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A democracia brasileira corre riscos um ano após a invasão ao Capitólio nos EUA?
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A democracia brasileira corre riscos um ano após a invasão ao Capitólio nos EUA?

Com posturas similares as do ex-presidente dos EUA Donald Trump, Jair Bolsonaro chega ao ano eleitoral com histórico de tensionamento com outros poderes e órgãos
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APOIADORES de Donald Trump invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 tentando invalidar a eleição (Foto: OLIVIER DOULIERY / AFP)
Foto: OLIVIER DOULIERY / AFP APOIADORES de Donald Trump invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 tentando invalidar a eleição

Um ano após as cenas de selvageria protagonizadas por apoiadores do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao invadirem o Capitólio, em Washington, a data segue viva na memória do mundo. Aquele 6 de janeiro de 2021 foi um alerta para democracias de outros países onde atores, com posturas similares a de Trump, encorajam o acirramento político. O Brasil, em 2022, estará entre aqueles que requerem atenção nesse ponto.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) questionou o sistema eleitoral inúmeras vezes ao longo de 2021, estratégia similar ao que Trump fez nos EUA. Bolsonaro fez acusações, sem apresentar provas, de supostas fraudes em pleitos recentes e fez campanha pelo chamado “voto impresso auditável” ao passo em que questionava as urnas eletrônicas, já auditáveis e sem casos de fraude comprovados.

Nesta foto de arquivo tirada em 06 de janeiro de 2021, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aplaude os apoiadores de The Ellipse, perto da Casa Branca em Washington, DC.(Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP)
Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP Nesta foto de arquivo tirada em 06 de janeiro de 2021, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aplaude os apoiadores de The Ellipse, perto da Casa Branca em Washington, DC.

Mais recentemente, o governo Bolsonaro foi alvo de CPI no Senado e tensionou relações com membros da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nesse contexto, o presidente brasileiro gerou mais tensão entre os poderes da República e criticou integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos principais alvos, não ao acaso, foi o ministro Luís Roberto Barroso, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Quando Barroso questionou o voto impresso, o presidente, irritado, reagiu com duras críticas e chegou a dizer que “sem voto impresso não haveria eleição no Brasil”. A declaração ocorreu no dia 6 de maio deste ano, exatos quatro meses após a invasão do Capitólio nos EUA.

Na caso da invasão ao Capitólio, as instituições prevaleceram. O então presidente eleito, Joe Biden, tomou posse duas semanas após a invasão e os envolvidos passaram a ser identificados. Em quase um ano, mais de 700 pessoas foram presas e indiciadas.

WASHINGTON, DC - 09 de setembro: O presidente dos EUA Joe Biden fala sobre o combate à pandemia de coronavírus no State Dining Room da Casa Branca em 9 de setembro de 2021 em Washington, DC. Como a variante Delta continua a se espalhar pelos Estados Unidos, Biden delineou o plano de seis pontos de sua administração, incluindo a exigência de que todos os funcionários federais sejam vacinados contra a Covid-19.(Foto: Kevin Dietsch / Getty Images / AFP)
Foto: Kevin Dietsch / Getty Images / AFP WASHINGTON, DC - 09 de setembro: O presidente dos EUA Joe Biden fala sobre o combate à pandemia de coronavírus no State Dining Room da Casa Branca em 9 de setembro de 2021 em Washington, DC. Como a variante Delta continua a se espalhar pelos Estados Unidos, Biden delineou o plano de seis pontos de sua administração, incluindo a exigência de que todos os funcionários federais sejam vacinados contra a Covid-19.

Trump saiu dos holofotes da Casa Branca, mas o trumpismo permanece vivo nos EUA e no mundo. Além do Brasil, países como Chile, Argentina, Alemanha, Itália e França registraram, nos últimos anos, a ascensão de políticos admiradores do modelo trumpista.

No caso brasileiro, Bolsonaro é um dos principais líderes ainda no poder a representarem o grupo alinhado à extrema direita. Com o desgaste da gestão, mostrado em pesquisas recentes, e com a proximidade das eleições, surgem questionamentos sobre os riscos para a democracia e as chances de que algo similar ao 6 de janeiro de 2021 ocorra no Brasil.

