Parte importante nos primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro (PL), a ala ideológica perdeu nesta terça-feira, 25, seu representante máximo: o escritor e astrólogo Olavo de Carvalho. A morte do autor, em um hospital no estado da Virgínia, nos Estados Unidos, aos 74 anos, reverbera dentro e fora do bolsonarismo que, ainda hoje, abriga atores ditos "olavistas" no Governo Federal.
Analistas ouvidos pelo O POVO apontam que um primeiro ponto a ser considerado é que o bolsonarismo não é monolítico, ou seja, é composto por diversos segmentos que foram se aproximando da figura de Bolsonaro conforme o andamento da gestão.
“Você tem olavistas; ala militar; uma corrente evangélica; e já teve um setor lavajatista. Enfim, vários grupos foram se associando”, explica Cleyton Monte, cientista político vinculado ao Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia da Universidade Federal do Ceará (Lepem-UFC).
Para Monalisa Torres, pesquisadora política e professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), a segmentação da base do governo provocou disputas por poder, que produziram ruídos, desentendimentos e afastamento.
“A base ideológica foi, e ainda é, uma parte importante para o bolsonarismo enquanto movimento político. E o Olavo cumpriu um papel importante nesse sentido, como ideólogo”, avalia, ressaltando a influência do escritor entre bolsonaristas que devem continuar incorporando pensamentos do autor em seus discursos.
Em um cenário de luta por corações e mentes, Olavo se apresentou como aquele que ofereceria as ferramentas para a batalha. A partir dessa reflexão, a pesquisadora analisa que não foi à toa que ministérios do primeiro escalão, que de alguma forma cuidam de agendas culturais, tenham sido ocupados por essa ala ideológica.
Os Ministérios da Família e Direitos Humanos (ainda ocupado por Damares Alves); Educação (outrora chefiado por Ricardo Vélez Rodriguez e Abraham Weintraub); e Relações Exteriores (comandado por cerca de dois anos por Ernesto Araújo) são alguns dos exemplos citados por ela.
Cleyton Monte projeta ainda que o olavismo sobreviverá à morte de Olavo dentro do bolsonarismo. “Mesmo sendo uma figura desprezada pela academia, e talvez também por isso, seus seguidores o enaltecem. As milhares de pessoas que fizeram seus cursos ou tiveram acesso ao seu acervo, continuarão reproduzindo seu pensamento”, diz.
Ele acrescenta que o olavismo preparou terreno para o bolsonarismo e que sobreviverá dentro do governo e continuará para além da estadia de Bolsonaro na Presidência. “Terá uma continuidade mesmo após Bolsonaro, porque ele (Olavo) foi a figura que primeiro trouxe essa visão de mundo” presente na extrema direita brasileira e com traços similares a outros movimentos que ocorrem pelo mundo.
Emanuel Freitas, professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece) afirma que o legado de Olavo continuará reverberando após sua morte. “Sobretudo como modo disruptivo de linguagem política”. Segundo Freitas, mesmo a morte do autor “não freará os movimentos de seus discípulos, dentro e fora do bolsonarismo”.
Apesar da proximidade com o governo, a relação entre Olavo e Bolsonaro estava estremecida, com o autor fazendo acusações públicas contra o presidente e sendo atacado por bolsonaristas. Sua morte pode até significar uma espécie de alívio para parte do grupo, que não precisará lidar com as sequentes críticas do guru.
Torres classifica o bolsonarismo como um “movimento autofágico”, que expulsa aqueles que não seguem à risca as determinações. Segundo os analistas, apesar do olavismo perder força decisória conforme o governo curvou-se ao Centrão, ele ainda tem influência no jogo político.
Bolsonaristas cearenses lamentam morte de Olavo de Carvalho
Parlamentares cearenses alinhados ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) se manifestaram, via redes sociais, sobre a morte do escritor e guru bolsonarista Olavo de Carvalho, 74, nesta terça-feira, 25, na região de Richmond (Virgínia), nos Estados Unidos.
Os deputados estaduais André Fernandes (PL) e Delegado Cavalcante (PTB) e a vereadora de Fortaleza Priscila Costa (PSC) estão entre os apoiadores do presidente que comentaram publicamente a morte do autor.
