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O povo que elegeu o bode
Politica

O povo que elegeu o bode

| Memória | No ano que hoje termina, completam-se 90 da morte do bode Ioiô. Retirante da seca do 15, cachaceiro, importunador de mulheres, "eleito" vereador e hoje a mais valiosa peça de museu na Capital
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Em 1931, 90 anos atrás, morreu um símbolo de Fortaleza. Bode Ioiô, ou Yoyô, era um bode retirante — conta-se que chegou à Capital com uma família que fugia da seca do 15. Era boêmio — acompanhava as rodas de conversa e dizem que bebia cachaça. Fala-se que levantava a saia das mulheres, e na época, os homens achavam isso engraçado. Foi transformado em instrumento de protesto/chacota políticas. Na época da eleição em cédula de papel, dizia-se que tinha tido votos para ser eleito vereador.

Em Fortaleza, foi comprado por empresa que mantinha armazéns na então Praia do Peixe, hoje Praia de Iracema. O animal foi deixado solto. Circulava constantemente da praia à Praça do Ferreira. Daí teria vindo o apelido: do vai e vem constante.

"Era uma espécie de mascote da capital daqueles tempos, uma figura obrigatória na pacatez da cidade provinciana", registrou Raimundo de Menezes em crônica publicada na Gazeta de Notícias e parte do livro Coisas que o tempo levou, de 1938, reeditado pelas Edições Demócrito Rocha em 2000.

"O Ioiô era uma figura popular, um tipo popular. Sim, ele fazia parte da brincadeira. Assim como a gente pode pensar nas periferias e no Centro de Fortaleza, tem aquelas figuras populares, que os comerciantes e as pessoas que vivem ali brincam. E que interagem com o mundo dessa forma pitoresca, anedótica, curiosa. E o bode era isso, anedótico, curioso", explicou ao O POVO Francisco Secundo Neto, professor da Unifametro e doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

São muitas as anedotas a respeito dele. Conta-se que, na inauguração do Cine Moderno, ele não quis saber de protocolos. Comeu a faixa de inauguração antes da chegada de Justiniano de Serpa, então presidente do Estado, cargo equivalente ao de atual governador. Quando a autoridade lá chegou, o cinema, na rua Major Facundo, na Praça do Ferreira, já estava "inaugurado" pelo bode.

Uma das histórias mais conhecidas é a "eleição" para vereador. Fala-se que, no ano de 1922, os boêmios fizeram campanha-protesto para votarem em Ioiô para vereador. Era tempo da eleição em cédula de papel. Na votação para vereador, escrevia-se o nome do escolhido. O que se conta é que muita gente escreveu o nome-apelido do bode boêmio. Uma manifestação de voto de protesto.

O que ficou na memória oral é que ele teve uma enormidade de votos. Fala-se que mais que qualquer outro candidato. Obviamente, esses votos nunca foram de fato apurados. Teria havido até um "movimento" para que dessem posse ao Ioiô, o que obviamente não foi atendido. Ele seguiu despachando, mesmo, na Praça do Ferreira.

O caprino retirante cearense foi precursor de outros fenômenos do voto de protesto. Em 1959, o rinoceronte Cacareco, que era fêmea, recebeu quase 100 mil votos em São Paulo. Em 1988, no Rio de Janeiro, macaco Tião foi o voto de protesto para prefeito e conta-se que chegou aos 400 mil votos.

O professor Francisco Secundo Neto afirma que, em suas pesquisas, não encontrou registros oficiais, em fontes documentais ou jornais da época, que contem da "votação" do Ioiô. "Se trata, talvez, ou de uma coisa que ficou como uma invencionice, pela popularidade pela figura do bode. Ou algo que realmente possa ter acontecido, mas, como não foi registrado... O que a gente tem apenas é um disse me disse que ficou na boca, no imaginário das pessoas e foi passando para frente até os dias de hoje."

A morte do bode Ioiô foi noticiada no jornal Correio do Ceará, em 7 de novembro de 1931. O acontecimento não deixou de cair na boca da população. Os boêmios gostavam de dizer que a causa foi cirrose, consequência dos anos de bebedeira. Ou crime, cometido por um marido ciumento. Ou até atentado político, resultado do rancor da eleição de anos antes. O fato é que o animal tinha idade avançada e provavelmente morreu de velho.

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