Em relatório divulgado nesta semana, Ian Bremmer, CEO e fundador da Eurasia Group, maior especialista em análises de riscos do mundo, destacou que as preocupações de que a democracia no Brasil esteja em risco, devido às posturas recentes de Bolsonaro, ou de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faça uma virada radical à esquerda caso vença a eleição deste ano são “ambas exageradas”.

(Brasília - DF, 27/12/2021) Gravação do Pronunciamento dia 31. Foto: Isac Nobrega/Presidência da República(Foto: Isac Nobrega/Presidência da República)
Foto: Isac Nobrega/Presidência da República (Brasília - DF, 27/12/2021) Gravação do Pronunciamento dia 31. Foto: Isac Nobrega/Presidência da República

Ele reforça que as instituições do Brasil são “consolidadas e fortes” e que “o Judiciário, o Congresso e a mídia são independentes”. Apesar disso, a consultoria projeta que, diante de uma perspectiva de derrota, Bolsonaro intensificará ataques às instituições e ao processo eleitoral para manter a base mobilizada e suas credenciais antissistema.

“Se ele perder a eleição, provavelmente contestará o resultado e alegará que a eleição foi roubada. Já vimos essa história antes”, concluiu.

De acordo com Monalisa Torres, pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Bolsonaro copia os métodos utilizados por Trump. Dentre eles, o “não reconhecimento das regras do jogo político pelos próprios atores que disputam” é um dos traços em comum que podem ser mais prejudiciais à democracia.

Nesta foto de arquivo tirada em 06 de janeiro de 2021, as pessoas esperam no National Mall fora de um perímetro de segurança por um comício de partidários do presidente dos EUA Donald Trump desafiando os resultados da eleição presidencial dos EUA de 2020 na Elipse em Washington, DC(Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP)
Foto: BRENDAN SMIALOWSKI / AFP Nesta foto de arquivo tirada em 06 de janeiro de 2021, as pessoas esperam no National Mall fora de um perímetro de segurança por um comício de partidários do presidente dos EUA Donald Trump desafiando os resultados da eleição presidencial dos EUA de 2020 na Elipse em Washington, DC

Segundo Torres, Bolsonaro ainda tenta colocar-se como um outsider, num discurso similar ao que o elegeu em 2018, mas a partir do momento em que ele é presidente isso perde força.

“Então como ele faz para virar o jogo? A narrativa é reposicionada a partir de uma ideia de que não conseguiu governar por ser um outsider e porque as instituições não permitiram e é daí que parte o tensionamento com outros poderes e órgãos”, explica, lembrando ainda os atos convocados pelo presidente no último dia 7 de setembro.

“Foi um movimento relativamente grande e havia sinais de que as polícias militares poderiam ser instrumentalizadas. Nesse caso, as instituições responderam com ações do Ministério Público e dos governadores”, pontua, ressaltando que as respostas têm sido minimamente satisfatórias.

“Os inquéritos no STF, os governadores, o próprio Exército que não é um bloco monolítico e possui vozes dissonantes ao bolsonarismo são exemplos”, cita.

Nesta foto de arquivo tirada em 06 de janeiro de 2021, apoiadores do presidente dos EUA, Donald Trump, protestam em frente ao Capitólio dos EUA em Washington, DC. Eles desceram a Washington, DC aos milhares, reunindo-se para protestar contra o resultado de uma eleição presidencial que eles ainda afirmam ter sido "fraudada".(Foto: ALEX EDELMAN / AFP)
Foto: ALEX EDELMAN / AFP Nesta foto de arquivo tirada em 06 de janeiro de 2021, apoiadores do presidente dos EUA, Donald Trump, protestam em frente ao Capitólio dos EUA em Washington, DC. Eles desceram a Washington, DC aos milhares, reunindo-se para protestar contra o resultado de uma eleição presidencial que eles ainda afirmam ter sido "fraudada".

Por fim, Monalisa não descarta a possibilidade do bolsonarismo “radicalizar” em eventual derrota eleitoral, mas põe em xeque o alcance do possível movimento e se o próprio Bolsonaro o faria ou se apenas mobilizaria terceiros.

“Apesar do presidente estar num processo de desgaste político, com avaliação negativa e indicadores econômicos ruins, a base bolsonarista mais radicalizada pode comprar a ideia e ir às ruas. Ciência política não é futurologia, mas acredito que quanto mais acuado (Bolsonaro) estiver, maior é essa possibilidade. A questão é que, nesse cenário, a força das reações podem ser menores”.

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