O encontro de Jair Bolsonaro com Joe Biden ontem, o primeiro entre os dois presidente, teve a pauta ambiental e a democracia no Brasil como temas centrais. Os dois assuntos são caros para os americanos.
Biden defendeu as instituições do País e elogiou o Brasil pela tentativa de proteger a Amazônia. Bolsonaro, por sua vez, manteve a retórica e afirmou que, por vezes, sente a soberania brasileira ameaçada quando o assunto é a floresta. O brasileiro disse, ainda, que chegou ao poder pela democracia e sairá, também, pela via democrática e voltou a falar em "voto auditável".
A imprensa acompanhou a abertura da reunião, momento em que os presidentes normalmente trocam rápidos cumprimentos. Biden falou por cerca de um minuto e meio, em um discurso protocolar, em um encontro que explicitou o incômodo de ambos. "O Brasil é um lugar maravilhoso. Por sua democracia vibrante e inclusiva e instituições fortes, nossas nações são ligadas por profundos valores compartilhados", afirmou.
O americano também tratou da proteção da Amazônia, disse que o Brasil tem feito um bom trabalho para proteger a floresta e afirmou defender que o "resto do mundo ajude a financiar a proteção da área". "Nós todos nos beneficiamos disso." Ele ainda lembrou que já esteve no Brasil por três vezes.
Já Bolsonaro discursou por cerca de seis minutos, quando deu justificativas para três assuntos pelos quais é criticado: o posicionamento sobre as eleições brasileiras, a proteção da Amazônia e a relação com a Rússia. O presidente não recuou, no entanto, na retórica que tem mantido no Brasil.
Sobre eleições, Bolsonaro disse que o País terá eleições livres e justas. Disse ainda trabalhar para que sejam auditadas. "Neste ano, temos eleições no Brasil. E nós queremos eleições limpas, confiáveis e auditáveis, para que não haja nenhuma dúvida após o pleito", disse Bolsonaro ao lado de Biden.
"Tenho a certeza de que ele será realizado neste espírito democrático. Cheguei pela democracia e tenho a certeza de que quando deixar o governo também será de forma democrática", afirmou.
A retórica do presidente brasileiro para atacar o sistema eleitoral passa pela alegação de que urnas eletrônicas não são auditáveis. Pouco antes da reunião com Biden, na saída do hotel onde está hospedado, Bolsonaro disse que o sistema é inauditável, o que é falso. Também antes do encontro, Bolsonaro disse que não faria comentários sobre as eleições americanas de 2020.
Último líder do G-20 a cumprimentar Biden pela vitória contra Donald Trump, o presidente brasileiro reproduziu repetidas vezes as versões do republicano que punham em dúvida a legitimidade da eleição do democrata. "Vocês sabem que eu tive um excelente relacionamento com o presidente Trump. Isso é passado", afirmou Bolsonaro antes da reunião.
Bolsonaro mantinha com Trump relação de admiração e replicava, no Brasil, o estilo e as políticas do republicano. Os encontros dos dois sempre foram amigáveis. Por sua vez, a reunião com Biden foi diferente. Os presidentes não sorriram, não deram aperto de mãos na frente das câmeras nem se elogiaram. Em boa parte do tempo, Biden olhava para as próprias mãos.
Ao tratar da Amazônia, Bolsonaro citou dados de preservação. "Dois terços do Brasil são preservados. Mais de 85% da Amazônia, também. Nossa legislação ambiental é bastante rígida e fazemos o possível para cumpri-la pelo bem do nosso país", afirmou. O presidente não tratou, no entanto, de críticas internas e externas em relação ao avanço do desmatamento.
O encontro foi costurado a contragosto por ambos. Biden se curvou à ideia de convidar Bolsonaro para um encontro bilateral diante do risco de sediar uma Cúpula das Américas esvaziada e da aproximação de Bolsonaro a Vladimir Putin, na iminência da Guerra na Ucrânia.
