Ailton Krenak, em seu livro "A vida não é útil", afirma que, neste momento, estamos sendo desafiados por uma espécie de erosão da vida, corroída e deteriorada por forças que agem de forma indiferente a ela. Ele destaca ainda que o atual quadro pandêmico que atravessamos revela uma manobra da natureza que denuncia o tipo de vida que nós criamos. Não há como sobrevivermos a esse modo de vida.
Às vésperas de mais uma Cúpula do Clima, o cenário não parece mudar para o Brasil. Na última segunda-feira, dia 19 de abril, data símbolo à resistência indígena, fomos surpreendidos com mais um assustador quadro de devastação ambiental na floresta amazônica. De acordo com o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), registramos o pior desmatamento para o mês de março nos últimos 10 anos. Quando comparado ao mesmo período do ano anterior, o desmatamento em 2021 é 216% a mais do que em 2020.
No dia seguinte aos dados divulgados pelo Imazon, mais de 400 servidores do Ibama assinaram um ofício denunciando a nova regra do Ministério do Meio Ambiente, que determina que as multas por infrações ambientais sejam submetidas à autorização de um superior do órgão.
Uma semana antes, Alexandre Saraiva, então superintendente da Polícia Federal no Amazonas, enviou ao STF notícia-crime contra o ministro Ricardo Salles, acusando-o dos crimes de advocacia administrativa, organização criminosa e de obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do poder público.
O Brasil coleciona um conjunto de desagravos ambientais. Em dezembro de 2020, como se não bastasse, o governo brasileiro, através de Ricardo Salles e do ex-chanceler Ernesto Araújo, alterou seu compromisso com o Acordo de Paris, revisando o índice de liberação de poluentes. A revisão trata-se de uma manobra que permitirá ao Brasil cumprir com o compromisso ambiental, mesmo com elevada emissão de poluentes. Uma ação popular protocolada na Justiça de São Paulo classificou a manobra de Salles como “pedalada climática”.
O governo Biden, anfitrião da Cúpula do Clima, já cobrou ações imediatas do governo brasileiro e considerou decepcionante as revisões que o país promoveu em relação ao Acordo de Paris. Infelizmente, a imagem brasileira se deteriora a cada novo instante. Para mudar esse cenário - se é que é possível -, o Brasil precisará assumir compromissos mais rigorosos do que os que até agora foram apresentados pelo governo. O plano Amazônia, coordenado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, foi considerado vazio. O governo não consegue apresentar uma medida sequer de propositura concreta. O Brasil precisa urgentemente parar com o desmatamento e a grilagem de terras, regularizar a estrutura fundiária e proteger o Código Florestal.
É preciso repensar urgentemente nossas ações! É necessário libertarmo-nos do vírus da indiferença, da falta de empatia e solidariedade, do individualismo latente que expõe ao risco toda uma sociedade.
Como diz Ailton Krenak, a vida é tão maravilhosa que a nossa mente tenta dar uma utilidade a ela, mas a vida não precisa de utilidade, pois a vida é fruição, a vida não é útil.
Professor Pedro Israel é mestre em Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal do Ceará (UFC)