Na Defensoria Pública desde 2006, Elizabeth Chagas é a atual defensora pública geral do Ceará. Formada em Direito pela Unipê, da Paraíba, e especialista em Direito de Família, esteve à frente do Núcleo de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, em Fortaleza, por oito anos. Ela também já ocupou o cargo de secretária executiva do órgão que hoje chefia. É atualmente titular do Núcleo de Habitação e Moradia da Defensoria Pública do Ceará e membro do conselho deliberativo do Instituto Maria da Penha.
Em entrevista ao O POVO, Elizabeth falou sobre a atuação dos defensores no Ceará, inclusive no período da pandemia de Covid-19, bem como de desafios e conquistas recentes como o novo concurso público, com 60 vagas para defensores e inscrições abertas até 5 de abril, apontado como uma vitória da categoria para ampliar a atuação de defensores públicos no Estado.
OP - Qual o panorama de atuação na defensoria em termos de números de defensores ativos e municípios cearenses, de fato, alcançados?
Elizabeth Chagas - Nós somos hoje 343 defensores. Temos 124 cargos vagos ainda. Uma pesquisa feita em 2013 apontou que seriam necessários 746 defensores públicos no Ceará considerando a população com rendimento de até três salários mínimos à época. Hoje ainda temos cargos vagos, mas lançamos o concurso público para preenchimento de 60 vagas e costumamos chamar além do número de vagas. Claro, depende do orçamento, mas sempre temos essa pretensão até porque são 124 cargos vagos. Com relação aos municípios atendidos, nós tínhamos até o ano passado 56 municípios, mas hoje já são 64. Isso deve-se aos avanços nossos, inclusive conquistas legislativas como a atividade cumulativa, que quer dizer que o mesmo defensor pode atuar em mais de um local. Nesse sentido, aumentamos a atuação mesmo com a diminuição do número de defensores porque de um ano para cá perdemos sete; perdemos no sentido de alguns se aposentaram e outros migraram para outras instituições de outros estados. Mesmo assim conseguimos ampliar e atuar em novos locais e municípios. O que a gente pretende é sempre estar junto e próximo da população. A Defensoria tem como razão de existir o atendimento das pessoas em situação de vulnerabilidade e sem elas não faria o menor sentido e nós queremos sempre ampliar isso. Costumo dizer que a gente dá nó em pingo d’água para chegar perto do povo e para poder estar junto.
OP - Como foi a atuação da defensoria durante a pandemia de Covid-19?
Elizabeth - Durante a pandemia foi um período um tanto mais complicado, sobretudo no lockdown, mas nós não paramos nunca. Nós nos reinventamos. A primeira providência, inclusive, foi refazer o nosso site, nós fizemos todo um novo site e hoje ficam os benefícios, ele é todo mobile, acessível a qualquer smartphone, o que não era antes, com assistente virtual 24 horas fazendo pré-atendimentos para que a gente possa conduzir mais fácil e fazer os casos chegaram aos defensores. Foram evoluções tecnológicas que fizemos para fazer com que nossa atuação continuasse chegando às pessoas. A parte tecnológica fica, mas a parte de atendimento presencial já voltou, com agendamento, para que não haja aglomeração porque a pandemia continua. O interesse no virtual é do assistido, se ele prefere um atendimento virtual a gente consegue fazer, mas as pessoas precisam e preferem o atendimento presencial. A tecnologia diminui distâncias, mas não substitui o defensor e a presença dele. A gente costuma dizer que temos o sangue verde, e o sangue verde é sempre estar junto e próximo do nosso assistido. É assim que a gente atua e faz o dia a dia da Defensoria. Uma outra questão que eu gostaria de registrar é a questão do sub-registro. Isso dificultou, inclusive, a vacinação (contra a Covid-19). A gente fez parcerias onde entra com ações necessárias para resolver a questão de sub-registro e a vacinação ao mesmo tempo. Durante a pandemia, atuamos em diversos planos locais, comitês, levando ideias e trocando experiências para poder atuar de forma efetiva.
OP - Pode explicar melhor esse problema dos sub-registros e da vacinação?
