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Mesmo democrático, sistema político brasileiro ainda exclui negros do poder
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Mesmo democrático, sistema político brasileiro ainda exclui negros do poder

Pretos e pardos são maioria no país, mas minoria entre eleitos. Exclusão social e econômica dessa população dificulta a construção de um processo democrático real, sustentam movimentos antirracistas
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Plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Pedro França)
Foto: Pedro França Plenário da Câmara dos Deputados

Desde a Constituição de 1988, o Brasil se propõe a um regime político democrático representativo. Nesse sentido, políticos são eleitos para legislar, indicar os usos do orçamento público e criar políticas destinadas à melhoria das condições de vida. Porém, tais poderes têm sido delegados a pessoas que não fazem parte do estrato social predominante.

Enquanto mais da metade da população brasileira é de mulheres e pessoas negras, na Câmara dos Deputados, maior casa parlamentar do País, 75% dos assentos são ocupados por brancos, em sua maioria, homens. O cenário demonstra que, na prática, ainda falta democracia.

Essa é uma das defesas da historiadora e pesquisadora Wlamyra Albuquerque, uma das autoras do livro “Uma história da cultura afro-brasileira”. Em entrevista ao Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (Ceert), a professora do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA) diz que “não é possível haver democracia sem igualdade racial”, e “se não temos ainda igualdade racial, estamos muito longe de qualquer modelo de democracia aceitável na sociedade contemporânea”.

Na fala, Wlamyra refere-se à exclusão da população negra de espaços políticos tradicionais que vai de encontro à situação de pobreza enfrentada por essas pessoas. Além de mais pobres, pardos e pretos sofrem as maiores taxas de homicídios, em comparação com a população autodeclarada branca, mostrou o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, lançado em setembro do ano passado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).

De acordo com a pesquisa, a cada dois brancos extremamente pobres, existem cinco negros na mesma situação. Enquanto isso, o índice de mortalidade decaiu entre a população branca e triplicou, entre 2013 a 2017, entre os pardos e pretos.

As diversas barreiras socioeconômicas são os principais fatores que impedem a chegada de pessoas negras à política, indica a co-vereadora Louise Santana (Psol), membro da mandata coletiva Nossa Cara, chapa formada por três mulheres negras com raízes nas periferias de Fortaleza.

“É importante reconhecer que a falta de pessoas negras nos espaços partidários não é uma ausência aleatória, é resposta da sobrecarga de trabalho dessas pessoas, do distanciamento intelectual que esses espaços partidários fazem questão de estabelecer com essas pessoas que, muitas vezes, são privadas dos espaços institucionais de aprendizagem. Então, é uma série de desdobramentos que precisam ser vencidos e superados”, explica.

Mesmo fazendo parte de uma agremiação de orientação ideológica de esquerda, Santana conta que a experiência inédita do mandato tem servido para organizar e orientar o partido para a formação de novas lideranças racializadas.

Em agosto do ano passado, Tribunal Superior Eleitoral (TSE) definiu que candidatos negros terão direito à distribuição de verbas públicas para financiamento de campanha e tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão em patamares mínimos e proporcionais.

A regra determina que a distribuição de recursos para propaganda eleitoral seja distribuída igualmente entre candidaturas de mulheres brancas e negras (50%), e que exista um custeio proporcional das campanhas de candidatos negros, com percentual mínimo de 30% na distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

A norma contribui para a construção de autonomia das candidaturas, indica a advogada Raquel Andrade dos Santos, membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, secção Ceará (OAB-CE). Contudo, a legislação precisa estar alinhada com uma formação dentro dos partidos voltada para questões raciais.

Andrade lembra que é preciso ainda oferecer capacitação técnica a estes perfis, fomentar projetos antirraciais e não delegar o problema somente às lideranças negras.

“Não basta ocupar o espaço, tem que dar condições e ressignificar o espaço de poder. Não é uma representatividade fictícia ou esvaziada que vai resolver uma questão tão profunda, fundamental e histórica culturalmente, num país como o Brasil, como é a questão racial”, sintetiza.

 

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