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Adotado por Bolsonaro, "homeschooling" é aprovado em meio a tensões na Câmara
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Adotado por Bolsonaro, "homeschooling" é aprovado em meio a tensões na Câmara

| Educação domiciliar | Oposição acusa o governo de ter atropelado o debate sobre o tema na Câmara, descumprindo previsão de debates sobre o tema nas comissões da Casa
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Plenário da Câmara dos Deputados aprovou regulamentação da educação domiciliar e proposta vai ao Senado (Foto: Paulo Sergio/Câmara dos Deputados)
Foto: Paulo Sergio/Câmara dos Deputados Plenário da Câmara dos Deputados aprovou regulamentação da educação domiciliar e proposta vai ao Senado

Com texto-base aprovado na madrugada da última quarta-feira, 18, o projeto de lei que regulamenta a educação domiciliar – também conhecida como homeschooling – concluiu ontem votação de destaques na Câmara dos Deputados. A matéria, um dos mais polêmicos pontos da chamada "pauta ideológica" do governo de Jair Bolsonaro (PL), foi motivo de forte embate na Casa, com oposição acusando governistas de “atropelo” na votação.

“Um despacho da Mesa Diretora da Câmara dizia que precisava ter uma comissão especial para debater esse assunto. Atropelaram tudo, não teve nem essa comissão, nem o assunto foi debatido na Comissão de Educação. Simplesmente, votaram o mérito no mesmo dia”, diz o deputado Idilvan Alencar (PDT), que liderou discurso contrário ao projeto na Câmara.

Aprovado por 264 votos a favor, 144 contra e duas abstenções, o projeto ainda precisará passar pelo Senado Federal, mas prevê uma série de mudanças nas exigências para a educação de jovens no País. Pela lei atual, pais ou responsáveis têm obrigação de matricular crianças e adolescentes em instituições de educação, públicas ou privadas. Quem não obedece a norma pode ser alvo de conselhos tutelares ou até da Justiça.

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) entrou na questão, decidindo que a educação domiciliar era ilegal no Brasil, uma vez que não existia uma regulamentação formal para a modalidade. Desde então, cresceram no Congresso pressões em torno do tema, "adotado" pelo governo Bolsonaro ainda em 2019 como forma de aceno ao eleitorado evangélico.

“Sou um defensor da escola, porque a escola tem função de aprendizagem e socialização. Eles vão cumprir 200 dias letivos? Como vai ser a certificação? Vão cumprir 800 horas, 1.000 horas exigidas? Vão seguir a LDB (Lei de Diretrizes Básicas da Educação)? O projeto não diz nada disso”, diz Idilvan. Um dos pontos mais criticados por evangélicos, a exigência de Ensino Superior de um dos pais para o homeschooling foi mantida no texto final.

Deputado federal Idilvan Alencar (PDT-CE)(Foto: Paulo Sergio/Câmara dos Deputados)
Foto: Paulo Sergio/Câmara dos Deputados Deputado federal Idilvan Alencar (PDT-CE)

Único cearense que votou a favor da medida na Câmara, o deputado e pastor evangélico Jaziel Pereira (PL) é defensor do homeschooling e chegou a presidir comissão criada para debater o tema na Casa. Segundo ele, a aprovação da medida representa uma vitória para a “liberdade” dos pais de escolherem como seus filhos serão educados.

“Havia uma demanda antiga por essa regulamentação, que não vem para atrapalhar a educação, não tem competição com as escolas. Ela só traz a livre opção para os pais, que até agora eram perseguidos por promotores, pelo Conselho Tutelar. É uma grande vitória, porque está previsto acompanhamento, provas regulares, checagem de frequência”, diz.

Jaziel ainda nega que tenha ocorrido qualquer tipo de “atropelo” na votação da matéria, destacando que o tema já é uma demanda de setores conservadores há mais de duas décadas. “Vai ter sempre esse papo, mas para mim isso é mimimi. É uma reivindicação de mais de vinte anos, que demorou muito para ser votada, e agora tem regras”, diz.

Deputado federal Dr.Jaziel (PL-CE)(Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)
Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados Deputado federal Dr.Jaziel (PL-CE)

Neste sentido, ele rejeita que crianças educadas em casa estarão em situação inferior aos criados na educação formal, destacando que os próprios pais terão interesse em garantir que o aprendizado dos filhos. “Hoje há uma tendência nas escolas de doutrinação, de distorção de valores. Falam de aborto, de erotização de crianças, feminismo, coisas que a gente sabe onde vão dar”, diz, justificando interesse dos evangélicos na pauta.

Idilvan Alencar rebate a tese, afirmando que a educação domiciliar na verdade expõe crianças a situação de maior fragilidade. “A criança precisa ser protegida. Ainda tem a questão da violência sexual, que a gente sabe que na pandemia aumentou muito. A escola é quem ainda consegue detectar e coibir isso, como vai ficar agora? Não houve nem debate sobre isso. É uma pauta meramente ideológica, uma cortina de fumaça pelo desgoverno”.

Oposição aposta em Senado para barrar homeschooling

A oposição ao governo Jair Bolsonaro (PL) tem apostado no Senado Federal como forma de evitar a sanção do projeto de lei que autoriza o ensino domiciliar de jovens no Brasil, aprovado nesta semana pela Câmara dos Deputados.

Nos últimos anos, a Casa comandada por Rodrigo Pacheco (PSD-MG) tem servido como “barreira” para várias das pautas tocadas pelo governo Bolsonaro no Congresso, principalmente aquelas mais polêmicas, de viés mais ideológico.

“Por quê tudo na Câmara foi feito com tanta pressa? Com tanto atropelo? Era justamente para evitar uma mobilização de professores, que sabem que vão ter o trabalho desvalorizado por essa medida” diz o deputado federal Idilvan Alencar (PDT) sobre o tema.

Nesse sentido, parlamentares da oposição nas duas Casas Legislativas esperam contar com o prazo até a votação do tema no Senado para fortalecer mobilização contra a medida, que incluiria pressão de professores e sindicatos com senadores favoráveis à nova lei.

Segundo a oposição, uma eventual adoção do homeschooling criaria um sistema de ensino “paralelo”, comandado por comunidades evangélicas, que poderia empregar professores sem formação formal, o que fragilizaria as categorias como um todo.

Com a votação concluída ontem na Câmara dos Deputados, o projeto ainda será encaminhado para o Senado. Até a noite de ontem, nenhuma das principais lideranças da Casa havia se manifestado sobre o tema, ainda aguardando a chegada da matéria.

Diversos projetos sobre o tema, no entanto, já tramitam há vários anos na Casa. Em 2017, o Senado chegou a criar uma proposta de ideia legislativa popular sobre o tema, que só obteve 3.736 apoios no sistema e não teve prosseguimento na Casa.

Em 2017, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), que já foi líder do governo Bolsonaro no Senado, apresentou projeto alterando a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Estatuto da Criança e do Adolescente para criar a modalidade do ensino domiciliar no Brasil. (Carlos Mazza)

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