Para Guilherme Casarões, coordenador do Observatório da Extrema Direita (OEDBrasil) existe uma diferença entre a direita e a esquerda no enfrentamento de questões relativas a minorias que ainda é pouco discutida. Segundo o pesquisador, enquanto a esquerda tenta empoderar minorias sem interferir em ganhos da maioria, a direita, ao suprimir direitos de grupos minoritários, acaba causando prejuízo.
O POVO - As minorias perdem ao aderir a partidos de direita?
Guilherme Casarões - E eu acho que a grande diferença, que não se discute ou que pouco se discute nesse debate político, é que muitas vezes as pautas progressistas, as pautas que a esquerda defende de uma maneira geral, elas querem empoderar minorias específicas, mas não necessariamente em prejuízo da maioria. Por exemplo, quando você legaliza o aborto ou descriminaliza o aborto em determinadas circunstâncias, você não prejudica efetivamente as pessoas que não tem a menor intenção em abortar ou necessidade de abortar. Agora, quando você criminaliza ou proíbe, acaba prejudicando aquelas pessoas que por qualquer razão precisam recorrer ao aborto. A mesma coisa quando se criminaliza o casamento de pessoas do mesmo sexo. Você está objetivamente impedindo que uma minoria exercer os mesmos direitos que casais heterossexuais. Então, há uma falsa simetria. Porque, a título de combater a esquerda, o que a direita faz é um conjunto de políticas que efetivamente tiram o direito dos outros.
OP - Como se explica perfis minoritários ainda manterem apoio a Bolsonaro?
Casarões - Olha, eu acho que são duas coisas fundamentais. Não podemos ignorar as convicções individuais. Eu não eu não duvido que existam convicções reais mesmo. Pessoas defendem coisas em que elas acreditam. Isso é uma coisa. Agora, também não podemos dissociar isso do plano eleitoral. O que aconteceu na direita nesses últimos três anos foi uma rachadura completa. De um movimento que em 2018 pegou carona integral em Bolsonaro. O que vimos no fenômeno Bolsonaro foi muito impressionante justamente porque ele conseguiu juntar pessoas, vamos dizer, com níveis diferentes de conservadorismo, de religiosidade, em níveis diferentes de antipetismo, no mesmo movimento político. Então, muita gente embarcou no bolsonarismo, mas não necessariamente pelos mesmos tamanhos.
OP - Como explicar o aumento de perfis políticos de jovens conservadores?
Casarões - São duas questões fundamentais aí. A primeira é que os jovens tradicionalmente tem essa característica opositora. Durante muito tempo, os jovens brasileiros tiveram na Ditadura Militar. E era natural que a juventude fosse mais identificada com a esquerda. E mesmo depois da redemocratização, até mais ou menos 2003, quando o Lula chega a Presidência, essa juventude era identificada com a esquerda não só por uma convergência de valores, mas porque se opunham ao governo vigente, no caso Fernando Henrique. Aquela coisa com contra o neoliberalismo, contra o FMI etc. Então, o jovem tem naturalmente essa dimensão de oposição e, principalmente, após 2013, essa geração que já cresceu politicamente no governo Lula, começa a se opor ao governo Lula. Principalmente, essa juventude de classe média que não viu benefícios diretos e tangíveis do governo petista começa a se opor e se tem tem essa ascensão de movimentos liberais e conservadores, alguns unindo essas duas coisas. Esse é um primeiro elemento: o jovem se opõe. O segundo é que virou cool ser de direita e essa é uma novidade no Brasil. Porque, desde a época do regime militar a direita foi muito escanteada. Não era legal ser de direita. As pessoas jamais se chamavam de direita. Basta ver os nomes dos partidos políticos no Brasil, todos com “social” no nome. Havia essa preocupação de pelo menos minimizar o lado conservador. Só que, depois de 2013 ficou interessante você se posicionar como de direita. É um nicho político. Em Belo Horizonte, tem um vereador chamado Nicolas Ferreira que foi ao Cristo Redentor, no Rio de Janeiro (RJ) e não conseguiu entrar porque não tinha sido vacinado. Ele é um exemplo perfeito de como ser de direita hoje gera engajamento, gera seguidores, gera projeção, enfim. E se move pelas curtidas, pelo engajamento, Nas redes reais ser de direita é uma grande vantagem pra pessoas que por exemplo querem criar uma carreira política, como o vereador Carmelo Neto, em Fortaleza.
OP - Qual o papel dos memes e da desinformação nessa direita jovem?
Casarões - Tem a ver com o fato de que a linguagem da juventude não tem muitas nuances. Eu fico pensando nos nomes do MBL, de 2014. São pessoas que conseguiram se projetar politicamente por meme. Memes comunicam muito, mas é um recurso político que não tem nuance, não tem tons de cinza. É tudo preto no branco, é tudo uma imagem, uma frase de efeito etc. E pra uma juventude que é totalmente capturada por essa linguagem a linguagem telegráfica do Twitter, a linguagem do TikTok e do Instagram, onde os memes correm muito rapidamente, e isso acaba formando a opinião desse jovem. São pouquíssimos os jovens, por exemplo, que leem textos longos, livros, que se aprofundam em alguma coisa. Como professor universitário, vivo isso no dia a dia, é difícil você conseguir engajar o jovem. Claro que há exceções honrosas, mas é difícil engajar o jovem médio, de classe média no Brasil. Há uma leitura profunda, uma reflexão profunda. E, a maioria deles, e estou falando com a maioria que vai com a onda da moda, vai se comunicar com um tipo de linguagem que favorece tremendamente a direita. Uma linguagem simples, radical, dura e que gera engajamento.