Logo O POVO+
"50 Duetos": conheça as obras e o espaço da exposição com o Vida&Arte
Pause

"50 Duetos": conheça as obras e o espaço da exposição com o Vida&Arte

A exposição "50 duetos", aberta para visitas presenciais no Espaço Cultural Unifor, celebra os 50 anos da Fundação Edson Queiroz. Nesta matéria, o Vida&Arte guia o leitor pelo espaço
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Foto: Thais Mesquita "Duas Amigas", de Lasar Segall (1889 - 1957), e "Melancholy", de Vik Muniz (Thais Mesquita/OPOVO)

O poeta e pintor brasileiro Ismael Nery (1900 - 1934) seguia uma corrente ideológica própria que perpassa toda sua obra. O "essencialismo", definido e explicado por pessoas próximas depois de sua morte, defendia a ideia de encontrar a abstração completa para atingir a universalidade da existência. É um conceito que talvez seja difícil de compreender em uma primeira leitura, mas está presente na maioria de suas produções, como no poema "Eu" (1933). Entre os versos, expõe: "Eu sou o que não existe entre o que existe. Eu sou tudo sem ser coisa alguma. Eu sou o amor entre os esposos. Eu sou o marido e a mullher. Eu sou a unidade infinita. Eu sou um deus como princípio. Eu sou poeta". Esse texto, que está na parede do Espaço Cultural Unifor, faz relação com seu autorretrato divulgado na exposição "50 Duetos".

Esta reportagem percorre as salas e os quadros da mostra que celebra os 50 anos da Fundação Edson Queiroz. O ambiente faz conexões entre pintores de diferentes gerações, técnicas e correntes artísticas para promover reflexões nos espectadores. E, assim como Ismael Nery descreveu em seu poema, esta matéria busca se tornar "o profeta, desconhecido, cego, surdo e mudo. Quase como todo mundo". Funde-se em dois, em um diálogo entre o leitor e o papel, para levá-lo a uma exposição que promove, a todo momento, a ligação entre duetos.

O espaço estava previsto para inaugurar em março deste ano, no mês em que o segundo período de isolamento social rígido no Ceará começou. Por isso, houve uma adaptação para o virtual a partir de um vídeo divulgado no canal do Youtube da Universidade de Fortaleza (Unifor). Agora as visitas presenciais retornaram com adequações. Com a obrigatoriedade de máscaras, distanciamento entre pessoas e álcool gel nas portas, os visitantes adentram em um universo diferente daquele didatismo presente em "Da Terra Brasilis à Aldeia Global", que propunha um conhecimento histórico do acervo.

Exposição '50 Duetos' comemora os 50 anos da Fundação Edson Queiroz no Espaço Cultural Unifor (Thais Mesquita/OPOVO)
Exposição '50 Duetos' comemora os 50 anos da Fundação Edson Queiroz no Espaço Cultural Unifor (Thais Mesquita/OPOVO)

Em "50 Duetos", a ideia é traçar paralelos entre artistas que, em uma exposição com temas mais específicos, talvez nunca seriam encontrados juntos. Essas conexões, sob responsabilidade da curadora Denise Mattar, é o resultado de uma extensa pesquisa acerca das pinturas e das instalações disponíveis no catálogo.

Algumas associações são mais evidentes, apesar das distinções nas técnicas. Na entrada da primeira ala, há a série "Dom Quichotte", do espanhol Salvador Dalí (1904 - 1989). Com seis produções diferentes, ele primeiro atirou tinta para, a partir disso, criar uma pintura. Entre manchas com predominância vermelha e preta, demonstra formas que podem ser identificadas com a narrativa original. Seu duo é "Dom Quixote", do escultor austríaco Francisco Stockinger (1919 - 2009). A obra, feita em ferro soldado e madeira, revela o icônico cavalo da narrativa com o protagonista de Miguel de Cervantes em cima.

"Dom Quichotte", do espanhol Salvador Dalí, dialoga com "Dom Quixote", do escultor austríaco Francisco Stockinger
"Dom Quichotte", do espanhol Salvador Dalí, dialoga com "Dom Quixote", do escultor austríaco Francisco Stockinger

A sala seguinte propõe conexões entre as paisagens. "Paisagem Azul", do cearense Antonio Bandeira (1922 - 1967), dialoga diretamente com a escultura "Paineira", do escultor polonês Frans Krajcberg (1921-2017). Os dois se unem por meio do abstracionismo e do jogo de sombras. O mesmo acontece entre "Paisagem, Enseada de Botafogo", de Nicolao Antonio Facchinetti (1824 - 1900), com "Nazaré", de José Albano, e "Paisagem do Novo Mundo com Índios e Holandeses", de Bonaventura Peeters (1614-1652), com "A Fragata La Bele Ancorada na Baía do Rio de Janeiro", de Auguste Mayer (1805-1890).