Elizabeth - A gente lançou um sistema que tem uma aba referente ao sub-registro. Capacitamos todos os Cras, de todos os municípios do Ceará onde tem e onde não tem defensoria, e nesses locais também fizemos reuniões com os cartórios para que através do sistema consigamos diminuir distâncias e fazer com que essas pessoas tenham registros e possam, a partir de então, exercer com plenitude a sua cidadania e que não seja problema a questão da vacina. Quanto a isso atuamos em todos os 184 municípios, com ou sem defensoria, a partir dessas parcerias com Cras que receberam tablets e pela internet fazem o cadastramento no nosso sistema. E a outra ponta é a dos cartórios, enquanto não fechamos essa ponta, fazemos de maneira física, gerando ofícios e depois inserimos os cartórios dentro do sistema. Para que possamos diminuir o sub-registros e garantir mais direitos.
OP - Qual o percentual da sociedade cearense que precisa dos serviços da Defensoria?
Elizabeth - A necessidade é de mais de 80% da sociedade cearense, considerando o quadro que tínhamos antes e agora por conta da pandemia. Durante a pandemia houve um empobrecimento em todos os estados do Brasil e no Ceará não foi diferente. As pessoas perderam os empregos. A população de rua mudou o perfil, por exemplo, passou a ser de famílias e antes era mais de dependentes químicos. Agora essas famílias ficaram sem conseguir pagar o aluguel e foram para as ruas. Então, o empobrecimento aumentou bastante e a necessidade de atuação da defensoria ficou maior. É por isso que a gente se reinventa a cada dia para chegarmos, cada vez mais junto, de quem precisa.
" A população de rua mudou o perfil na pandemia. Passou a ser de famílias e antes era mais de dependentes químicos. Agora essas famílias ficaram sem conseguir pagar o aluguel e foram para as ruas"Elizabeth Chagas
OP - Pensando nesse aumento da demanda, o órgão conseguiu lançar edital para concurso público a ser realizado neste ano. Qual a importância desse certame para alcançar esse objetivo de maior capilaridade?
Elizabeth - Por mais que a gente pense em ideias, para avançar, como a atividade cumulativa, nunca é igual a uma elevação do número de defensores. Quando além das ideias temos as nomeações, nós conseguimos capilarizar mais a atuação no interior do Estado. A gente teve uma importante vitória no STF (Supremo Tribunal Federal), com relação a nossa prerrogativa de atuação, no sentido de requisição e que precisamos de documentos e informações para atuar de maneira rápida e ágil salvando as vidas dos nossos assistidos. Eu costumo dizer que ser defensor público é muito mais do que simplesmente atuar num processo ou no outro. A atividade extrajudicial é bastante ampla até que cheguemos no processo, se chegar, para judicializar alguma coisa. A gente consegue resolver, muitas vezes, sem judicializar nada. Trabalhamos com a transformação social, mas é também uma oportunidade de ter empatia, de sentir e de transformar vidas. Ser defensor é algo, pelo menos em relação a mim, a mais bela razão de viver. A defensoria é minha casa e essa atuação faz parte da minha missão de vida.
OP - Sobre o concurso, há percentual de vagas reservadas para pessoas negras, quilombolas, indígenas, além de uma reserva para pessoas com deficiência. Como a defensoria trabalha essa inclusão para compor seus quadros?
Elizabeth - Nós temos uma legislação específica na defensoria sobre esse percentual de vagas. É um avanço que já deveria ter vindo há muito tempo. Necessário para a instituição e principalmente uma instituição como a Defensoria. Que atende as pessoas em situação de vulnerabilidade e precisa que essas pessoas estejam pautando seus direitos dentro da própria instituição. Então, razão pela qual, estamos implementando pela primeira vez um concurso com as cotas raciais, negros e negras, mas também com vagas para quilombolas, indígenas e reserva para pessoas com deficiência.
OP - Sobre a prática da atividade cumulativa, ela já iniciou ou há prazos para ser iniciada?
Elizabeth - Ela já iniciou. Esse aumento da atuação para 64 municípios no início deste ano já ocorreu com essa prática da atividade cumulativa, mas a gente pretende ampliar muito mais. Pretendemos que muito mais de 100 vagas para atividade cumulativa sejam lançadas. Aqui em Fortaleza, por exemplo, com a atividade cumulativa, vamos abrir a atuação da defensoria no (bairro) Bom Jardim. A partir da atividade cumulativa, teremos dois defensores atuando sobre as necessidades pulsantes do Bom Jardim. Além disso, alguns municípios também estamos aumentando, como Paracuru, Pedra Branca, Santa Quitéria, Mauriti, Coreaú, Chaval, Jaguaruana, que não tínhamos atuação e vamos passar a ter e outros que tínhamos atuação pequena e que será ampliada a partir da atividade cumulativa. Ampliando a capilarização da nossa atuação enquanto órgão.