Bolsonaro justificou sua visita a Putin, sem mencionar o nome do russo. "Sempre adotamos uma posição de equilíbrio. Lamentamos os conflitos, mas eu tenho um país para administrar", disse o presidente, que usa os fertilizantes como motivação do encontro. Ele criticou ainda o que chama de política "do fica em casa", durante a pandemia, associada à guerra como consequências econômicas que afetaram "os mais humildes" e levou à "inflação".
Nesta sexta-feira, Bolsonaro fará um curto discurso na plenária da Cúpula das Américas. Depois, terá encontros bilaterais com os presidentes da Colômbia, Iván Duque, e do Equador, Guilherme Lasso. Ele não se reunirá com os presidentes de esquerda do Chile, Gabriel Bóric, e da Argentina, Alberto Fernández.
De Los Angeles, o presidente viaja a Orlando, na outra costa dos Estados Unidos, onde fará uma agenda política. Ele irá inaugurar o vice-consulado de Orlando, um pleito antigo dos brasileiros que moram no local. Reduto da comunidade brasileira nos EUA, a região concentra lideranças evangélicas e apoiadores de Bolsonaro no exterior. Ele deve participar ainda de uma motociata em sua homenagem e pode encontrar o blogueiro foragido da Justiça, Allan dos Santos, que estará na cidade.
Bolsonaro reage a cobranças sobre paradeiro de desaparecidos na Amazônia
Sob observação internacional, o presidente Jair Bolsonaro (PL) reagiu ontem às críticas de falta de empenho e às cobranças para que o Governo Federal desvende o paradeiro do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, desaparecidos desde há cinco dias na Amazônia. Bolsonaro mudou o tom sobre o sumiço deles e afirmou que o governo trabalha para "solucionar o caso o quanto antes".
"Nossas três Forças (Armadas), bem como nosso MRE (Ministério das Relações Exteriores), a Polícia Federal, dentre outros, estão trabalhando desde segunda-feira, 6, de forma intensa na busca dos senhores Bruno Pereira e Dom Phillips. Mais de duas centenas de militares foram mobilizados para solucionar o caso o quanto antes", escreveu o presidente, no Twitter.
"Instruí meus auxiliares a não se distraírem com narrativas midiáticas para que possam concentrar todas as energias no monitoramento dos trabalhos e nas buscas. Esses oportunistas só querem se promover com o caso. Nós queremos solucioná-lo e levar conforto aos familiares."
Bolsonaro participa da Cúpula das Américas, nos Estados Unidos, que tem como pauta respeito à democracia, aos direitos humanos e ao meio ambiente. Ele desembarcou no evento sob forte cobrança de aliados do presidente Joe Biden, a convite de quem viajou e com quem teve ontem um primeiro encontro bilateral.
Os políticos do Partido Democrata cobram uma ação mais eficaz de autoridades brasileiras para esclarecer o caso. Nas ruas de Los Angeles, manifestantes promoveram protestos por causa da falta de informações sobre o desaparecimento de Pereira e Phillips. Fotos de ambos foram exibidas.
Tradicionalmente com uma retórica contrária a jornalistas e a tradições da política indigenista nacional, Bolsonaro se viu exposto durante a cúpula. Antes da viagem, o presidente classificou o trabalho de Pereira e Phillips como uma "aventura não recomendável".
Eles documentavam desmandos na região do Vale do Javari, cercada por atividades ilegais no vácuo do Estado, como narcotráfico internacional, garimpo, pesca e extração de madeiras de forma clandestina.
Depois de ameaças, Pereira e Phillips sumiram ao iniciar uma viagem de barco, sozinhos, na manhã de domingo passado. Até agora, nenhum vestígio deles apareceu. Um pescador suspeito de envolvimento no caso foi preso, por portar munição de fuzil, de uso restrito. No barco dele, a PF coletou amostras de sangue que serão alvo de exames de DNA.