Quatro prefeitos se elegeram em 2020 associados ao grupo liderado pelo deputado federal e pré-candidato ao Executivo estadual, Capitão Wagner (Pros), e em oposição ao governo de Camilo Santana (PT). Hoje, nesse aspecto, o cenário é bem diferente do inicial, com a aproximação de dois deles de setores governistas. À exceção de Roberto Pessoa em Maracanaú, os prefeitos de Caucaia, Juazeiro do Norte e São Gonçalo do Amarante estão na primeira experiência no Executivo.
Tiveram de lidar com heranças das gestões passadas e com novos problemas políticos e administrativos. Isso dentro de um cenário de pandemia que, se em 2021 arrefeceu e deu indícios de que iria embora, em 2022 voltou a preocupar com a chegada da variante Ômicron e com aumento de casos de Influenza.
É dentro de um panorama comum de primeiro ano de gestão, mas explorando particularidades de cada lugar, que esta reportagem avalia o primeiro ano de gestão de Gledson Bezerra, Vitor Valim, Roberto Pessoa e Professor Marcelão.
Gledson considera que as dificuldades políticas advêm do novo modo de gerir. Nas palavras dele, uma "mudança de paradgmas"
O começo da gestão do prefeito Gledson Bezerra (Podemos) foi atribulado e assim permanece. Pouco após a primeira metade de 2021, já contabilizava contra si a instalação de quatro comissões parlamentares de inquérito (CPIs). Em entrevista ao O POVO por telefone, as definiu como um "recado muito duro, acho que injusto".
Uma das investigações foi sobre fura-fila na vacinação contra Covid-19 e resultou em um relatório encaminhado ao Ministério Público do Ceará com o pedido de afastamento da secretária de Saúde do município, Francimones Albuquerque, o que não aconteceu. Esses percalços pelos quais passa com os 21 vereadores é consequência direta da relação inusual mantida com o Legislativo, que não lhe deu uma base sólida de aliados.
"Aquela postura dele de que não aceita pedidos não republicanos, que eu não sei o que é isso. (...) Dentro da forma dele que já foi vereador e sabe as necessidades de um vereador, fica difícil a gente compor o governo", afirmou o vereador Adauto Araújo (PSC).
Gledson considera que as dificuldades políticas advêm do novo modo de gerir. Nas palavras dele, uma "mudança de paradigmas". Celebra ter dado fim às indicações para secretarias, subsecretarias ou coordenadorias. Se Juazeiro amarga maus indicadores de saúde, ele atribui em partes à cultura estabelecida de vereadores terem "facilidades" nas filas para exames, por exemplo.
"Colocamos médicos em todos os PSFs (postos de saúde da família). Equipes completas. Isso não é o básico? É. Só que há mais de uma década não tinha. Compramos 400 computadores para equipar a atenção básica, completamos 46 equipes de saúde bucal. Agora, temos 400 smartphones para distribuir para agentes de saúde. Estamos saindo daquela coisa da informalidade", afirma o gestor. Na área da educação, ele destaca a reforma de 20 escolas e a construção de outras três.
Considerando que "quatro CPIs falam por si", o prefeito disse que a única coisa que pede aos membros do Legislativo é que não sabotem ou persigam seu governo. "Se a gente não for vítima disso, a boa crítica, a boa fiscalização só ajudam."
Bezerra se aproximou politicamente do governador Camilo Santana (PT), em quem já disse que votará para o Senado neste ano. Reafirmou a escolha, mas evitou manifestar novos apoios. Nem para colocar Capitão Wagner (Pros) num nível similar de ênfase, tampouco candidatos à Assembleia e à Câmara dos Deputados.
Outro aliado político é o senador Eduardo Girão (Podemos). No início de janeiro, Juazeiro recebeu mais de R$ 1 milhão do congressista em emenda que financiou a compra de equipamentos de saúde para o Hospital São Lucas, na cidade. Curiosamente, o único provável candidato em quem ele afirmou convictamente que irá votar é em Camilo Santana.
Servidores da Saúde estiveram em greve durante dez dias neste mês de janeiro. Na última quinta-feira 13, no décimo dia de paralisação, os funcionários realizaram antes da decisão um ato na praça da Prefeitura. Liderada pelo Sindicato dos Servidores Municipais (Sisemjun), a mobilização pedia a implantação do adicional de insalubridade e um novo formato de gratificação por desempenho em sintonia com o programa federal Previne Brasil.
A greve foi decretada irregular na noite daquele mesmo dia 13. Autor da decisão, o desembargador Washington Luis afirmou que o momento é de ”uma crise pandêmica agravada pelo surgimento de novas variantes virais.”
Gledson relata que pediu ao Sindicato que sugerisse um modelo de legislação que considerasse justo, sem que os líderes da categoria tenham apresentado uma alternativa. Ele tenta pacificar a relação com os servidores.
Nas redes, anunciou que todos eles teriam reajuste de 11,05%, mais do que o do Estado (10,4%) e de Fortaleza (11%). O prefeito diz que foi um gesto. Por não ter sido aceito, "começo a ter bastante dúvida com relação às reais intenções do sindicato." (colaborou Roberto Crispim)
O gestor tem ampla maioria na Câmara e cita feitos em mobilidade urbana e na educação pública, além, claro, de destacar a passagem gratuita de ônibus. Problemas com índigenas ainda permeiam o cotidiano da gestão
Assim como Gledson, Vitor Valim (Pros) se aproximou de Camilo Santana (PT), mas também do senador Cid Gomes, quem comanda as estratégias do PDT no Ceará. Em entrevista ao O POVO, o prefeito afirmou que recebeu Caucaia de Naumi Amorim (PSD) num estado de "lixão a céu aberto". Razão pela qual afirma que uma das primeiras tarefas foi a de criar um mutirão para a limpeza da cidade e a regularização da coleta seletiva.
"Hoje, temos uma coleta regular e estamos trabalhando para usar a tecnologia mais atual e moderna para transformar a coleta, para que sejamos um exemplo de limpeza urbana", disse o prefeito por escrito.
Como principal avanço até aqui, Valim cita a educação, especialmente a distribuição de 46 mil tablets. Ele comemora o percentual de 52% dos alunos aprovados no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE), em Caucaia, serem oriundos da rede municipal de ensino.
A área também foi objeto de discussão ao final do ano passado, quando o prefeito sancionou lei que determina o fim de linguagem neutra nas escolas - aquela referente a quem não se identifica com os dois gêneros biológicos - e a abordagem de temas ligados a sexualidade. A legislação também impôs que banheiros fossem usados exclusivamente segundo o sexo biológico dos alunos.
O ex-apresentador televisivo afirma a superioridade da própria gestão em relação à passada sem titubear. No campo da infraestrutura, ele relata, um ano sob seu comando supera os quatro anteriores. O político menciona a conclusão da obra das alças do viaduto da BR-220, no bairro Nova Metrópole, no distrito da Jurema. Os serviços ali estavam paralisados há 15 anos.
Mas é a passagem do ônibus reduzida ao preço zero a medida de maior repercussão da administração. A empresa Vitória é subsidiada para que preste o serviço a custo zero para o morador da cidade. Questionado se a ideia é fiscalmente responsável, Valim afirmou que não só é fácil, como muito simples.
"Como poderão ver em nosso balanço contábil anual, que será encerrado no dia 31 de janeiro, fechamos o exercício de 2021 sem nenhuma dívida e com superávit em algumas rubricas. O que demonstra uma grande responsabilidade fiscal com todos os programas que desenvolvemos", afirmou.
Na Câmara, o ex-deputado construiu ampla maioria, com somente dois vereadores que se opõem a ele. Weibe Tapeba (PT) é um deles. Ele diz que a gestão é centralizadora e de diálogo limitado. Por vir da mídia, argumenta o parlamentar, o prefeito costuma atuar pelas redes sociais e sem relação direta com os poderes de Caucaia, nem com a sociedade civil.
O petista reconhece que a passagem zerada beneficiou grande parte da população, mas destaca que o serviço foi precarizado com redução de rotas e impacto negativo no trabalho de motoristas do transporte alternativo - como topiques. E o fim do monopólio da empresa Vitória não aconteceu, como adiciona.
Ex-candidato à Prefeitura de Caucaia, Rodrigo Santaella (Psol) afirma que aprovação das pessoas é perceptível, sobretudo na comparação - muitas vezes inconsciente - com a gestão passada.
"Você ouve pessoas comentarem que a cidade está mais limpa, estradas e ruas esburacadas foram consertadas. Nesse aspecto, é uma gestão que está sendo melhor avaliada do que a anterior, sim", afirma o psolista.
Dentre as críticas, ele destaca o problema com indígenas do município, decorrente da criação do Parque das Dunas e de um polo industrial, cujo terreno já teve doação aprovada pela Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE). Ambos passam por áreas dos povos originários.
Colocado diante desses questionamentos, o vice-prefeito Deuzinho Filho (Republicanos) respondeu que "demarcação é assunto federal, a Prefeitura cumpre a lei." Segundo frisou, "indígenas não são problemas na nossa gestão, pelo contrário, foi criada uma Coordenação Indígena para tratar de assuntos da etnia e seus interesses".
Se por um lado reclama de não ter acesso institucional (não político) ao Governo do Ceará, Roberto Pessoa (PSDB) está acostumado ao poder Executivo Municipal. Direta ou indiretamente, é como se o ocupasse há 17 anos.
A primeira vitória de seu grupo em Maracanaú ocorreu em 2004. Foi para a reeleição em 2008. Em 2012, elegeu o aliado Firmo Camurça (PSDB), cujo destino também foi o do segundo mandato. O poder voltou diretamente para as mãos de Pessoa em 2021.