OP - E como ocorria a atuação no bairro Bom Jardim?
Elizabeth - As pessoas do Bom Jardim precisavam se deslocar para vir à sede (localizada no bairro Luciano Cavalcante) para fazer seu atendimento. Mas é muito diferente de ter defensores lá sentindo a pulsação social do local para poder atuar de maneira mais ágil e garantir respostas mais efetivas. O Bom Jardim tem uma demanda social pulsante e sempre demandou a Defensoria. Então agora poderemos, com esses dois defensores, fazer uma atuação mais próxima e firme naquele bairro. Era um sonho nosso que está se realizando. E pretendemos ampliar atuações em outros locais até o fim do ano.
OP - A Defensoria tem atuado com parceiros, inclusive com a Associação de Prefeitos (Aprece) com quem houve reuniões recentemente. Em que passo estão essas parcerias?
Elizabeth - Isso aqui (a ampliação de atuação nos municípios) já é resultado dessa nossa parceria. Quando a Aprece veio falamos a respeito da necessidade de ampliação e houve total parceria nesse sentido. Temos feito reuniões com prefeitos e fechado parcerias para que possamos ampliar a atuação no local. Para que a Defensoria chegue, mas chegue com a estrutura necessária para avançar na localidade e atender a população em casos de violência doméstica, infância e juventude, atuação criminal.
OP - Então essas prefeituras saíram na frente em relação a demandar a presença da Defensoria?
Elizabeth - As que citei já estão com convênios assinados. Convênios no sentido de que a gente tenha a estrutura e o local para que os defensores possam atuar. Nesses locais, nós já conversamos com a prefeitura. Então, Paracuru, Pedra Branca, Santa Quitéria, Mauriti, Coreaú, Chaval e Jaguaruana já tem convênios firmados e fechados para que possamos fazer a abertura de espaços.
OP - Além das práticas já citadas, que outras ações e metas podem ser destacas?
Elizabeth - No ano passado aumentamos o plantão, funcionamento nos fins de semana, para mais 19 cidades e pretendemos aumentar novamente até o final deste ano. E por questões legislativas e técnicas pretendemos que esses plantões contemplem também os feriados. Não ficou contemplado na lei, mas pretendemos corrigir. Além disso, há avanços tecnológicos para dar suporte aos defensores, com mais computadores e estrutura para o trabalho. Outra coisa: implementamos estagiários de pós-graduação que funcionam como um apoio para os defensores ao mesmo tempo em que aprendem e auxiliam no trabalho a respeito da nossa atuação. Colocamos 55 novos estagiários agora e pretendemos aumentar durante o ano para chegar com mais estrutura e fazer atendimento de maneira mais rápida. Para conseguir com tecnologia, pessoal e estrutura melhorar. Fechamos parcerias com o governo do estado para ter mais espaços e identidade. A população cria uma identidade. Por exemplo, em Camocim a defensoria está em frente à praça e isso aumenta a demanda e as pessoas já sabem que a defensoria fica ali. Pretendemos construir um novo posto de atendimento em Quixadá para melhorar o atendimento. Novamente, precisamos de estrutura, pessoal, tecnologia e defensores para ampliar a atuação.
OP - O que falta para a Defensoria atuar em todos os 184 municípios do Estado? É possível?
Elizabeth - O primeiro passo é mais concursos. Fora isso, damos nó em pingo d’água com nossa atividade cumulativa e fazendo esses projetos como o do sub-registro onde já atuamos em todos os municípios. Mas existem necessidade para além do sub-registro, como infância, mulheres vítimas de violência, entre outros. Pretendemos abrir novos núcleos com a presença da defensoria na Casa da Mulher Cearense, no Cariri, pretendemos estar lá. De uma maneira mais efetiva, é possível com mais defensores, de maneira mais emergencial, trabalhamos com esses projetos e com nosso sangue verde e vontade de estar junto e trabalhar com a coletividade para garantir o exercício pleno da cidadania de cada um.
Concurso
Inscrições para o concurso de defensora e defensor público do Ceará vão até 14 horas de 8 de abril, exclusivamente pela internet
Diversidade
Há 5% de vagas para pessoas com deficiência, 5% para indígenas, 5% para quilombolas e 20% para pessoas negras.
Inscrições
Inscrições no site da Fundação Carlos Chagas (www.concursosfcc.com.br).