Fernandes lamentou não ter conhecido Olavo pessoalmente, mas prometeu repassar sua obra para frente. “Tive o grande prazer de ser um dos seus alunos. Sua obra continuará viva. Terei o prazer de falar sobre você para os meus futuros filhos e netos. Que Deus o tenha, Professor”, escreveu o parlamentar em seu perfil no Twitter.
Não tive a honra de conhecer pessoalmente o professor Olavo de Carvalho, mas tive o grande prazer de ser um dos seus alunos. Sua obra continuará viva. Terei o prazer de falar sobre você para os meus futuros filhos e netos.
— André Fernandes (@andrefernm) January 25, 2022
Que Deus o tenha, Professor!
Delegado Cavalcante, colega de bancada de Fernandes na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), reafirmou frase dita pelo presidente Bolsonaro ao destacar que Olavo era “um dos maiores pensadores da história do nosso país”.
Priscila Costa disse ter recebido a notícia com grande pesar e solidarizou-se com familiares do guru bolsonarista. “Com grande pesar, o Brasil se despede do Professor Olavo de Carvalho. Sua família comunicou seu falecimento em um hospital na Virgínia (EUA). Que Deus console a família”, pontuou.
Em suas redes sociais, o presidente Bolsonaro também lamentou a morte de Olavo e disse que ele foi “um farol para milhões de brasileiros”. Segundo o presidente, seu exemplo e seus ensinamentos nos marcarão para sempre".
Com grande pesar, o Brasil se despede do Professor Olavo de Carvalho. Sua família comunicou seu falecimento em hospital na Virgínia.
— Priscila Costa (@PriscilaBCosta_) January 25, 2022
Que Deus console a família, e que nós nos lembremos sempre:
“Moderação na defesa da verdade é serviço prestado à mentira.”
- Olavo de Carvalho
Análise: A razão de Olavo
A história é feita de cenários, fatos e personagens. A história política recente do Brasil é incompreensível sem a referência ao nome de Olavo de Carvalho, falecido nesta segunda-feira. Tendo feito carreira como astrólogo, notabilizou-se como colunista, ainda nos anos 1990, em jornais, que constituem o “sistema” do qual, anos depois, seria um dos destinatários de seus ataques.
Com uma retórica de ataque a tudo que fosse estabelecido – o sistema político, a imprensa, a universidade, a Igreja etc -, ganhou expressão nacional no cenário político de radicalização que levou ao impedimento de Dilma Rousseff (PT), quando se via seu nome estampar cartazes nas manifestações de 2015: “Olavo tem razão”. Talvez tenha sido a primeira vez em que um (auto proclamado) intelectual comparece nomeadamente à política de rua.
A partir dali, junto da família Bolsonaro, quase que hegemonizou a mentalidade de uma extrema-direita que, com golpes de maestria, capturaria para si aqueles que se opunham à esquerda e ao progressismo. Por isso mesmo, jogou um peso considerável na eleição e no início do governo de Jair Bolsonaro, de quem se dizia próximo (lembremos de seu encontro com Bannon, nos EUA, e a família do presidente), mas a quem não poupou ataques, tudo para manter seu ethos disruptivo. Ricardo Salles, Abraham Weintraub, Ernesto Araújo e Ricardo Veléz são nomes de ministros “olavistas”.
Durante a pandemia, foi voz altissonante contra as medidas de restrição, e mesmo de desconfiança do vírus. A China comunista era uma de suas obsessões. Foi primeiro com ele, e depois com Bolsonaro, que a direita, inclusive a religiosa, acostumou-se com palavrões como sinal de sabedoria.
Olavo deixa uma vasta obra bibliográfica, fruto de seus inúmeros cursos, muitos deles ministrados pela internet, que guardam uma estreita relação com sua visão de mundo, em que ele se posta acima do “comum”. Seus críticos eram sempre “idiotas” e “imbecis”, daí o nome de seus dois mais importantes livros, dedicados à compreensão do que seria uma mentalidade brasileira: “O Imbecil coletivo” e “O que você precisa saber para não ser um idiota”.
Seu legado permanecerá por ainda muito tempo, sobretudo como modo disruptivo de linguagem política. A morte, lhe assaltando ainda com certa juventude, não freará os movimentos de seus discípulos, dentro e fora do bolsonarismo, para dizer: “Olavo tem razão”. Resta saber do quê.
Emanuel Freitas
Professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece)