A CPI do Motim teve o primeiro depoimento ontem, 5, em sessão na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE). Parte das perguntas feitas ao depoente Cleyber Barbosa Araújo, que preside a Associação dos Profissionais de Segurança (APS), focaram em movimentações financeiras milionárias registradas nos últimos anos na entidade. A CPI investiga o envolvimento de associações de militares nos motins de agentes de segurança pública ocorridos entre 2011 e 2012 e em fevereiro de 2020 no Estado.
O relator, deputado Elmano de Freitas (PT), mostrou documentos que apontam para movimentações de pelo menos R$ 2,3 milhões, em cinco anos, e apresentou registros bancários que sinalizam retirada de milhares de reais "na boca do caixa" por pessoas ligadas à APS. Dentre os valores, estão saques de R$ 55 mil em janeiro de 2020 e de outros R$ 89 mil em fevereiro, mês em que ocorreu o motim.
Segundo Elmano, o próprio Cleyber realizou saques de R$ 70 mil em janeiro de 2017, época anterior à sua presidência na associação. "Fica claro que há uma prática na entidade de sacar na boca do caixa para dificultar rastrear o destino de recursos que é dos policiais e não para outros fins", disse Elmano, enfatizando que o depoente não nega o fato.
"Tinham algumas despesas que, hoje, ele disse serem de R$ 5 mil por mês, e precisou sacar R$ 70 mil de uma vez. Se sacou 50 mil em dois cheques para tentar camuflar, sacou-se R$ 25 mil e no mesmo dia outro cheque de R$ 25 mil. Evidentemente que os policiais querem saber para onde está indo esse dinheiro”, declarou o deputado.
Cleyber afirmou, antes, durante e após o depoimento, que a APS “não teve qualquer participação” no movimento dos PMs realizado em 2020 e justificou os saques como sendo para custear despesas operacionais da associação que, atualmente, conta com 8,2 mil associados.
“A gente paga despesas médicas, dos seus associados, alimentação. São mais de 37 colaboradores que se alimentam lá. Não é só almoço, é café da manhã (...) Tem aquisição de equipamentos. Uma parte desses pagamentos era toda feita em espécie”. De acordo com o policial, os saques em espécie eram feitos de modo a facilitar a própria dinâmica de atuação diante da situação diária da categoria.
“Se você está trabalhando dentro de uma viatura, não tem como movimentar, operacionalizar qualquer tipo de movimentação financeira. Então, os saques eram para deixar à disposição da associação, do setor administrativo financeiro, para efetuar algum tipo de pagamento", pontuou, complementando que todas as movimentações, “constam em livro razão”.
Em outro momento, o relator confrontou o depoente sobre financiamento de transporte para policiais comparecerem à manifestação na AL-CE anterior ao motim e que, segundo Elmano, teriam culminado na paralisação dos agentes.
“O presidente da APS confirmou que pagava transporte para que PMs viessem às manifestações que resultaram no motim. Fica assumido por ele, no entendimento dele era lícito, mas não é”, enfatizou o parlamentar. Sobre o caso, Cleyber defendeu não haver nenhum tipo de ilegalidade nessa prática.
“A associação, a pedido dos associados, contribuiu para que eles pudessem se deslocar e vir à AL-CE. Na ocasião havia uma pauta, em discussão e já para ser votada, de interesse da categoria e dos nossos associados que era referente à reestruturação salarial, então devido a isso a APS pagou alguns ônibus”, contou.
O deputado Soldado Noelio (União Brasil), único membro da oposição titular na Comissão Parlamentar de Inquérito, disse que a sessão foi tranquila, mas que "houve ilações para gerar suspeição de algum tipo do desvio".
Sobre os saques de R$ 2,3 milhões ao longo dos anos, Noelio destacou que isso dá uma média de R$ 38 mil/mês e que "não considera ser absurdo para uma associação que tem oito mil associados".
Nesta quarta-feira, 6, a CPI do Motim tem previsto o depoimento do vereador de Fortaleza e ex-presidente da APS, Sargento Reginauro (União Brasil). (colaborou Filipe Pereira)