O deputado federal José Nobre Guimarães (PT) andava calado desde que o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) inaugurou a mais recente crise no seio da aliança estadual - ao afirmar que o PT do Ceará tem "lado corrupto" e que topa ver o PDT enfrentando-o, caso o interesse do cearense não esteja acima do que chamou de "conchavos". É como se o principal articulador da legenda houvesse preferido ver como as coisas se acomodariam até falar sobre elas.
O encontro organizado pelo mandato dele, nessa quinta-feira, 9, lotou a sede do PT, no bairro Benfica. Ali, falou forte que a prioridade será a eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Redobrou a força para falar que, sim, quer a continuidade da aliança, mas sob condições específicas. Na conversa com O POVO, na sala do presidente do PT, Antônio Alves Conin, estavam os deputados estaduais Elmano Freitas, Júlio César Filho, Augusta Brito e Moisés Braz.
Guimarães disse com todos esses e erres: "O PT tomará outro rumo se Roberto Cláudio for oferecido à chapa como candidato ao Governo do Ceará. Confira a íntegra da entrevista:
O POVO - No discurso de agora há pouco, o senhor falou duas vezes que a aliança “está no limite”. O que quis dizer com isso?
José Guimarães - Veja, quando eu falo que está no limite... Você não trata aliado de primeira hora desse jeito, como alguns estão tratando. Nós começamos essa aliança em 2006. Eu fui um dos responsáveis por essa aliança em 2006, na verdade eu e a Luizianne. Primeira eleição do Cid. De lá pra cá nós construímos um projeto que deu certo pro Ceará, com Cid oito anos, com oito anos de Camilo e, agora, com os quatro anos de Izolda (pretendidos pelo entrevistado). Qual a razão nobre pra interromper isso? Da nossa parte, não tem. Porque esse projeto foi construído por muitas mãos, com uma aliança, com programa, com apoio político. Portanto, o que nós sentimos é que esse tratamento inadequado, injusto, não pode prevalecer na construção, na manutenção da aliança. Esse é um sentimento da base do PT.
OP - O senhor está falando especificamente do ex-ministro Ciro Gomes. Na entrevista à Rádio Jangadeiro, ele falou que o PT do Ceará “também” tem um lado corrupto. O senhor é o petista mais próximo ao Lula. Esse ataque do Ciro foi para o senhor?
Guimarães - Não, não sei e nem quero saber. O que me espanta é porque, se existe isso, foi com esses que nós ganhamos em 2006. Foi com esses que fomos parte do governo. Foi com esses que o ex-ministro Ciro Gomes foi ministro do governo Lula. É essa a trajetória. Foi com esses que o Lula fez tudo pelo Ceará, no governo Cid. Por que essa essa raiva, essa coisa do PT? Nós estamos muito bem, nós temos compromisso com a democracia e por isso que nós nos recusamos a entrar nesse jogo baixo e agredir injustamente as pessoas. Até porque não sei se foi, nem vou investigar. Se foi pra mim, eu sou um dos deputados mais limpos do Ceará. Não tenho um processo. Tudo que fizeram contra mim foi no endereço errado. Fui inocentado em tudo. Trata-se agora o seguinte: vai continuar ou não vai continuar a aliança? Por nós, continua. Mas ela tem que ter parâmetro. Ela tem que ter diretriz. Eu falei no meu discurso. Não pode ser assim. Tem que ser gente que tenha compromisso e tenha sensibilidade política para compreender o momento que nós estamos vivendo. Se não, entrega para a derrota.
OP - O ex-prefeito Roberto Cláudio não tem esse compromisso e essa sensibilidade?
Guimarães - Eu não vou falar de nomes do PDT. Entendeu? Eu não vou falar de nomes do PDT porque cabe ao PDT.
OP - É porque essa discussão que está colocada. O ex-prefeito Roberto Cláudio tem relação desgastada com o PT. Em função disso, ele é claramente antipatizado pelos vários setores do PT.
Guimarães - Eu estou dizendo para você que para manter a aliança tem que ser um nome que some, que agregue, não é vetar ou impor ninguém. A manutenção da aliança está condicionada a esse imperativo. Foi ou não foi assim no Cid e no Camilo? É ou não é assim na Izolda? É tudo natural, não sei porque essa desconstrução. Por nós, não faremos essa desconstrução. Evidentemente, nós temos limites. Se tem uma coisa que ninguém pode reclamar é da nossa lealdade ao projeto. Na Assembleia Legislativa, na Câmara Federal, tudo nós fizemos, muitas vezes até criticados internamente. Portanto, nós queremos manter a aliança, mas isso é uma construção coletiva. E não pode excluir o Camilo, era só o que faltava.
