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"Fizemos viagem de ida sem saber dia de retornar", diz coordenador dos bombeiros cearenses na Bahia
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"Fizemos viagem de ida sem saber dia de retornar", diz coordenador dos bombeiros cearenses na Bahia

O tenente-coronel Landim conta como foi o trabalho dos bombeiros cearenses no socorro às vítimas de enchentes na Bahia
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Tenente-coronel Landim (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Tenente-coronel Landim

Durante a situação de calamidade pública registrada na Bahia nos últimos dias de 2021 e primeiros dias deste ano, decorrente das fortes chuvas que atingiram municípios baianos e provocaram enchentes, ao menos 14 estados e o Distrito Federal enviaram tropas de bombeiros para auxiliar no resgate de vítimas. A situação de calamidade pública causou pelo menos 26 mortes e afetou mais de 715 mil pessoas em 166 cidades de acordo com dados da Defesa Civil da Bahia.

Diante deste cenário, o Ceará, após determinação do governador Camilo Santana (PT), acionou uma equipe de 25 agentes do Corpo de Bombeiros para participar de uma operação de socorro ao estado vizinho. Coube ao tenente-coronel Daniel Oliveira Landim, comandante adjunto do Batalhão de Busca e Salvamento do Corpo de Bombeiros do Ceará, coordenar a equipe deslocada para a “Operação Bahia”.

O militar contou ao O POVO como ocorreu o processo de deslocamento até os locais das enchentes, quais ações foram desenvolvidas e que experiências lhe marcaram; vale destacar que a ação ocorreu em meio à pandemia de Covid-19 e aumento de casos de Influenza no Brasil.

Com 22 anos de corporação, Landim se emociona ao falar dos resgates, particularmente sobre um caso no primeiro dia de atuação, quando se deparou com uma senhora, de 85 anos, com pouca mobilidade e em um local de difícil acesso. Apesar disso, o bombeiro cearense destacou a importância de separar a parte emocional do lado racional para realizar ações de resgate da melhor forma.

O POVO - Como lhe foi passada a missão de resgate na Bahia e que tipo de ações foram desenvolvidas?

Landim - Essa ocorrência já vinha, há algum tempo, rolando no estado da Bahia em relação às chuvas, porque lá está no período da quadra chuvosa. O nosso comandante-geral, através do secretário Sandro Caron (Segurança Pública), recebeu uma determinação de enviar tropas do Corpo de Bombeiros para o estado da Bahia para ajudar os irmãos baianos, como também dar apoio aos bombeiros locais. Em menos de duas horas, após o acionamento, nós já tínhamos 25 bombeiros aqui no nosso batalhão, dispostos a fazer uma viagem de ida sem saber o dia de retornar. Nós deslocamos 25 bombeiros, seis viaturas, dentre elas uma resgate que é nossa ambulância para dar suporte e socorro às vítimas e levamos cinco picapes que auxiliaram bastante nos locais de pior acesso que tinham muita lama e água, então elas nos ajudaram bastante a acessar esses locais. Um suporte grande também foi relacionado a embarcações, nós levamos duas embarcações. Bote de alumínio que trabalhamos em locais de enchente e dois motores de popa.

O POVO - E quais foram as principais dificuldades no salvamento daquelas pessoas? Os agentes tiveram acesso aos equipamentos e aparato necessário para desenvolver a ação?

Landim - Nós levamos. Nossa tropa já foi preparada para o local onde faríamos o trabalho. A gente já tinha ideia do que encontraria lá. O mais difícil, na verdade, foi o acesso e a chegada lá. Como nós não conhecíamos a topografia do terreno, nem o terreno em si e não conhecíamos a cidade, que a priori seria a cidade de Ilhéus-BA e a gente foi recambiado por um tenente-coronel chefe da operação de Ilhéus que nos encaminhou para o município de Itabuna, onde realmente ocorreram alguns dos maiores resgates na Bahia. Ao chegar em Itabuna, por volta de 2 horas da manhã, após uma viagem quase sem parada com desvios apenas para abastecer e se alimentar, continuamos de carro até lá. Foi em torno de 24 horas de carro levando material de salvamento, motosserra entre outros materiais. Chegando lá, vimos uma cena de desastre com muita água. Como estávamos seguindo o GPS para chegar ao grupamento de bombeiros de Itabuna, quando chegamos em determinado ponto, a via de acesso estava interditada. Parecia um rio. Então fizemos contato com os bombeiros locais via telefone e eles nos informaram que as vias estavam interditadas. Então fizemos todo um retorno, com auxílio de uma pessoa do município, e conseguimos chegar até o local para agir.

