher brasileira e a primeira no mundo com obra construida".
Essa é Lina, pertinente da sua época aos dias atuais, na leitura da temática este ano: "Como viveremos juntos?". "Sua carreira como designer, editora, curadora e ativista nos lembra o papel do arquiteto como organizador e, principalmente, como construtor de visões coletivas. Lina Bo Bardi também exemplifica a perseverança da arquiteta em tempos difíceis, sejam guerras, conflitos políticos ou imigração, e sua capacidade de permanecer criativa, generosa e otimista o tempo inteiro", descreveu Sarkis, arquiteto, em nota.
Pouco após o fato, que culminou críticas, movidas pelo desconhecimento da arquiteta por parte de uma figura gestora da cultura no País, em sequência, o Brasil viveu o gosto de pesar. Faleceu no dia 23 de maio Paulo Mendes da Rocha, o chamado "Nobel da Arquitetura", aos 92 anos de idade, vítima de um câncer de pulmão. A perda do arquiteto trouxe à tona sua trajetória em vida e obra.
Paulo faz parte de uma lista de nomes que deram forma e dimensão à história, a exemplo de outros grandes construtores, como Oscar Niemeyer, do projeto de Brasília, entre tantos, e João Filgueiras Lima, o Lelé, autor, por exemplo, dos hospitais da Rede Sarah Kubitscheck.
Passeie a seguir pela arquitetura do nosso país e descubra mais sobre os grandes mestres, incluindo, além de Lina, Mendes da Rocha, Niemeyer e Lelé. O guia é do professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) e articulista O POVO Romeu Duarte Junior. Em vez de dez, ele reúne onze, "os quais me parecem, em termos de relevância de projeto e obra, postura intelectual e política e atuação no ensino os maiores profissionais brasileiros de arquitetura e urbanismo", observa.
Linguagem brutalista
Lina Bo Bardi (Roma/Itália, 1914 - São Paulo/SP, 1992) - "Italiana de origem, veio ao Brasil com seu marido Pietro Maria Bardi para desenvolver uma profícua atuação em São Paulo. São dela os projetos do Museu de Arte de São Paulo e do SESC/Pompéia, ícones da linguagem brutalista paulistana. Acaba de receber o Leão de Ouro da Bienal de Veneza pelo conjunto de sua obra".
Onde há curva
Oscar Niemeyer (Rio de Janeiro/RJ, 1907 - Rio de Janeiro/RJ, 2012) - "Membro da equipe liderada por Lúcio Costa responsável pela elaboração do projeto do Ministério de Educação e Saúde, em 1937, é um dos mais importantes arquitetos do século XX em todo o mundo, ganhando, pela qualidade da sua obra, espalhada em todo o planeta, o Prêmio Pritzker de 1988".
Encontro de mundos
Paulo Mendes da Rocha (Vitória/ES, 1929 - São Paulo/SP, 2021) - "É um arquiteto ligado à Escola Paulista, ex-professor da FAUUSP, que se notabilizou pelos seus projetos arquitetônicos e urbanísticos, nos quais aliava ousadamente a arte à técnica. Pela qualidade da sua obra, ganhou o Prêmio Pritzker de 2006".
À frente
João da Gama Filgueiras Lima (Lelé) (Rio de Janeiro/RJ, 1932 - Salvador/BA, 2014) - "Membro da equipe de arquitetos liderada por Oscar Niemeyer em Brasília, é autor dos projetos dos hospitais da Rede Sarah Kubitscheck, espalhados por todo o País. Talvez tenha sido a maior autoridade em tecnologia da arquitetura no Brasil".
Conexões
Lúcio Costa (Toulon/França, 1902 - Rio de Janeiro/RJ, 1998) - "Inicialmente ligado ao Neocolonial, foi o introdutor do pensamento arquitetônico e urbanístico corbusiano na arquitetura brasileira. Autor do projeto de Brasília, é o mais influente arquiteto brasileiro do século XX".
Visão múltipla
Acácio Gil Borsói (Rio de Janeiro/RJ, 1924 - São Paulo/SP, 2009) - "Formado no Rio de Janeiro, desenvolveu seu trabalho no Nordeste, podendo ser considerado o arquiteto de atuação mais importante nesta região, com importantes trabalhos nas áreas residencial, industrial e institucional".
Assinatura no Rio
Marcos espalhados
Rino Levi (Roma/Itália, 1901 - Chapada Diamantina/BA, 1965) - "Foi um arquiteto de grande prestígio profissional, intelectual e político em São Paulo, dono de uma dos maiores escritórios de arquitetura e urbanismo do Brasil, com inúmeros trabalhos nas áreas da arquitetura residencial, institucional e industrial".
Além do concreto
Vilanova Artigas (Curitiba/PR, 1915 - São Paulo/SP, 1985) - "Foi o grande ideólogo da Escola Paulista, ex-professor da FAUUSP, com uma influência intelectual e política presente até hoje na escola, e autor dos projetos da sede da FAUUSP e da Rodoviária de Jaú".
Outros nomes
Joaquim Guedes (São Paulo/SP, 1932 - São Paulo/SP, 2008): "Professor da FAUUSP, é autor do projeto da cidade de Caraíba, tendo também apresentado sua proposta para Brasília, no concurso realizado para esta cidade em 1955. De orientação de certa forma contrária à Escola Paulista, é autor de um sem número de projetos de residências de grande qualidade, destacando-se o apuro em seus detalhes", ressalta arquiteto Romeu Duarte.
Na análise do professor e profissional também entra José Liberal de Castro (Fortaleza/CE, 1926). Formado na Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro em 1955, "é uma das maiores autoridades da história da arquitetura brasileira, sendo um dos pioneiros na instalação da profissão no Ceará", lembra. Professor Emérito da UFC, "é um dos autores do projeto do Estádio Plácido Aderaldo Castelo, o Castelão, e do Palácio Progresso", menciona Romeu.
Play
Em 2015, a Amazon Prime lançou a série "Arquitetos brasileiros", composta por 13 episódios, incluindo nomes como os de Marcio Kogan e Índio da Costa, e o documentário especial sobre "Vilanova Artigas: o arquiteto e a luz". Também para dar o play tem o filme "A vida é um sopro" (2007) que conta a história de um dos grandes mestres da arquitetura brasileira, Oscar Niemeyer, morto em 2012. Do gênero documentário, disponível para assistir no YouTube, a produção traz personalidades como José Saramago, Ferreira Gullar e Chico Buarque. Lançado na mesma época, para quem curte o visual cosmopolita da cidade de São Paulo, pode conferir este outro vídeo: "Elevado 3.5". Com direção de João Sodré, Maíra Bühler e Paulo Pastorelo, o trabalho destaca uma das vias mais importantes da cidade, chamada Minhocão, e o movimento de pessoas por lá.