OP - Os principais estrategistas de cada lado sempre souberam separar o embate nacional da questão local. Por que Ciro rompeu com essa lógica?
Guimarães - Sempre foi dito, sempre foi falado, sempre foi combinado que o Ceará estava acima disso. Sempre foi dito para nós, eu sou testemunha, que o comando para decidir os rumos do Ceará passava pelo Camilo. A palavra era do Camilo, ouvindo o Cid, ouvindo o PDT e o PT.
OP - Por que o Ciro rompe com essa lógica?
Guimarães: Ai você tem que perguntar para ele. Sei lá.
OP - Qual é a impressão do senhor?
Guimarães - Acho que tem uma campanha nacional, acho que não está fácil a situação nacional. Ela termina implicando aqui. Acho que a eleição caminha para o primeiro turno. Não é por conta da pesquisa, é porque acho que o Brasil cansou disso que está aí. Essa eleição vai ser decidida no primeiro turno. Não é porque ninguém está determinando, não. Até porque o Lula fez tudo por esse Estado, tanto ele como a Dilma quando o Cid foi governador. Tudo. Todas as obras aqui foi parceria do governo do Estado com o presidente Lula. Às vezes, são até injustos com ele. Portanto, nós estamos tranquilos. O PT está muito unido. Sou esperançoso que nós vamos vencer essa quebradeira geral que está acontecendo na aliança.
OP - O André Figueiredo, presidente do PDT no Ceará, falou que a ideia é apresentar a candidatura ao final de junho. Se o PDT oferecer à chapa o ex-prefeito Roberto Cláudio, objetivamente, o que é que o PT vai fazer?
Guimarães - O nosso limite é dia 2 e 3. O encontro estadual é dia 2 e 3, né, Conin (presidente do PT no Ceará)? Até lá, vamos dialogando, tem muito diálogo. Ai “se”, né? Pode não ter o "se", né? Se tiver o "se" na época a gente discute, mas nós temos um caminho traçado.
OP - Se for o Roberto Cláudio, vou repetir, o que é que o PT vai fazer?
Guimarães - O PT vai buscar outro caminho. Eu tô dizendo isso não é pra vetar nada, é pra dizer que nós temos uma construção a ser feita. O PT não tem o direito de vetar ninguém. São escolhas políticas que os partidos irão fazer. Por isso que eu disse ali que se o PT for chamado pra cumprir uma missão nós estamos dispostos a isso. Queremos manter aliança, mas me diga uma coisa: qual é a razão nobre para tirar essa mulher? Gente, é até um negócio esquisito. As mulheres precisam se dar conta da gravidade disso. Ela tem algum defeito? Caberá ao PDT decidir. Nós não vamos nos meter em vida do PDT. Agora, nós não somos obrigados também… A nossa vida é a nossa vida. Eu tenho responsabilidade com a aliança. É preciso muito juízo nesse momento. Eu pretendo conversar urgentemente com o Cid.
OP - Depois da entrevista do Ciro houve algum momento de conversa com o senador Cid Gomes?
Guimarães - Eu tive com ele logo depois da vinda do Lula (agosto de 2021), umas duas vezes, mas depois da história da Jangadeiro, da entrevista, não fiz mais conversa não.
OP - Ele não buscou o senhor?
Guimarães - Não. Deixa eu falar uma outra coisa pra você. Eu estou numa fase que eu não quero mentir pra mim mesmo. Depois de tanto atrevimento, só uma causa muito nobre que pode permitir a continuidade da aliança. Qual é a causa? A continuidade do governo exitoso do Camilo Santana. Essa é a causa que sustenta, que deve ancorar a aliança. Fora disso não tem. Sempre me disseram: o Camilo comanda. Os deputados estão aqui e sabem. De uma hora pra outra o Camilo deixa o Governo e não é? Então, nós temos que ter muita maturidade para conduzir esse processo no Ceará. Aliás, é uma coisa esse caminho que nós traçamos aqui no Ceará, todo o PT compreende a importância disso, mas o PDT está livre para tomar a decisão que quiser, como o PT igualmente está. Nós temos uma tese. Se a nossa tese não for analisada, observada, não é o PT que não quer a aliança Alguém está determinando que a aliança não vai acontecer. Vida que segue. Só tem uma coisa, qualquer que seja o desdobramento, o que a gente espera é respeito. Não é qualquer parceiro que sustenta uma aliança desde 2006 até agora.
