Da bancada de 22 deputados federais do Ceará eleitos em 2018, ao menos três tinham algum tipo de vínculo com o voto conservador que também elegeria Jair Bolsonaro, então no PSL: Capitão Wagner, Jaziel Pereira e Heitor Freire.
Para este ano, porém, os cálculos de parlamentares desse campo são mais ambiciosos. A intenção é dobrar ou quase triplicar esse número, passando a seis ou oito representantes conservadores na Câmara dos Deputados em 2022.
A disputa pelo voto desse segmento, porém, não é pequena. Se, quatro anos atrás, havia menos candidatos que professavam abertamente o bolsonarismo, agora a situação é diferente. O mercado se ampliou, mas a concorrência também.
Levantamento do O POVO identificou 11 pré-candidatos a um assento na Câmara com potencial de voto entre moderado e alto. Entre nomes com ou sem mandato, estão André Fernandes (PL), Coronel Aginaldo (PL), Dayany do Capitão (União Brasil), Julierme Sena (União Brasil), Mayra Pinheiro (PL), Priscila Costa (PL) e Ronaldo Martins (Republicanos).
A esse grupo se somam Jaziel Pereira (PL) e Heitor Freire (União Brasil), ambos já deputados federais, buscando agora uma recondução ao posto.
Principal nome da oposição no estado, Capitão Wagner (União Brasil) projeta um acirramento em torno da conquista da simpatia do eleitorado de direita, mais ou menos alinhado com as pautas de Bolsonaro no Ceará.
“Sem dúvida a disputa será grande. A tendência é dividir muito. O negócio vai ser pesado”, brincou o deputado licenciado, pré-candidato ao Governo do Estado e casado com Dayany Bittencourt.
Filiada ao União Brasil, Dayany deve tentar mobilizar o capital político de Wagner, deputado mais bem votado no estado em 2018: foram 303 mil sufrágios, 94.739 a mais do que o segundo colocado, Célio Studart, eleito pelo PV e hoje no PSD.
Segundo estimativa do dirigente do União, há cerca de meio milhão de votos que podem se destinar aos conservadores, o equivalente ao total do que conquistaram os postulantes em 2018, como o ex-candidato Cabo Sabino, à época no Avante, que obteve 47 mil.
Vice-presidente estadual do União Brasil, Heitor Freire admite que há mais concorrentes no pleito deste ano, mas considera que houve também um incremento do espectro conservador nesse intervalo.
“A chegada da direita à Presidência naturalmente trouxe mais conservadores para a política. Da mesma forma, o número de eleitores declaradamente de direita e conservadores também aumentou”, argumenta.
Para ele, no entanto, “cada candidato tem seus eleitores, seus nichos de trabalho”, e isso é “positivo, pois temos mais chances de ampliar a bancada conservadora no Ceará”.
Embora reconheça que a peleja pelo voto direitista deve ser maior nas próximas eleições e que “há muitos candidatos com boa perspectiva”, o deputado Jaziel Pereira diz acreditar que “vem aumentando o número de conservadores”.
“Houve um despertar para esse alinhamento. Dentro do povo evangélico, por exemplo, eram mais votados os candidatos no voto majoritário. Era o voto do presidente e pronto, o proporcional não era muito do interesse. Mas hoje há o interesse”, cita o parlamentar.
Ainda de acordo com Jaziel, esse setor religioso do conservadorismo passou pelo que ele chama de “despertar” para a política, indo além da eleição presidencial.
“Hoje eles têm opinião”, continua. “Tem muitas pessoas, muitos candidatos, mas tem mais votos também. É um momento concorrido, difícil, mas bom.”
Em seguida, o congressista lança estimativa para o PL: “Vamos ganhar uns dois ou três deputados federais. O PL faz pelo menos quatro deputados conservadores, sem os ‘infiltrados’, que não são nada, conservam só eles mesmos”.
Ex-secretária do governo Bolsonaro, Mayra Pinheiro entende que, mesmo com um contingente maior de postulantes no mesmo grupamento ideológico, não há necessidade de disputa.
“Não enxergo uma competição por votos. Creio que boa parte dos eleitores esclarecidos já tem definido seus candidatos. Muitas pessoas expressam isso para mim diariamente”, responde.
Candidata a uma vaga na Câmara, Mayra tem se movimentado no cenário local, demarcando discurso de oposição ao grupo de Ciro e Cid Gomes, do PDT. Com apadrinhamento declarado de Bolsonaro, a médica é uma das apostas do PL para campeões de voto.
Sobre o assunto, Mayra desconversa. “Não tenho parâmetros objetivos para avaliar o meu resultado, porque meu perfil de voto é diferente do modelo tradicional baseado em acordos com lideranças locais”, diz.
Conforme a bolsonarista, a intenção é buscar “o voto de opinião de pessoas que conhecem e admiram a minha história e respeitam e reconhecem o meu trabalho”.
Professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o cientista político Emanuel Freitas reflete que essa “inflação” de candidatos de direita na eleição “pode atrapalhar” os planos dos postulantes.
“O pressuposto deles seria válido se houvesse um crescimento de eleitores conservadores, mas a sociedade está polarizada”, indica o pesquisador, para quem a divisão entre as candidaturas de Lula (PT) e Bolsonaro (PL) deve estreitar o espaço de disputa, reduzindo as chances de o segmento alcançar uma bancada mais expressiva.
Comandante da Força Nacional, coronel Aginaldo de Oliveira (PL) é otimista em relação às chances dos concorrentes ligados ao presidente Jair Bolsonaro (PL) no Ceará na disputa por uma vaga na Câmara dos Deputados.
