O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) abriu ontem procedimento preliminar para investigar a conduta dos procuradores da República Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon, ambos integrantes da Operação Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF).
A reclamação disciplinar foi instaurada a partir de representação apresentada pelo PT com base em mensagens publicadas pelo site jornalístico "The Intercept Brasil". Nelas, diz a legenda, estariam demonstradas irregularidades cometidas por Dallagnol na realização de palestras.
Assinada pelo corregedor Orlando Rochadel Moreira, a decisão foi enviada ao CNMP. No documento, Rochadel afirma que "a ampla repercussão nacional (das mensagens) demanda atuação da Corregedoria Nacional".
O corregedor registra que "a imagem social do Ministério Público deve ser resguardada e a sociedade deve ter a plena convicção de que os membros do Ministério Público se pautam pela plena legalidade".
"Sem adiantar qualquer juízo de mérito", prossegue Rochadel, "observa-se que o contexto indicado (nos diálogos) assevera eventual desvio na conduta de membros do Ministério Público Federal, o que, em tese, pode caracterizar falta funcional".
Para o chefe do CNMP, inicialmente "é necessária análise preliminar do conteúdo veiculado pela imprensa, notadamente pelo volume de informações constantes dos veículos de comunicação".
Diálogos atribuídos a Dallagnol e ao ex-juiz Sergio Moro vieram à tona em 9 de junho deste ano, em série de reportagens do Intercept. Posteriormente, a publicação das mensagens passou a incluir outros veículos, como o jornal "Folha de S. Paulo", a revista "Veja" e o blog do colunista do O POVO Reinaldo Azevedo.
Nas conversas, Moro orienta procuradores sobre etapas de processos em curso, sugere inclusão de provas para a acusação em inquéritos e auxilia na organização das fases da Lava Jato.
Pelas redes sociais, o ex-magistrado e hoje ministro da Justiça voltou a negar ontem que tenha cometido irregularidades. "Sou grande defensor da liberdade de imprensa, mas essa campanha contra a Lava Jato e a favor da corrupção está beirando o ridículo", escreveu Moro no Twitter. "Continuem, mas convém um pouco de reflexão para não se desmoralizarem. Se houver algo sério e autêntico, publiquem por gentileza."
Nessa terça-feira, nova leva de mensagens expôs conversas entre Moro e Dallagnol e entre o procurador e sua esposa. Nos diálogos, publicados pela colunista Mônica Bérgamo, o coordenador da Lava Jato no MPF admite haver pedido à Federação das Indústrias do Ceará (Fiec) cachê de R$ 30 mil para apresentar palestra em julho de 2017, além de passagens, hospedagem para a família e ingressos para o parque aquático Beach Park.
Nas mensagens, Dallagnol diz à esposa: "Posso pegar 20/7 e condicionar ao pagamento de hotel e de passagens pra todos nós". Noutro trecho, agora dirigindo-se a Moro, o coordenador da Lava Jato afirma: "Eu pedi pra pagarem passagens pra mim e família e estadia no Beach Park. As crianças adoraram". Dallagnol informa também que "eles pagaram um valor significativo, perto de uns 30k (R$ 30 mil). Fica para você (Moro) avaliar".
Procurada por O POVO, a Fiec confirmou haver pago R$ 30 mil a Dallagnol e custeado suas passagens. O tema da palestra foi sobre combate à corrupção. A entidade negou, todavia, que tenha bancado ingressos no parque aquático para o procurador, esposa e dois filhos.
Chefe da PGR, Raquel Dodge declara apoio à Lava Jato
Em reunião ontem com integrantes da força-tarefa da Lava Jato, a procuradora-geral da República Raquel Dodge declarou apoio aos integrantes do Ministério Público Federal (MPF).
"O apoio institucional, financeiro e de pessoal ao combate à corrupção e ao crime organizado, para que a Força-Tarefa Lava Jato cumpra com integridade seus objetivos, continuará, permitindo que o patrimônio público seja preservado e que a honestidade dos administradores prevaleça", disse a chefe a PGR.
Dodge disse ainda que o "respeito ao contraditório e a ampla defesa devem sempre ser observados na atuação institucional, especialmente nas ações judiciais".
As declarações foram reproduzidas em nota publicada no site do MPF pouco depois do encontro, que discutiu ataque aos telefones de procuradores e o teor das mensagens vazadas. Dodge, cujo mandato se encerra em setembro, concorre por fora da lista tríplice para ser reconduzida ao cargo na Procuradoria.
Sobre as acusações de que membros da Lava Jato atuaram fora do estrito cumprimento da legislação, a nota do MPF registra que a "PGR lembrou que, em caso específico, já se manifestou no Supremo Tribunal Federal (STF) de forma contrária a pedido apresentado pela defesa do ex-presidente Lula, que reiterou — com base nas supostas conversas — pedido de anulação do julgamento que condenou o político".
Procurador responsável pela coordenação do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR, José Alfredo de Paula Silva deixou seu posto na última sexta-feira, 12. Braço direito de Dodge, ele teria deixado o cargo por divergências diante do silêncio da PGR ante as mensagens que expunham diálogos de membros do MPF.
Cachê
Em novas mensagens divulgadas ontem, Dallagnol condiciona realização de palestra no Ceará à concessão de passagens, hospedagem, cachê e ingressos para o Beach Park