OP - A governadora Izolda Cela é a preferida do ex-presidente Lula?
Guimarães - Rapaz, eu falo por mim, né? Mas a Izolda tem uma ótima relação conosco. Mas...
OP - Se o candidato governista for Roberto Cláudio, o candidato do PT é o senhor?
Guimarães - Deixa eu falar uma coisa, ó, pra não parecer que eu tô vetando o ex-prefeito Roberto Cláudio. Eu sou até amigo dele. Fui muito amigo do pai dele. Nunca mais nós conversamos. Não se trata de vetar ninguém. Trata de uma construção que foi feita. E, repito, sempre foi dito que esse grupo comandaria a escolha. Se não é isso, desmonta tudo. E, evidentemente, qualquer que seja o desdobramento, o PT tem bons quadros. Eu mesmo, para poder dizer que eu não estou fazendo jogo de cena, eu serei o primeiro a colocar o meu nome para apreciação do PT se o PDT escolher outro caminho.
OP - Mas tem o Evandro Leitão e o Mauro Filho também.
Guimarães: Mas o problema é que a Izolda está no governo. Mulher, competente, está dando conta do recado. Onde já se viu isso, né, ô deputada Augusta (se dirigiu à deputada que acompanhava a conversa, que concordou)?
OP - O ex-ministro Ciro Gomes, depois daquela entrevista, disse que o PT quer destruir o projeto. Está publicado em edição do O POVO.
Guimarães - Se o PT fez o melhor governo do Ceará sob a liderança do Camilo. Fez o melhor governo que o Ceará já teve. Hein? É o PT que lidera o governo através do Camilo. Nós somos partícipes disso, nós sustentamos esse governo, como é que nós queremos destruir esse projeto? Pelo contrário, pelo contrário.
OP - Só para terminar, para entender os pormenores dessa resistência ao Roberto Cláudio. Ela tem uma dimensão pragmática, uma preocupação do PT de que pode perder espaços? De que a secretaria importante como a Secretaria de Desenvolvimento Agrarário, com importância eleitoral, pode sair das mãos do PT?
Guimarães - Nada disso! Não tem nada disso de perder espaço ou ter espaço. Nós temos um projeto, a continuidade dele é uma gestão compartilhada como foi a do Camilo. Não tem nada de espaço, de secretaria nem coisa nenhuma. O problema é político que está colocado. Esse problema político da eleição nacional. Tem que ter bom diálogo com o Lula. Tem que ter a cara do Camilo, porque o Camilo foi o condutor disso, então, essas essas variáveis precisam ser consideradas. Não pode ser "bufo, é fulano". Não! Por quê? Tem que ter cautela, tem que buscar o melhor caminho. Para ganhar! Que ainda tem esse outro problema, derrotar o Bolsonaro aqui. Aliás, o Bolsonaro está em segundo lugar no Ceará. Para derrotar o Bolsonaro não pode ser qualquer engenharia política, qualquer arroubo que vai decidir quem é o candidato. Eu tô de saco cheio disso.
OP - Uma crítica que escuto é a de que o PT tem candidato ao Senado, mas ainda quer a vice e, de quebra, escolher o nome que vai disputar o Governo do Ceará. E isso não seria razoável. Como responde?
Guimarães - Mas o nome não é do PT. O PT não tem candidato, por enquanto, ao governo. O PT vai opinar entre os nomes que o PDT coloca. O nome não é do PT. Oxe! A Izolda não é do PDT? Tem alguém mais leal a eles do que a Izolda, pessoal (se dirige aos deputados estaduais que acompanharam a entrevista)? Ein, Elmano? (Augusta Brito diz: amiga de infância do Ciro. Elmano diz: da cozinha!). Nasceu em Sobral! Às vezes eu fico perguntando: como é que a Izolda está aguentando isso? Uns atrevimento desses, de ficar falando... Porra, deixa a mulher governar, caramba.