Segundo ele, “se os pré-candidatos a deputado da base do presidente, fiéis ao presidente, soubermos trabalhar com união, essa disputa pode não ser acirrada, mas basta trabalhar bem”.
“Temos que nos unir bastante, esse grupo de bolsonarista”, reitera. Caso isso ocorra, propõe Aginaldo, há voto suficiente para todos.
De acordo com o militar, a razão é matemática. Bolsonaro conseguiu 21,74% dos votos no Ceará em 2018, ou 1.061.075 de sufrágios. Esse contingente, ele aponta, seria expressivo na eleição de nomes alinhados.
Mas, prossegue o pré-candidato, “as perspectivas é que esse número chegue perto dos 35% dos votos válidos neste ano, algo como 2 milhões de votos, segundo pesquisas de bastidores”.
“Tranquilamente vamos eleger pelo PL uns quatro ou cinco deputados federais bolsonaristas, fiéis mesmo ao presidente”, estima o coronel.
Noviço na política, casado com a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), Aginaldo é outro nome que chegou ao PL na esteira da filiação do presidente, que deixou o PSL e permaneceu sem partido por dois anos até finalmente ingressar na legenda de Valdemar da Costa Neto.
No exercício do cargo, Aginaldo esteve no Ceará durante o motim da PM, em fevereiro de 2020, acompanhando a mesa de negociação na tentativa de chegar a um acordo entre o movimento de policiais e representantes da OAB-CE e de outras entidades que mediavam interlocução.
Questionado sobre como projeta a disputa eleitoral para a Câmara, Aginaldo afirma que “nosso voto vai ser daquele eleitor fiel, que tem convicções, quer uma mudança no cenário político do Ceará, acredita na honestidade dos candidatos do PL e do presidente”.
“Nossa bandeira é de lealdade”, declara, “e, acima de tudo, muita honestidade, essa é a bandeira do patriota, do conservador e do bolsonarista”.
Ao menos três vereadores e dois deputados estaduais cearenses ligados ao bolsonarismo devem postular vaga na Câmara Federal nas eleições de 2022.
Delegado Cavalcante e André Fernandes, ambos do PL e hoje membros da Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE), são dois desses nomes. Mas há outros, como os vereadores Priscila Costa (PL), Julierme Sena (União Brasil) e Ronaldo Martins (Republicanos).
A rigor, o grupo disputa os mesmos votos, com algumas diferenças. Cavalcante e Fernandes, por exemplo, se aproximam do universo militar e religioso ao mesmo tempo, enquanto Priscila Costa tende mais ao segmento evangélico.
Do mesmo modo, Ronaldo Martins extrai votação dos setores de igreja, enquanto Julierme se destaca como representante da categoria dos policiais civis.
Todos, porém, são ligados ao bolsonarismo em maior ou menor grau. Fernandes é um dos cearenses mais próximos do presidente, ao passo que Martins, que já apoiou Capitão Wagner (União Brasil) para a Prefeitura de Fortaleza, hoje ensaia reaproximação com o grupo governista.
Na disputa para a Câmara dos Deputados em 2018, o então candidato obteve 101.089 votos, mas não conseguiu mandato por causa do quociente eleitoral.
Dois anos depois, em corrida para mandato de vereador na capital cearense, Martins foi o único eleito a assegurar vaga por conta própria, alcançando 31.749 votos – acima, portanto, do quociente.
Para Julierme Sena, “é natural que o número de candidaturas com perfil conservador venha aumentando”.
“Fico muito feliz em fazer parte deste grupo”, afirma, “mas acredito que, de maneira geral, essa maior concorrência não venha a atrapalhar, porque cada um possui um nicho específico de atuação”.
A disputa pelo voto conservador aumentou na esteira de uma ampliação no número de candidatos situados nesse espectro ideológico. Para a doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Gabriella Bezerra, há alguns elementos que ajudariam a entender o fenômeno.
“Algumas razões (para o crescimento) seriam as mudanças nas regras eleitorais, a afinidade com as mesmas siglas ou siglas próximas, o ganho de capital político na inserção de alguns na atividade executiva e os ciclos políticos”, explica.
Segundo ela, esses fatores, combinados, impulsionam postulantes com esse perfil. Com o fim das coligações proporcionais, por exemplo, cada partido depende apenas de si para eleger uma bancada expressiva.
O modelo estimula a escolha de concorrentes de peso, com inserção e uma base eleitoral já sólida, de modo a facilitar a conquista de votos.
A chegada de Jair Bolsonaro (PL) à Presidência constitui outro motivo pelo qual o leque de candidaturas conservadoras cresceu. Ex-ministros como Tarcísio Freitas e Rogério Marinho, além de ex-secretários, hoje se apresentam como postulantes na disputa eleitoral.
De acordo com a pesquisadora, no entanto, esse boom pode acabar causando uma fragmentação do voto nas disputas de 2022.
“Talvez o que possa acontecer é uma dispersão desse voto, com a ampliação das candidaturas. Como também a disputa pelo apoio desses líderes”, afirma.
No caso do Ceará, a professora menciona ainda uma candidatura bem posicionada ao Governo do Estado, de Capitão Wagner (União Brasil), como fator por trás da multiplicação de nomes conservadores.
“Essas candidaturas”, continua, “têm o interesse e se embalam na competitividade pelo Executivo estadual, que inclui um candidato bolsonarista de destaque”.