Pré-candidato à reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) usou a visita de Elon Musk ao Brasil ontem como um palanque em defesa de uma pauta política própria. Na batalha por menos moderação de conteúdos nas redes sociais, o chefe do Executivo afirmou que a compra do Twitter pelo bilionário, a quem chamou de "mito da liberdade", é um "sopro de esperança". Sem nenhum contrato formalizado, o mandatário anunciou parceria com a Starlink, empresa de Musk, para levar internet a escolas, além de monitorar a Amazônia.
O presidente e Musk se encontraram no evento "Conecta Amazônia", organizado pelo Ministério das Comunicações, no Hotel Fasano Boa Vista, em Porto Feliz (SP). Participaram empresários brasileiros e ministros de Estado.
"O mais importante da presença dele é algo que é imaterial. Hoje em dia, poderíamos chamá-lo de mito da liberdade. O exemplo que nos deu, há poucos dias, quando anunciou a compra do Twitter, para nós aqui foi como um sopro de esperança", disse o presidente.
Bolsonaro tem criticado as políticas de combate às fake news e a discursos de ódio nas redes sociais. Para ele, trata-se de uma violação às liberdades de expressão. "Ele (Musk) é a favor da liberdade total de expressão. Criticar Executivo, Legislativo e Judiciário não tem problema nenhum", disse. Bolsonaro tem investido contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e é um entusiasta da ditadura militar no Brasil, quando os direitos políticos e a liberdade foram cerceados.
O presidente, no entanto, ponderou que o futuro do Twitter não fez parte das discussões com Musk. Fundador da SpaceX e simpatizante do ex-presidente Donald Trump, Musk anunciou a aquisição do Twitter em abril por US$ 44 bilhões, mas neste mês pediu garantias para prosseguir com a transação. Na ocasião, ele falou sobre um possível afrouxamento das regras de moderação para conter a desinformação na rede social. "Muito animado por estar no Brasil para o lançamento da Starlink para conectar 19 mil escolas em áreas rurais e fazer o monitoramento ambiental da Amazônia", escreveu Musk no Twitter.
Em janeiro, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deu aval ao pedido da Starlink para operar satélites de órbita baixa no Brasil.
Após o encontro, Bolsonaro disse, entretanto, em entrevista, que a visita foi de cortesia, não de negócios. Mesmo assim, ele e o ministro das Comunicações, Fábio Faria, afirmaram que discutiram uma potencial parceria. "O que mais nos chamou a atenção foi sua preocupação com a Amazônia de verdade", disse o presidente. No Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), já posto em xeque por Bolsonaro, é responsável por monitorar a floresta.
Bolsonaro afirmou que a cobertura da Região Norte com satélites da Starlink será um marco para o País - ainda que não haja acordo formal nem data para isso acontecer. "Vamos mostrar para o mundo a verdade sobre a Amazônia", afirmou ele. "É o início de um namoro que vai acabar em casamento."
Logo depois de Bolsonaro, Faria tomou a palavra e, em inglês, chamou Musk de "visionário" e disse que "o Brasil" o ama. De forma reservada, Bolsonaro condecorou Musk com uma medalha pelos "serviços prestados ao País".
O encontro foi explorado politicamente. O presidente publicou no Twitter a foto de seu aperto de mãos com Musk. Nas redes sociais, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) defendeu a narrativa de que o pai é próximo do empresário. Ele postou fotomontagem em que Bolsonaro e Musk estão lado a lado comendo pastel de feira. Aproveitou para divulgar a hashtag "Bolsomusk". O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) chamou a reunião de "encontro de mitos".
O anúncio de início das tratativas para a parceria entre o governo e Musk foi visto por agentes públicos e privados do setor de telecomunicações como um potencial favorecimento ao bilionário estrangeiro.
Sem qualquer previsão de licitação, o acordo em formulação com a Starlink ignoraria, segundo fontes, a existência de outros prestadores de serviços como Viasat, Hughes, Embratel, entre outras. A crítica do setor é que todas deveriam ser tratadas com isonomia.
As núpcias não devem ser seladas tão cedo. O pacto teria de passar por licitação, mas isso não é permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal tão próximo de eleição. Bolsonaro precisaria ser reeleito para dar andamento às tratativas, algo para 2023 em diante.
Outra crítica é que houve atropelo às competências da Anatel ao se escolher Musk para prover internet às escolas públicas. Questionado pela reportagem se houve favorecimento, ausência de licitação e atropelo das funções da Anatel, o Ministério das Comunicações afirmou apenas que "não houve formalização de contrato na visita do empresário Elon Musk ao Brasil".