Incitado por um ato que reuniu manifestantes ontem, em Brasília, o presidente Jair Bolsonaro fez uso das redes sociais para renovar o esgarçamento das relações do Executivo com o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente declarou que as Forças Armadas estão ao lado do seu governo e que pede a Deus que "não tenhamos problemas nesta semana" porque ele "chegou no limite" e "daqui para frente não tem mais conversa" e a Constituição "será cumprida a qualquer preço".
"Vocês sabem que o povo está conosco, as Forças Armadas ao lado da lei, da ordem, da democracia, liberdade, também estão ao nosso lado. Vamos tocar o barco, peço a Deus que não tenhamos problema nessa semana, porque chegamos no limite, não tem mais conversa, daqui para frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço. Amanhã nomeados novo diretor da PF, e o Brasil segue seu rumo", afirmou o presidente.
Na live, o presidente afirmou ainda que não irá mais admitir interferência em seu governo. "O que nós queremos é o melhor para o nosso País, a independência verdadeira dos três Poderes, não apenas uma letra da Constituição. Chega de interferência, não vamos mais admitir interferência, acabou a paciência."
Quando a transmissão foi feita, uma multidão se aglomerava em frente ao Palácio do Planalto. Em um ato de caráter antidemocrático e contrário ao que recomendam os órgãos de Saúde, bolsonaristas pediam a saída do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) da presidência da Câmara e o fechamento do Supremo Tribunal Federal.
As palavras de Bolsonaro têm endereço certo. As declarações ocorrem dias depois de o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, proibir a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a Polícia Federal, e o ex-ministro Sergio Moro prestar depoimento num inquérito que tramita no Supremo e no qual Bolsonaro é investigado por supostamente tentar interferir no comando da PF para ter acesso ilegal a inquéritos sigilosos que miram seus filhos e apoiadores. A acusação foi feita por Moro ao se demitir do governo.
Moro entrega à PF mensagens que trocou com Bolsonaro e deputada Carla Zambelli em rede social
Oficiais-generais influentes ouvidos pela reportagem avaliaram que o presidente tentou fazer uso político do capital das Forças Armadas, o que provocou novo incômodo no setor.
Na rampa do Palácio do Planalto, sem microfone para fazer discurso, Bolsonaro ficou cerca de uma hora, acenando à população. No dia em que o Brasil ultrapassou o número de mais de 100 mil pessoas contaminadas pela covid-19 e mais de 7 mil pessoas mortas, os manifestantes tomaram conta da região central de Brasília, formando filas quilométricas por um lado inteiro da Esplanada dos Ministérios.
O que, em princípio, tinha sido anunciado com uma grande carreata de apoio a Bolsonaro, transformou-se em uma significativa manifestação de rua, com milhares de pessoas aglomeradas em frente ao Congresso e ao Palácio do Planalto, pedindo a queda do Legislativo e do Judiciário.
A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal não informou quantos manifestantes participaram do ato. A multidão tomou boa parte do gramado central do Congresso e a frente do Palácio do Planalto.
Bolsonaro desceu a rampa por volta de 13h e foi cumprimentar os presentes na beira do alambrado que cerca o local. Mais uma vez em desrespeito às medidas de prevenção contra a covid-19, o presidente voltou a se aproximar dos populares e incentivou a aglomeração onde a maioria nem sequer utilizava máscaras de proteção. (Agência Estado)
Jornalistas são agredidos e expulsos de ato
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro agrediram com chutes, socos e empurrões a equipe de profissionais do jornal O Estado de S. Paulo que acompanhava uma manifestação pró-governo realizada neste domingo em Brasília. O fotógrafo Dida Sampaio registrava imagens do presidente em frente à rampa do Palácio do Planalto, numa área restrita à imprensa, quando foi agredido.
Ministros do Supremo, partidos políticos, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e entidades como a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) rechaçaram os ataques. Até a conclusão desta matéria, o Palácio do Planalto não havia se manifestado.
Sampaio usava uma pequena escada para fazer o registro das imagens quando foi empurrado duas vezes por manifestantes, que desferiram chutes e socos nele. O motorista do jornal, Marcos Pereira, que apoiava a equipe de reportagem, também foi agredido fisicamente com uma rasteira. Os manifestantes gritavam palavras de ordem, como "fora Estadão" e "lixo".
Os dois profissionais precisaram deixar o local rapidamente para uma área segura e procuraram o apoio da Polícia Militar. Eles deixaram o local escoltados pela PM. Júlia Lindner e André Borges, jornalistas do Estadão que também acompanhavam a manifestação em outro ponto da Esplanada, foram insultados, mas não sofreram agressões físicas.
Entre os gritos contra Maia e ministros do Supremo, os manifestantes que participaram do ato de ontem também se posicionaram contra a imprensa. Em certo momento, parte deles começou a gritar "Globo Lixo" e partiu contra profissionais de empresas jornalísticas.
Em nota, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) condenou as agressões sofridas por jornalistas e pelo motorista do jornal O Estado de S.Paulo.
"Além de atentarem de maneira covarde contra a integridade física daqueles que exerciam sua atividade profissional, os agressores atacaram frontalmente a própria liberdade de imprensa", diz o texto. A ANJ também ressaltou que atentar contra o livre exercício da atividade jornalística é "ferir também o direito dos cidadãos de serem livremente informados."
"A ANJ espera que as autoridades responsáveis identifiquem os agressores, que eles sejam levados à Justiça e punidos na forma da lei", conclui a associação.
Jornal divulga nota
"A diretoria e os jornalistas de O Estado de S. Paulo repudiam veementemente os atos de violência cometidos hoje contra sua equipe de jornalistas durante uma manifestação diante do Palácio do Planalto em apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Trata-se de uma agressão covarde contra o jornal, a imprensa e a democracia. A violência, mesmo vinda da copa e dos porões do poder, nunca nos intimidou. Apenas nos incentiva a prosseguir com as denúncias dos atos de um governo que, eleito em processo democrático , menos de um ano e meio depois dá todos os sinais de que se desvia para o arbítrio e a violência.
Dada a natureza dos acontecimentos deste domingo, esperamos que a apuração penal e civil das agressões seja conduzida por agentes públicos independentes, não vinculados às autoridades federais que, pela ação e pela omissão, se acumpliciam com o processo em curso de sabotagem do regime democrático".