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Demitri Túlio: A hipocrisia das duas narrativas
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Demitri Túlio: A hipocrisia das duas narrativas

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Numa coisa, Bolsonaro é eficiente, como mau cristão é o melhor semeador de discórdia do País. Seu nome, para a história e construção da paz aqui e fora do Brasil, não significará nada. Mas seu poder de dispersar, exatamente o contrário do que canta a Oração de São Francisco, é de uma eficiência mefistofélica.

É a partir da chegada de Bolsonaro ao poder que os hipócritas envergonhados – boa parte viúvas de uma ditadura militar (1964-1985) e seus filhos, netos e sobrinhos – saem das corriolas privadas e passam a defender absurdos publicamente.

O argumento de que um templo, feito a Igreja da Paz em Fortaleza, não pode ser transformado em palanque político é falacioso para sustentar o que, de verdade, está em jogo. Não é de agora que o ex-tenente enxotado do Exército usa altares neopentecostais – católicos e protestantes – para fazer política partidária.

A começar pelo slogan de campanha e de governo, “Brasil acima de Tudo, Deus acima de Todos”. É quase uma volta à Idade Média quando se misturava, interessadamente, Estado e Igreja. Com um agravante, “Brasil acima de tudo” é a representação arcaica de um Estado sem pluralidade de segmentos e comandado a partir das Forças Armadas.

“Brasil acima de tudo”, fui policial militar durante cinco anos, virou um brado ou saudação nos quartéis. Primeiro, nas Forças Armadas. Teria se originado entre os anos 66/75, talvez em julho de 1966 depois do estouro de uma bomba no Aeroporto de Guararapes, em Recife, e atentados que ocorreriam na sequência.

Oficiais paraquedistas, revoltados com o “terrorismo de esquerda”, teriam passado a se reunir como grupo e criado o “Centelha Nativista”. Um agrupamento com carta de princípios, mandamentos nacionalistas, símbolos e até uma oração. Isso quem me contou foi o meu amigo general que gosta de dialogar. Há também vários artigos na Internet.

O “Brasil acima de tudo” nascia ali com os oficiais paraquedistas. Uma espécie de salvo conduto para as ações desse aparelho militar contra “terroristas de esquerda” fechando os olhos, inclusive, para a quebra da hierarquia e disciplina. Tudo era possível.

O mais ruidoso foi 1969, no episódio do sequestro e troca do embaixador americano Charles Burke Elbrick pela ALN e MR-8. Revoltado com a libertação de 13 presos políticos, o Centelha Nativista tentou impedir a partida do avião “dos esquerdas”. Não conseguiu. Por esse e outros atos de indisciplina “de direita”, foram processados, mas a Justiça Militar foi corporativa e os inocentou porque eram “jovens idealistas”.

Nos quartéis, passou a ser comum o grito “Brasil” e a resposta era “acima de tudo”. Militares evangélicos e católicos teriam se incomodado e acrescentado “abaixo somente de Deus”. Dois brados templários de guerra apropriados pelos marqueteiros de Bolsonaro e transformados em um mantra político.

Isso tudo para dizer que a religião e a política estão misturadas, sempre estiveram. Desde que Cristo foi um preso político e antes mesmo da dominação cristã contra outras formas de espiritualidade.

É hipocrisia a direita bolsonarista fazer de conta que só reza e comunga no território da Igreja da Paz. Que não produz subjetividades políticas. E também é balela dizer que a esquerda não chega com a Teologia da Libertação em homilias na Aldeota ou nas paróquias da periferia.

As duas narrativas estão postas e se confrontam, sim. O que não precisa é o comportamento de facção, querer dominar e expulsar “inimigos” do território. Afinal, segundo o catolicismo, igreja também é comunhão. Nem que seja da boca para fora e todo domingo missa e hóstia.

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