O POVO - Nesse cenário de calamidade, houve um caso específico de salvamento que lhe marcou de algum modo?

Landim - Sim. Nós tivemos vários casos, mas um bastante emblemático foi no primeiro dia de atuação. O rio subiu oito metros, talvez mais, então aquelas pessoas ribeirinhas ficaram desabrigadas e tiveram suas casas tomadas pela água. E num desses resgates, nos deparamos com uma senhora, que estava com um catéter, ela tinha 85 anos de idade e estava acamada em um colchão chamado casca de ovo para diminuir feridas no corpo, e ela estava com mobilidade zero e a família não sabia nem para onde levá-la. O local era de difícil acesso e nem as viaturas do corpo de bombeiros, nossa ambulância e as caminhonetes não conseguiram chegar ao local. Fizemos uma incursão através de embarcações e achamos um caminhão que poderia passar pelo local. Então nós tivemos que levar essa senhora, com todo o aparato e dificuldade de mobilidade, em cima desse caminhão. Foi um dos equipamentos extra bombeiros que fez com que a gente realizasse esse resgate e de lá nós saímos bastante aplaudidos pela população após o salvamento.

OPOVO - Em situações como essa é difícil não se envolver emocionalmente. Pode nos contar que sentimentos o senhor teve durante a operação e como fez para não deixar com que isso afetasse o trabalho de resgate?

Landim - Com certeza é difícil. Na verdade, é a razão e a emoção. Quando executamos o socorro, usamos totalmente a razão, porque a emoção pode nos atrapalhar a qualquer momento. Ao passar aquele momento de calor, do resgate, onde precisamos muito da razão para utilizar nossos conhecimentos, técnicas e experiência, vem a emoção. Nós já passamos por muita coisa aqui dentro da instituição e isso faz até com que a gente fique mais ‘embrutecido’, a palavra é essa. Então a gente vê aquela cena, age, mas assim que passa sentimos aquela emoção do dever cumprido, daquele obrigado da família. Isso emociona e serve até como combustível para que a gente trabalhe e treine ainda mais para se aprimorar.

O POVO - No Ceará, sofremos muito com a situação oposta ao que ocorreu no sul da Bahia, no caso, a seca. Mas é possível que situação similar ocorra aqui no Estado e que recomendações ou ações a população e o poder público podem ter em situações assim?

Landim - Apesar da gente viver no Ceará, estado conhecido pela seca, há alguns municípios aqui onde problemas similares ocorreram. Houve o caso muito emblemático de Arneiroz, em meados de 2004, que o rio subiu bastante e deixou a cidade ilhada. Na ocasião nós também enviamos tropas para aquele município. Eu já estava na ativa no Corpo de Bombeiros e eu pude acompanhar, de dentro, a questão da operação em Arneiroz. Faz bastante tempo, mas já tivemos esse caso. Aqui também, em Fortaleza, a Prefeitura fez um grande trabalho ali no rio Maranguapinho que tinha várias famílias morando à beira do rio. Praticamente todos os anos, em período de quadra chuvosa, o rio subia e aquelas pessoas ficavam em estado de calamidade pública ali. E sempre o Corpo de Bombeiros é acionado para a retirada das pessoas, de materiais, fogões, cama, e outros pertences. Mas infelizmente aquela população não tinha para onde ir, então a prefeitura fez um bom trabalho removendo essas pessoas ribeirinhas do maranguapinho fazendo um calçadão para que moradores do bairro fizessem caminhadas e que aquela população que morava ali não retornasse para aquele local de risco. Inclusive, esse foi um dos itens que comentei na Bahia. Conversei com prefeitos de municípios baianos sobre o que foi feito aqui para que eles pudessem implementar medidas similares em suas cidades.

O POVO - Além do Ceará, outros estados também enviaram bombeiros e agentes para auxiliar no resgate da população baiana. Como se deu esse trabalho coletivo entre os entes federados naquele momento de urgência?

Landim - Foi muito interessante porque trocamos bastante experiência. Trabalhamos com pessoas do Espírito Santo, do Rio Grande do Norte, do próprio estado da Bahia e outros. Vimos equipamentos diferentes dos nossos, ganhamos operacionalmente com um processo onde tivemos uma grande troca de informações entre os agentes de cada estado. Nós montamos ainda um gabinete de crise na Bahia, onde levamos as experiências de membros de cada estado para que ali nós fossemos capazes de fazer o melhor trabalho possível.

O POVO - Como funcionou o pós-salvamento dessas pessoas? Elas tiveram as vidas salvas, mas, em alguns casos, perderam suas moradias, bens e ficaram em situação bastante vulnerável. Até que ponto elas continuam recebendo assistência?