"Paisagem, Enseada de Botafogo", de Nicolao Facchinetti, e "Nazaré", de José Albano (Thais Mesquita/OPOVO)
"Paisagem, Enseada de Botafogo", de Nicolao Facchinetti, e "Nazaré", de José Albano (Thais Mesquita/OPOVO)

Talvez um dos maiores destaques seja a interlocução do fotógrafo Christian Cravo com a artista plástica Tomie Ohtake (1913-2015). A primeira é uma fotografia denominada "Namíbia I", da série "Luz e Sombra". A segunda é uma pintura feita em óleo sob tela que não tem título. As cores acinzentadas e as curvas escuras parecem até que foram elaboradas a partir de um mesmo objeto. Caso alguém não conheça o trabalho dos dois, é quase impossível identificar o que foi pintado ou fotografado.

"Namíbia 1", de Christian Cravo, e "Sem Título", de Tomie Ohtake (Thais Mesquita/OPOVO)
"Namíbia 1", de Christian Cravo, e "Sem Título", de Tomie Ohtake (Thais Mesquita/OPOVO)

Já no segundo salão, o espectador se depara com um conteúdo que pode suscitar várias memórias nos brasileiros. Ao lado de "Duas Amigas", de Lasar Segall (1889 - 1957), está um rosto familiar, que acompanhou as casas do Brasil por muitos meses entre 2010 e 2011. Era uma imagem exibida diariamente na Rede Globo, na abertura da famosa novela "Passione", dirigida por Denise Saraceni. Com autoria de Vik Muniz, a cópia digital "Melancholy" mostra uma mulher com expressões de melancolia desenhada ao redor de um lixão.

"Duas Amigas", de Lasar Segall (1889 - 1957), e "Melancholy", de Vik Muniz (Thais Mesquita/OPOVO)
"Duas Amigas", de Lasar Segall (1889 - 1957), e "Melancholy", de Vik Muniz (Thais Mesquita/OPOVO)

Várias outras temáticas são motivos de ligações diversas. O feminismo, a infância e as festas populares do País são algumas das conexões abordadas até chegar no voyeurismo. Dentro de um pequeno espaço, o visitante se insere em local similar ao que está sendo retratado nas pinturas. Entre quatro paredes rosas, é como se estivesse dentro de um quarto, observando o íntimo dos artistas da mesma forma que um voyeur. Cristiano Mascaro retrata em "Interior com porta e cortina" a visão de alguém acerca de uma sala externa em perfeito estado. Por outro lado, "Interior (Saleta de descanso em Mônaco)", da modernista Anita Malfatti (1889-1964), revela um ambiente desarrumado, com livros no chão, gavetas abertas e panos jogados em uma cadeira.

(5) "Interior com porta e cortina", de Cristiano Mascaro, mostra o espaço íntimo (Thais Mesquita/OPOVO)
(5) "Interior com porta e cortina", de Cristiano Mascaro, mostra o espaço íntimo (Thais Mesquita/OPOVO)

Ao atravessar o salão e adentrar a segunda ala, as pessoas logo são confrontadas com conteúdos religiosos. A modernista Tarsila do Amaral (1886 - 1973) está ao lado de Francisco de Almeida. Os dois representam a herança do barroco - estética que trabalha com o dualismo entre corpo e espiritualidade, principalmente, na religião católica - com pinturas e colagens de santas.

"Religião brasileira IV", de Tarsila do Amaral, com "Altar de Luz", de Francisco de Almeida (Thais Mesquita/OPOVO)
"Religião brasileira IV", de Tarsila do Amaral, com "Altar de Luz", de Francisco de Almeida (Thais Mesquita/OPOVO)

Na frente deles, o espectador se distancia do catolicismo e conhece duas produções baseadas nas religiões de matrizes afro-brasileiras. Na fotografia de José Bento, um menino negro está sentado nos pés da escultura de um bode. À esquerda do garoto, está a estátua de um homem preto com armas na cintura, posicionado de uma maneira que parece proteger o jovem. A obra intitulada de "Floresta Invisível" faz um dueto com a produção "Onijó Ibirin - A Dançarina", de Mestre Didi (1917 - 2013). Com madeira e tecido, o artista plástico afro-brasileiro expressa a anscestralidade através da estética.