Consequência dos anos, a estabilidade política se verifica na Câmara de Vereadores, com somente um vereador a lhe fazer oposição de um corpo de 21, o ex-prefeito do município Júlio Cesar (Cidadania).
"Como recebi de um aliado, tudo o que foi feito pelo governo dele também teve a minha participação, com ideias, com aconselhamento. Somos aliados há 17 anos, sem nenhum desentendimento até hoje. Eu acho que é fato inédito na política do Ceará, 17 anos sem nenhuma desavença. Então, peguei a gestão com as obras que eu iniciei, seis avenidas duplicadas. Isso muda completamente a questão urbanística, de trânsito e locomoção. Então, isso me facilitou", avalia Pessoa ao O POVO.
Trinta unidades de terapia intensiva (UTIs) durante a pandemia, mais de 71% das pessoas vacinadas com a segunda dose da vacina contra a Covid, compra de imóveis para escolas, aumento de 1,5 mil vagas de creche de tempo integral estão entre as ações que ele destaca. "Ampliamos também de seis para 11 as escolas de tempo integral. Isso também é muito avanço. Dentre elas, uma escola cívico militar", acrescenta.
O vereador Júlio César critica o aumento de 100% do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) em algumas regiões do município. Outro ponto de crítica é o não envio do reajuste dos servidores municipais. Pelo contrário, segundo o ex-prefeito, sob pretexto de adequar-se à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a seu teto de gastos com pessoal, a administração demitiu na ordem de mil servidores.
Segundo o opositor, como Pessoa é uma liderança de expressão estadual, quatro secretarias foram criadas para acomodação de aliados de outros municípios que costumam votar nele quando se candidata, por exemplo, a deputado federal. Eles não ficaram necessariamente nos novos postos da administração.
Ex-prefeito de Jucás, Helanio Facundo ocupa a Secretaria do Meio Ambiente. Lívia Vieira, filha da ex-prefeita de Boa Viagem, Aline Vieira, é titular da pasta da Agricultura. George Lopes Valentin (PSB), ex-prefeito de Maranguape, é o secretário de Educação. Galba Freire Moita (Podemos) foi candidato a vice-prefeito de Paracuru e ocupou a secretaria de Saúde.
Duas das bandeiras de campanha do Professor Marcelão (Pros) foram o abastecimento de água e a geração de empregos no sexta maior economia do Ceará. O líder do governo dele na Câmara de São Gonçalo do Amarante, vereador Raphael Tavares (Pros), afirma que, seja por má-vontade ou por falta de tempo, a administração atual recebeu a máquina com equipamentos trancados, sem chaves e com o banco de dados apagado. De modo que, segundo ele, aos poucos relatórios foram sendo concluídos a fim de que pudessem saber em que situação encontravam a Prefeitura de São Gonçalo.
Vimos "contêineres servindo de salas de aula, casas alugadas, sem a mínima estrutura, servindo de colégios ou creches, além de recebermos vários equipamentos sucateados", afirma o parlamentar, segundo quem um dos primeiros desafios da gestão foi o de gerar empregos para jovens, "pois é inadmissível São Gonçalo do Amarante sediar o Porto do Pecém e a Zona de Processamento de Exportação (ZPE) e não oportunizar empregos para a população."
"Assim sendo, com a implantação do programa A Caminho do Trabalho conseguimos gerar mais de 600 empregos no complexo portuário para os jovens do sertão de nosso município", celebra o líder de Marcelão no Legislativo. Ele afirma que os avanços não teriam sido possíveis sem a ajuda do Legislativo.
O presidente da Casa, vereador Ailson (PTB), está na oposição, conduzindo um Legislativo em que oito formam a base do prefeito e cinco se opõem a ele. Ailson está na presidência porque, no início da Legislatura, o prefeito tinha minoria, apenas três vereadores a seu lado. Para Ailson, Marcelão tem condição de realizar um bom governo.
"Seu primeiro ano de governo, entretanto, foi marcado por manifestação dos profissionais da educação e reclamações acerca das condições de trabalho dos garis, além de superlotações em postos, Hospital Geral e UPA, obviamente, em razão da pandemia do novo coronavírus", critica.
Ao rol dos problemas, a vereadora Dulcia Carvalho (PDT) acrescenta o furto a um galpão da Prefeitura que guardava tablets. Dois dos 30 tablets entregues foram furtados. Ao todo, 14 mil equipamentos foram comprados. A reportagem tentou falar com o prefeito Marcelão, primeiramente, no dia 5. Depois, no dia 7. Não houve retorno.
Fortaleza: 67.024.088,20
Maracanaú: 10.456.281,75
Caucaia: 5.075.423,72
Juazeiro do Norte: 4.820.056,16
Sobral: 4.774.446,82
São Gonçalo do Amarante: 4.225.065,37