Landim - Isso foi uma questão bastante discutida. Até quando o Corpo de Bombeiros trabalha? Nós somos acionados para dar aquela primeira ação de resgate e socorro às vítimas. Tirar os desabrigados, utensílios das casas, ajudar pessoas com pouca mobilidade e fazer o trabalho de resgate em si, bem como buscas por pessoas desaparecidas e outras ações. O primeiro contato é do Corpo de Bombeiros. A segunda parte, de ação social, que é a parte de cadastramento de famílias, distribuição de cestas básicas, alimentação, a gente também dá todo esse suporte da maneira possível, mas quem é responsável por isso é a Defesa Civil do próprio município. A Defesa Civil tem essa característica de ação social, de ir até o local e identificar e cadastrar as pessoas para ver quais são as necessidades e prepará-las para o pós-desastre. Claro, com o auxílio das forças amigas como os Bombeiros, mas não apenas eles. Guarda Municipal, Polícias Militar e de trânsito e outros também participam.

Papel cearense na Bahia

A soldado Saahra Jerônimo, 28, fez parte do grupo de 25 bombeiros cearenses que integraram a “Operação Bahia” e se deslocaram até o território baiano para socorrer pessoas que foram vítimas das enchentes que atingiram o estado há algumas semanas. Ao O POVO ela contou como se deu a convocação para a missão.

“Ao sermos convocados na tarde do dia 25 de dezembro de 2021 ficamos muito surpresos e ao mesmo tempo honrados. Fizemos o deslocamento em comboio, no mesmo dia, com destino a Itabuna-BA. Ao chegarmos lá, nos deparamos com casas completamente destruídas, carros cobertos por água e pessoas sem ter onde dormir”, conta.

Sobre a atuação dos bombeiros cearenses, a soldado conta que se deu, principalmente, na retirada de pessoas ilhadas e com o uso do bote de resgate. No entanto, as guarnições também atuaram na “distribuição de alimentos e água a pessoas em locais de difícil acesso, distribuição de colchões e cobertores para quem havia perdido tudo, como também a liberação de vias através de cortes de árvores que atrapalhavam o tráfego de veículos”.

Jerônimo conta ainda que os agentes de segurança cearenses já saíram do Estado equipados com ferramentas próprias como bote a motor, motosserra, cabos, coletes e capacetes, lanternas, dentre outros. “Uma das nossas maiores dificuldades era a força da correnteza do rio que enfrentávamos para acessar as vítimas ilhadas e realizar o resgate”.

A militar cita um caso com o qual se deparou durante o resgate das vítimas das enchentes. “Um cidadão estava chorando porque havia perdido tudo na casa. Ele lamentava dizendo que trabalhava desde os 15 anos de idade para conquistar o que tinha e que nunca havia precisado receber cesta de alimentos. Se sentia impotente diante da devastação repentina”.


Soldado Saahra Jerônimo, do Corpo de Bombeiros do Ceará, esteve na Operação Bahia onde socorreu vítimas de enchentes que atingiram o estado após fortes chuvas
Soldado Saahra Jerônimo, do Corpo de Bombeiros do Ceará, esteve na Operação Bahia onde socorreu vítimas de enchentes que atingiram o estado após fortes chuvas (Foto: Acervo Pessoal / Saahra Jeônimo)

                                                                                                                         

Os seguintes bombeiros militares participaram da Operação Enchentes na Bahia

tenente-coronel Daniel Oliveira Landim, coordenador da operação.

major Wilson Correia Lima,

capitão Igor De Oliveira Cabral,

capitão Sócrates Alves Honório De Souza,

cubtenente João Bosco Mesquita De Farias

subtenente Paulo Sérgio Mesquita De Farias

subtenente Márcio Ferreira Da Costa

subtenente Paulo Gonçalves De Araújo

soldado Maria Bernadete Sousa Alves

soldado Mauro César Januário Xavier

soldado Washington De Oliveira Arruda

soldado Emanuel Almeida Lima

soldado Emanoel Moreira Ary

soldado Carlos Henrique Magalhães De Albuquerque

soldado Antônio Rubens Alves Da Silva

soldado Jefferson Costa Faustino

soldado Albert Torres Da Rocha

soldado Antônio Rômulo Martins Neto

soldado Anderson Silva Mendonça Carvalho

soldado Deyvison Dos Santos Ferreira

soldado Saahra Jerônimo Da Silva

soldado Chayenne Barbosa Costa

soldado Daniel Araújo Da Silva

soldado Pardaillan Rodrigues Dos Santos

soldado Naildo Lopes De Moraes Junior

Fonte: Bombeiros Ceará

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