"Floresta Invisível", de José Bento, compõe dueto com "Onijó Ibirin - A Dançarina", de Mestre Didi (Thais Mesquita/OPOVO)
"Floresta Invisível", de José Bento, compõe dueto com "Onijó Ibirin - A Dançarina", de Mestre Didi (Thais Mesquita/OPOVO)

Durante o caminho, aquele que admira a mostra se coloca diante de dezenas de artistas com técnicas abstratas. Entretanto, tudo começa a ficar ainda mais subjetivo ao andar pelas salas desta ala. Há, por exemplo, a pintura "Composição Geométrica", de Samson Flexor (1907-1971) que se assemelha com a instalação "Bicho", de Lygia Clark (1920-1988).

Hélio Oiticica e Luiz Hermano estão juntos na exposição '50 Duetos' (Thais Mesquita/OPOVO)
Hélio Oiticica e Luiz Hermano estão juntos na exposição '50 Duetos' (Thais Mesquita/OPOVO)

A série "Metaesquema", de Hélio Oiticica (1937-1980), também mantém comunicação direta com "Cubo Movediço", de Luiz Hermano. Ambos os duetos se conectam pela forma e, por vezes, pela cor.

Na última ala, é possível conhecer aspectos da criação de Brasília, que ocorreu no início de 1960. As fotografias de Thomaz Farkas (1924-2011) revelam o então presidente Juscelino Kubitscheck com pessoas que provavelmente pretendiam se mudar para a nova capital brasileira. Estes eram operários, que foram chamados de "candangos" e que estão representados na escultura de bronze de Bruno Giorgi (1905-1993).

A "50 Duetos", entretanto, não realiza apenas um diálogo entre artistas. Proporciona, logo no fim da visita, uma conexão com outra exposição do Espaço Cultural Unifor. O último salão traz uma produção do artista Sérgio Helle, que está com uma mostra individual no mesmo local.

(9)
(9)

A "Águas de Março" passeia por duas séries do cearense que mescla conhecimentos das ferramentas digitais com as técnicas de desenho e pintura. E, caso o visitante decida conhecer o ambiente autoral do artista, será convidado a imergir nos ciclos da vida durante a pandemia.

Artistas e seus duetos

Djanira da Mota e Silva e Cândido Portinari

Emiliano di Cavalcante e Mariana Palma

Salvador Dali e Xico Stockinger

Vicente Leite e Chico Albuquerque

Antonio Bandeira e Frans Krajcberg

B. Peeters e Auguste Mayer

Facchinetti e José Albano

Parreiras e José Albano

Tomie Ohtake e Christian Cravo

Félix-Émile Taunay e Rodrigo Frota

Pedro Alexandrino e Cláudio Valério

Francisco Oeirense e Simplício de Sá

Belmiro de Almeida e João Câmara

Lasar Segall e Vik Muniz

Timótheo da Costa e Geraldo de Barros

Décio Villares e Rodolfo Amoedo

Di Cavalcanti e Botero

Di Cavalcanti e Sebastião Salgado

Anita Malfatti e Cristiano Mascaro

Portinari e Djanira

Almeida Júnior e Irmãos Campana

Lasar Segall e Ismael Nery

Ismael Nery e Iberê Camargo

Gomide e Brecheret

Tarsila do Amaral e Francisco de Almeida

Meste Didi e José Bento

Rego Monteiro e Raimundo de Oliveira

Rego Monteiro e Cícero Dias

Antônio Poteiro e Nelson Leirner

Rego Monteiro e Volpi

Cícero Dias e Volpi

Raoul Dufy e De Fiori

Rubem Valentim e Mira Schendel

Beatriz Milhazes e Irmãos Campana

Palatnik e Leda Catunda

Visconti e Sacilotto

Flexor e Lygia Clark

Hélio Oiticica e Luiz Hermano

Franz Weissmann e Mira Schendel

Rebolo e Lygia Clark

Sacilotto e León Ferrari

Arden Quin e Sérvulo Esmeraldo

Palatnik e Sérvulo Esmeraldo

Antônio Maluf e Claudio Tozzi

Babinski e Gerchman

Adriana Varejão e Sérgio Helle

Volpi e José Guedes

Sérgio Camargo e Heloysa Juaçaba

Flexor e Bruno Giorgi

Thomaz Farkas e Bruno Giorgi

50 Duetos

Quando: de terça-feira a sexta-feira, das 9h às 18 horas; aos sábados e domingos, das 10h às 18 horas

Onde: no Espaço Cultural da Universidade de Fortaleza (avenida Washington Soares, 1321 - Edson Queiroz)

Mais informações: pelo telefone (85) 3477.3319

O que você achou desse conteúdo?