Preso ontem na operação que levou ao afastamento de Wilson Witzel, o pastor Everaldo Dias Pereira é apontado pelo MPF como o responsável por organizar uma "caixinha" abastecida por propinas que eram divididas com Witzel.
Influente na política fluminense, Pastor Everaldo concorreu à Presidência da República em 2014 pelo Partido Social Cristão (PSC) - ele comanda a legenda - e, em 2016, batizou o presidente Jair Bolsonaro nas águas do Rio Jordão, em Israel.
Segundo as investigações, Everaldo é suspeito de liderar "um dos grupos criminosos" que atuavam no Executivo e no Legislativo do Rio. Esse grupo é acusadode cobrar propina para direcionar contratos em várias áreas da gestão pública.
"Everaldo instituiu uma 'caixinha única' para pagamentos de vantagens indevidas a agentes públicos da organização criminosa sob investigação, a partir do direcionamento de contratações de organizações sociais e na cobrança de um 'pedágio' sobre a destinação de 'restos a pagar' aos fornecedores", diz representação da subprocuradora-geral Lindôra Araújo ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A prisão do pastor foi autorizada pelo ministro da Corte Benedito Gonçalves.
Para "administrar a caixinha", ainda conforme os investigadores, Everaldo teria criado uma "típica estrutura ramificada de organização criminosa, com divisão de tarefas entre integrantes do grupo", entre eles Witzel e o ex-secretário de Saúde do Rio Edmar Santos, que fez acordo de delação premiada.
O ex-secretário Edmar Santos relatou ao Ministério Público Federal que, um dia antes da Operação Placebo, que, em maio, mirou irregularidades no governo do Rio, Witzel repassou R$ 15 mil em espécie a Everaldo. Segundo o colaborador, o pastor mostrou a quantia a ele, "com receio, em tese, de que a Polícia Federal encontrasse os valores na realização das buscas e apreensões".
"Trata-se de provável tentativa de esconder valores supostamente ilícitos, angariados em espécie (prática usual utilizada por grupos criminosos para evitar o rastreamento do dinheiro)", escreveu o ministro Benedito Gonçalves em sua decisão.
Santos afirmou ainda aos investigadores ter sofrido ameaças, antes de acertar a delação, de pessoas ligadas a Everaldo. O ex-secretário disse que, quando estava preso no Batalhão Especial Prisional de Niterói, foi procurado por um homem que se apresentou como "tenente Cabana", que recomendou a ele trocar de advogado a fim de que não fosse abandonado pelo "grupo". Santos declarou que interpretou a visita como uma ameaça para que ficasse calado.
Dois filhos de Everaldo, Filipe e Laércio Pereira, são suspeitos de integrar o esquema por meio de "várias pessoas jurídicas e sociedades com outros membros da organização". Os dois também foram alvo de mandados de prisão ontem. Filipe foi assessor de Witzel.
Da candidatura nanica ao Planalto em 2014 até a prisão pela Polícia Federal, a trajetória política de Pastor Everaldo ficou marcada pelo "batismo" do presidente no Rio Jordão, em maio de 2016. Católico, Bolsonaro, então deputado federal, fez, na ocasião, um aceno aos evangélicos, hoje parte importante do seu eleitorado.
Dois anos depois, o pastor ganhou poderes na política do Rio. Presidente do partido de Witzel, Everaldo foi o responsável por estimular a candidatura do ex-juiz ao governo do Estado. Era visto com frequência no Palácio Guanabara, embora não tivesse cargo público.
Além da Secretaria de Saúde, foco da investigação sobre desvios durante a pandemia do novo coronavírus, o pastor da Assembleia de Deus mantinha influência também na Cedae, empresa pública de água e esgoto. Na gestão de Anthony Garotinho (1999-2002), Everaldo foi subsecretário da Casa Civil e coordenou o programa Cheque Cidadão, que distribuía vale-compra para famílias carentes. A distribuição se dava por meio de templos religiosos.
Em nota, Pastor Everaldo afirmou que "sempre esteve à disposição das autoridades e reitera sua confiança na Justiça". A defesa dos filhos do pastor não foi localizada. O PSC informou que o ex-senador e ex-deputado Marcondes Gadelha, vice-presidente nacional da sigla, assume provisoriamente a presidência da legenda. O partido disse que "confia na Justiça e no amplo direito de defesa de todos os cidadãos". Witzel negou as acusações.