Um ano após as cenas de selvageria protagonizadas por apoiadores do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao invadirem o Capitólio, em Washington, a data segue viva na memória do mundo. Aquele 6 de janeiro de 2021 foi um alerta para democracias de outros países onde atores, com posturas similares a de Trump, encorajam o acirramento político. O Brasil, em 2022, estará entre aqueles que requerem atenção nesse ponto.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) questionou o sistema eleitoral inúmeras vezes ao longo de 2021, estratégia similar ao que Trump fez nos EUA. Bolsonaro fez acusações, sem apresentar provas, de supostas fraudes em pleitos recentes e fez campanha pelo chamado “voto impresso auditável” ao passo em que questionava as urnas eletrônicas, já auditáveis e sem casos de fraude comprovados.
Mais recentemente, o governo Bolsonaro foi alvo de CPI no Senado e tensionou relações com membros da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nesse contexto, o presidente brasileiro gerou mais tensão entre os poderes da República e criticou integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Um dos principais alvos, não ao acaso, foi o ministro Luís Roberto Barroso, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Quando Barroso questionou o voto impresso, o presidente, irritado, reagiu com duras críticas e chegou a dizer que “sem voto impresso não haveria eleição no Brasil”. A declaração ocorreu no dia 6 de maio deste ano, exatos quatro meses após a invasão do Capitólio nos EUA.
Na caso da invasão ao Capitólio, as instituições prevaleceram. O então presidente eleito, Joe Biden, tomou posse duas semanas após a invasão e os envolvidos passaram a ser identificados. Em quase um ano, mais de 700 pessoas foram presas e indiciadas.
Trump saiu dos holofotes da Casa Branca, mas o trumpismo permanece vivo nos EUA e no mundo. Além do Brasil, países como Chile, Argentina, Alemanha, Itália e França registraram, nos últimos anos, a ascensão de políticos admiradores do modelo trumpista.
No caso brasileiro, Bolsonaro é um dos principais líderes ainda no poder a representarem o grupo alinhado à extrema direita. Com o desgaste da gestão, mostrado em pesquisas recentes, e com a proximidade das eleições, surgem questionamentos sobre os riscos para a democracia e as chances de que algo similar ao 6 de janeiro de 2021 ocorra no Brasil.
Em relatório divulgado nesta semana, Ian Bremmer, CEO e fundador da Eurasia Group, maior especialista em análises de riscos do mundo, destacou que as preocupações de que a democracia no Brasil esteja em risco, devido às posturas recentes de Bolsonaro, ou de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faça uma virada radical à esquerda caso vença a eleição deste ano são “ambas exageradas”.
Ele reforça que as instituições do Brasil são “consolidadas e fortes” e que “o Judiciário, o Congresso e a mídia são independentes”. Apesar disso, a consultoria projeta que, diante de uma perspectiva de derrota, Bolsonaro intensificará ataques às instituições e ao processo eleitoral para manter a base mobilizada e suas credenciais antissistema.
“Se ele perder a eleição, provavelmente contestará o resultado e alegará que a eleição foi roubada. Já vimos essa história antes”, concluiu.
De acordo com Monalisa Torres, pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Bolsonaro copia os métodos utilizados por Trump. Dentre eles, o “não reconhecimento das regras do jogo político pelos próprios atores que disputam” é um dos traços em comum que podem ser mais prejudiciais à democracia.
Segundo Torres, Bolsonaro ainda tenta colocar-se como um outsider, num discurso similar ao que o elegeu em 2018, mas a partir do momento em que ele é presidente isso perde força.
“Então como ele faz para virar o jogo? A narrativa é reposicionada a partir de uma ideia de que não conseguiu governar por ser um outsider e porque as instituições não permitiram e é daí que parte o tensionamento com outros poderes e órgãos”, explica, lembrando ainda os atos convocados pelo presidente no último dia 7 de setembro.
“Foi um movimento relativamente grande e havia sinais de que as polícias militares poderiam ser instrumentalizadas. Nesse caso, as instituições responderam com ações do Ministério Público e dos governadores”, pontua, ressaltando que as respostas têm sido minimamente satisfatórias.
“Os inquéritos no STF, os governadores, o próprio Exército que não é um bloco monolítico e possui vozes dissonantes ao bolsonarismo são exemplos”, cita.
Por fim, Monalisa não descarta a possibilidade do bolsonarismo “radicalizar” em eventual derrota eleitoral, mas põe em xeque o alcance do possível movimento e se o próprio Bolsonaro o faria ou se apenas mobilizaria terceiros.
“Apesar do presidente estar num processo de desgaste político, com avaliação negativa e indicadores econômicos ruins, a base bolsonarista mais radicalizada pode comprar a ideia e ir às ruas. Ciência política não é futurologia, mas acredito que quanto mais acuado (Bolsonaro) estiver, maior é essa possibilidade. A questão é que, nesse cenário, a força das reações podem ser menores”.