Na opinião das mulheres ouvidas por O POVO, um primeiro passo para mudar um cenário de opressão à mulher nos Parlamentos é incentivar as denúncias de violências, dar visibilidade à questão, colocar como pauta para ser discutida. É preciso ir além, no entanto.
A socióloga Paula Vieira considera essencial entender que as vereadoras, deputadas e outras eleitas estão lá para construir políticas públicas, participar das tomadas de decisões, pensar pautas e novos projetos.
"Os homens esvaziam a discussão da representação feminina. É um boicote. Eles não escutam. Se não tem a formação desse interesse, consequentemente, valores conservadores que já existem continuam", afirma.
Apesar do avanço ao longo dos anos, muito facilitado pelas cotas partidárias a mulheres nas eleições, o acolhimento a essas outras identidades não ocorre da forma que deveria. A falta de representatividade prejudica o bem-estar público e pode ser um empecilho para pautas progressistas.
Monalisa Lopes, cientista social e pesquisadora do Lepem-UFC, concorda: "Se elas não estão (no Parlamento), elas não vão decidir sobre as questões e transformar esse espaço de decisão a favor de outras mulheres. Muito importante que a gente fique mais ciente da existência dessa forma de violência", conclui.
E falar em inserção de mulheres no campo político fica ainda mais dificultoso com a população trans e travesti. O Ceará, por exemplo, ainda não elegeu nenhuma mulher transgênero para o Parlamento.
Lucivânia Sousa, articuladora na Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para LGBT, ligada à Secretaria de Proteção Social, Justiça, Mulheres e Direitos Humanos (SPS), aponta que essa lacuna representa um atraso para o Estado.
"A política ainda é um espaço dominado por pessoas brancas, cis, heteronormativas. Há pouco acesso de pessoas transgêneras. Nosso Estado carece de uma promoção de direitos humanos. Que ganho seria se a gente tivesse uma mulher trans/travesti no poder!", reflete.
Para minar essas desigualdades, segundo Lucivânia, é preciso também apostar na promoção e na defesa dos direitos humanos de pessoas trans. "Não tem como pensar nesse processo sem pensar em educação de direitos humanos, sem trabalhar a visibilidade, a memória das pessoas trans, promoção de cidadania", lista.
Para a coordenadora, assim como em outros campos da sociedade, na política há uma interseccionalidade que determina os lugares e possibilidades de acesso dos indivíduos. "A esse grupo (população transgênero) é dado o lugar da rua, da marginalização", comenta. Para toda a sociedade, a lição, além do que foi citado acima, é praticar a empatia e enfrentar cotidianamente a transfobia.
Para a vereadora Adriana Gerônimo, do mandato coletivo Nossa Cara (Psol), é muito potente a presença de mulheres na política, porque "elas vivem de forma única". "Vivem opressões, contradições, entendem como funciona esse lugar de ser chefe da família. Ser mulher nesse lugar é muito importante", considera.
Ela e as colegas de mandato Louise Santana e Lila M. Salu pretendem aplicar essa visão na atuação parlamentar. "Queremos ser vereadoras da cidade. Quero que as pessoas entendam que esse fazer político é para mudar a cidade", complementa Adriana.
Augusta Brito (PCdoB), mais experiente na política, acrescenta a importância das cotas e defende que os cargos dessas mulheres sejam verdadeiramente ativos "para que todas possam se sentir representadas. O Parlamento é bom por isso, porque tem vários pensamentos, de várias pessoas", comenta.
E mesmo com as diferenças, poder contar com apoio e proteção de outra mulher é também significativo no campo político. É o que aponta Dra. Silvana (PL): "Eu vejo que a gente tem uma união, uma sintonia voltada para nos proteger".
Adriana complementa: "Temos posições que não vamos abrir mão. Temos muitas divergências, mas a gente vai continuar se respeitando". (Gabriela Feitosa/especial para O POVO)