Em janeiro deste ano, um dispositivo que facilitaria a compra de imunizantes da Pfizer e da Janssen foi retirado da MP das Vacinas, publicada ainda naquele mês pelo governo Jair Bolsonaro. Segundo a investigação da CPI da Covid, a remoção contou com atuação do Ministério da Economia, que, à época, ainda apostava na “imunidade de rebanho” e temia a ameaça de possíveis processos contra a União por eventuais efeitos colaterais de vacinas.
Mesmo com essas e outras suspeitas rondando a pasta de Paulo Guedes, o nome do ministro não se encontra entre os 66 políticos, empresários e médicos indiciados pelo relatório final da CPI da Covid. E ele não é o único: mirando em evitar desgastes com determinados setores, diversas outras pessoas citadas em documentos e depoimentos obtidos pela comissão acabaram “poupadas” no relatório de Renan Calheiros (MDB-AL).
Antes da apresentação do documento, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), chegou a defender que Guedes e o secretário nacional de política econômica, Adolfo Sachsida, fossem indiciados como corresponsáveis pelo atraso da vacinação no País. Além deles, alvos como o ministro Walter Braga Netto (Defesa) e o pastor Silas Malafaia também foram excluídos ou tiveram responsabilização “minimizada” no relatório.
Outros dirigentes citados nas investigações da CPI em diversos momentos, como autoridades ligadas à Fundação Nacional do Índio (Funai) ou à crise de abastecimento de oxigênio em Manaus, também foram poupadas de qualquer associação com crimes.
No caso de Guedes, as menções ao ministro e sua equipe foram removidas pelo "G7" – como é conhecido o grupo majoritário de senadores opositores ou independentes da CPI – na última terça-feira, 19, em reunião na casa do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) em Brasília. Entre o grupo, prosperou a tese do presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), de que as acusações poderiam prejudicar a já delicada situação econômica do Brasil.
Além da interferência no caso da compra da Pfizer, a pasta de Guedes também foi citada em diversos outros depoimentos e documentos da CPI, inclusive por apostar – sem qualquer diálogo com o Ministério da Saúde – em medidas contra o isolamento social nos estados e na não ocorrência de uma segunda onda da Covid no país.
A Economia também foi amplamente citada no depoimento da advogada Bruna Morato, representante de médicos que formularam um "dossiê" contra a operadora de saúde Prevent Senior. Segundo ela, o Ministério teria participado de “pacto” entre a empresa e membros do chamado gabinete paralelo que aconselhava Jair Bolsonaro (sem partido) e defendia o uso do “tratamento precoce” como forma de evitar o fechamento de setores da economia.
O "alívio" dado a Guedes não contrariou apenas Randolfe, como o próprio relator Renan Calheiros. “Concordo com a inclusão do ministro Paulo Guedes. Mas disse ao senador Randolfe [Rodrigues] que, para tanto, é preciso que a gente tenha maioria. O ministro Paulo Guedes interrompeu o pagamento do auxílio; do ponto de vista da Fazenda, ele dificultou o enfrentamento da pandemia em várias oportunidades”, disse Renan na terça-feira, horas antes da reunião do G7 que acabou poupando o ministro.
Já sobre Braga Netto, o relatório final não exclui totalmente a responsabilização do ministro, mas o indicia apenas pelo crime de epidemia com resultado de morte. A acusação é considerada “branda” para o protagonismo do general – que chegou a atuar como coordenador do comitê criado pelo Planalto para supervisionar e monitorar o avanço da Covid-19 no país – na política do governo sobre a pandemia.
Mesmo citado por diversos depoimentos na CPI, Braga Netto só aparece no relatório final do grupo oito vezes – o Estado do Ceará, por exemplo, é citado 18 vezes. No caso do general, a “economia” de menções e acusações é vista como uma forma de evitar uma escalada de tensões entre a comissão e militares que integram o governo Jair Bolsonaro.
No fim de agosto, o ministro chegou a lançar uma nota, assinada em conjunto com chefes das três Forças Armadas, rebatendo acusações da CPI contra militares. Na época, Jair Bolsonaro também ampliava pressão sobre instituições democráticas, convocando atos de 7 de setembro e fazendo uma série de ameaças golpistas contra o Congresso e o Judiciário. Na época, a tensão fez com que a comissão sequer convocasse Braga Netto para prestar esclarecimentos.
Silas Malafaia, considerado conselheiro pessoal de Jair Bolsonaro, também foi totalmente excluído de qualquer menção no relatório. Inicialmente, os senadores chegaram a avaliar o indiciamento do pastor por incitação ao crime e disseminação de fake news, mas acabaram descartando a tese para evitar desgastes com líderes religiosos.
No entendimento de membros do G7, as acusações contra o pastor na comissão são frágeis e poderiam abastecer um discurso de que a CPI estaria "perseguindo" evangélicos. Uma comparação feita pelos senadores são os atuais ataques sofridos por Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, por evangélicos após ele não pautar a sabatina de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF).
CPI vai indiciar sete novos nomes no relatório final
Com votação marcada para amanhã, relatório final da CPI da Covid deve receber nas próximas horas sete novos pedidos de indiciamento. Com isso, o número total de pessoas acusadas de crimes pela comissão passará a 73.
Dos novos citados, a ampla maioria, seis, trabalham ou já trabalharam no Ministério da Saúde, durante as gestões Eduardo Pazuello ou Marcelo Queiroga. A maioria dos casos envolve a linha de investigação da CPI que apura possíveis irregularidades em processos de compra de vacinas pelo Governo Federal.
Entre os acusados estão Alex Lial Marinho, ex-coordenador de Logística, e Regina Célia Oliveira, servidora da pasta. Segundo investigações da CPI, os dois teriam tratado de contratos de compra de vacinas investigados pela pasta.
O reverendo Amilton Gomes de Paula, que teria tentado intermediar a compra de vacinas pelo Ministério da Davati Medical Supply, também será incluído entre os indiciados.
Outros acusados envolvem assessores técnicos do Ministério da Saúde e Hélio Angotti Netto, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos da pasta.
Da forma como foi acordado, o relatório da CPI deverá ter aprovação folgada no grupo, com votos favoráveis de sete dos 11 membros da comissão. Votarão contra o texto de Renan Calheiros (MDB-AL) apenas os senadores Luis Carlos Heinze (PP-RS), Marcos Rogério (DEM-RO) e Eduardo Girão (Podemos-CE), com os dois últimos apresentando relatórios paralelos livrando o governo das acusações.
Após a aprovação do relatório, a cúpula da CPI começará a fazer visitas para entregar o relatório a autoridades responsáveis por tocar as investigações. Já na quarta-feira, 27, o grupo planeja visitar o procurador-geral da República, Augusto Aras, para ampliar a pressão para que as apurações não sejam "engavetadas". (Carlos Mazza)