Logo O POVO+
Quais os limites à livre manifestação?
Politica

Quais os limites à livre manifestação?

Professor de Direito Fernando Castelo Branco debate até que ponto a liberdade de opinião permite defesa do nazismo
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Monark e Adrilles Jorge (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Monark e Adrilles Jorge

Por Fernando Castelo Branco

O Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.451, de 2019, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, firmou o entendimento de que o direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Na ocasião, ressaltou que, mesmo as declarações errôneas estão sob a guarda dessa garantia constitucional.

Mas já antes disso, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.274, de 2012, relatada pelo ministro Ayres Britto, o STF havia se pronunciado no sentido de que o direito à livre manifestação do pensamento é núcleo de que se irradiam os direitos de crítica, de protesto, de discordância e de livre circulação de ideias. E, assim sendo, a abolição penal (abolitio criminis) de determinadas condutas puníveis não se confunde com incitação à prática de delito nem se identifica com apologia de fato criminoso. A discussão, no entanto, deve ser realizada de forma racional, com respeito entre interlocutores e sem possibilidade legítima de repressão estatal, ainda que as ideias propostas possam ser consideradas, pela maioria, estranhas, insuportáveis, extravagantes, audaciosas ou inaceitáveis.

Por fim, resgato uma posição ainda mais antiga e mais bem consolidada no STF, expressa no julgamento do Habeas Corpus 82.424, de 2004, cujo acórdão foi redigido pelo ministro Maurício Corrêa, em que afirmou a ideia de que o preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalecem os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.

Em síntese, o direito brasileiro não permite a divulgação e a propaganda dos símbolos e das ideias nazistas, porque, como visto, ninguém tem o direito de incitar o racismo, a violência, o extermínio. Assim, a manifestação do ex-debatedor da Jovem Pan, Adrilles Jorge, que concluiu seu comentário fazendo a saudação nazista do "sieg heil", é, sim, um ato criminoso, que merece uma reprovação jurídica.

Já no caso do youtuber Bruno Monteiro Aiub e do deputado federal Kim Kataguiri, que, respectivamente, posicionaram-se no sentido da defesa da legalização de um partido nazista no Brasil e de sua descriminalização na Alemanha, estamos diante de ideias errôneas, incompatíveis com a dignidade da pessoa humana e o regime democrático, ideias perigosas que devem causar justa ojeriza, indignação e repulsa social, mas que não se confundem com a defesa ou propaganda dos símbolos e ideias nazistas. Abrigadas, pois, na ideia dentro dos amplos limites da liberdade de expressão do pensamento, segundo entendimento atual do sistema de justiça brasileiro. Defender a descriminalização e regulamentação da produção e do consumo de drogas hoje ilícitas não faz de você um traficante. Defender a descriminalização da pedofilia não faz de você um pedófilo. Embora, claro, essas ideias causem horror, repulsa, reprovação social.

O gesto de Adrilles Jorge merece uma persecução criminal. A opinião de Bruno Monteiro e Kim Kataguiri merecem veemente, incisiva e imediata repulsa social e política.

Fernando Castelo Branco

Professor de Direito da Universidade Regional do Cariri (Urca)

 

O que você achou desse conteúdo?