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Por que não há razões para comemorar o golpe de 1964
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Por que não há razões para comemorar o golpe de 1964

| DITADURA | O 31 de março marca o início de uma fase trágica da nossa história, com censura, prisões, torturas e execuções. Rupturas democráticas que precisam ser lembradas para nunca mais acontecerem
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Imagem histórica de homem sendo perseguido por agentes da repressão no regime militar, durante o AI-5 (Foto:  Evandro Teixeira)
Foto: Evandro Teixeira Imagem histórica de homem sendo perseguido por agentes da repressão no regime militar, durante o AI-5

O 57º aniversário do golpe militar de 1964 no Brasil ocorreu ontem, em meio a uma crise militar pouco vista desde a própria ditadura. Pela primeira vez na história, os três comandantes das Forças Armadas pediram renúncia conjunta por discordarem do presidente da República. É nesse ambiente que o Brasil chega à data que marca o início de um período de mais de 20 anos de censura, perseguição, prisões, torturas e execuções, com parte do espectro político repudiando o golpe e parte celebrando.

Desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o poder, em 2019, discussões sobre o tema ganharam força. Naquele ano, Bolsonaro disse aos quartéis que comemorassem a data. Em 2020, o então ministro da Defesa, general Azevedo e Silva, classificou o ocorrido como um "marco na democracia brasileira". Esta semana, o recém-nomeado ministro da Defesa, Braga Netto, apontou que os acontecimentos daquele 31 de março devem ser "celebrados".

O novo ministro destacou ainda que as Forças Armadas "acompanham as mudanças dos últimos anos, conscientes de sua missão constitucional de defender a pátria, garantir os poderes constitucionais, e seguros de que a harmonia e o equilíbrio entre esses poderes preservarão a paz e a estabilidade". No documento, ele não mencionou os 21 anos em que os militares se mantiveram no poder e os atos de censura à imprensa e perseguições.

Para analistas, celebrar o ocorrido fere a Constituição porque exalta um período onde houve uma série de rupturas democráticas. Classificado por Braga Netto, como um "movimento", a ditadura militar no Brasil suspendeu liberdades e direitos individuais, sustou eleições diretas, torturou e executou opositores e promoveu uma das décadas mais duras para a história nacional durante o período do Ato Institucional 5 (AI-5), o mais repressivo do período, que culminou no fechamento do Congresso Nacional.

Cleyton Monte, cientista político vinculado ao Laboratório de Estudos sobre Política Eleições e Mídia (Lepem-UFC), defende que, do ponto de vista científico e histórico, não é possível uma interpretação do ocorrido que seja diferente de uma ruptura institucional. "Isso é muito consolidado. Você não vai encontrar um historiador sério defendendo que o que houve foi um movimento democrático ou preventivo. Já temos biografias, que mostram que até os militares tinham consciência de que estavam forçando o aparelho democrático. Quanto mais avançamos no tempo, mas isso se consolida", explica.

Fala endossada pelo advogado Pedro Dallari, membro da Comissão Nacional da Verdade (CNV), instaurada com finalidade apurar violações de Direitos Humanos no Brasil, sobretudo na ditadura, que apontou que celebrar o golpe é ir contra os valores da Constituição. "O Estado brasileiro é baseado no Estado democrático de Direito e todas as conduções dos órgãos estatais devem estar sintonizadas com essa ideia. O país se redemocratizou, criou uma nova Constituição Federal e fixou princípios. Portanto, isso vai contra a lógica da ditadura", disse em entrevista ao programa Revista Brasil.

Monte explica a interpretação dos que exaltam o golpe a partir de um modelo de vários generais que viam aquele momento como ação preventiva contra uma ameaça comunista irreal. "Houve uma articulação entre militares e setores importantes da sociedade para a defesa de que houve no Brasil uma situação extraordinária, e nessa situação as Forças Armadas entrariam como guardiões da ordem nacional", destaca, afirmando que "não existia o mínimo risco de uma intervenção comunista" à época.

"O que aconteceu no País foi a instrumentalização da atmosfera da Guerra Fria, que fazia com que as pessoas tivessem medo. Tudo que ameaçava a ordem estabelecida no Brasil era visto como 'comunista'. Quando se falava em reforma agrária, universalização da Educação e da Saúde, isso era visto como comunismo. Hoje vemos que não é assim", conclui.

Principais fatos da ditadura militar
Principais fatos da ditadura militar (Foto: Principais fatos da ditadura militar)

 

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