O senador Cid Gomes (PDT) é, desde a chegada do grupo governista ao poder, o articulador da base aliada no Ceará. Por isso, a ausência dele causa apreensão, incômodo e levanta especulações. Ao longo de 16 anos, coube a ele o comando da estratégia do bloco que venceu quatro eleições para governador, quatro eleições para prefeito da capital, elegeu quatro senadores e as maiores bancadas na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Deputados. Após a chegada ao poder, na eleição de 2006, Cid passou a ter um padrão de comportamento, que em parte se repete. Gosta de usar o tempo como instrumento usado para driblar pressões e construir circunstâncias favoráveis. Agora, esse fator pode jogar contra ele.
Já houve movimentos para que Cid fosse candidato a governador ainda em 2002, quando estava na Prefeitura de Sobral. Mas, entendimento com Tasso Jereissati garantiu apoio a Lúcio Alcântara em troca do apoio do PSDB cearense a Ciro Gomes para presidente naquela eleição. Após deixar a Prefeitura, em janeiro de 2005, Cid passou meses nos Estados Unidos, enquanto o irmão dele, Ivo Gomes, participava na Assembleia Legislativa de movimentos para se distanciar do governo Lúcio.
Pode-se considerar 21 de abril de 2006, feriado de Tiradentes, a data em que nasceu a aliança que governa o Ceará. Mas, aquele era resultado de negociações que transcorriam havia mais de ano. O PT estadual realizou encontro no Ginásio da Parangaba e aprovou abrir mão de candidatura para apoiar Cid. Isso sob resistências como do deputado federal José Airton Cirilo. Naquele dia, Cid discursou e, pela primeira vez, disse estar mais à vontade, com apoio do PT, para se declarar pré-candidato a governador. À época, o grupo ainda estava dentro do governo Lúcio, que enfrentava racha de Tasso.
A articulação foi costurada pelos principais apoiadores do então presidente Luiz Inácio Lula das Silva (PT) no Ceará. Os líderes eram, do lado dos Ferreira Gomes, os irmãos Cid e Ivo. No PT, José Guimarães e Luizianne Lins, à época prefeita de Fortaleza. No (P)MDB, Eunício Oliveira e Domingos Filho. Como candidato de oposição, Cid iniciou os movimentos para se viabilizar com muita antecedência. Instalado no poder, mudou de método.
Uma das primeiras amostras do jeito Cid de fazer articulação eleitoral foi na eleição de 2008 em Fortaleza. Luizianne tentava a reeleição e o então governador tinha compromisso de apoiá-la. Foi uma campanha conturbada. Patrícia Saboya, hoje conselheira do Tribunal de Contas, era candidata e Ciro Gomes a apoiou. Em meio à disputa familiar, Luizianne não queria aceitar a indicação de Cid para vice — o hoje deputado Tin Gomes. O à época governador não aceitou propor outra pessoa, e o PT escolheu um nome para só constar na convenção. Quando houvesse acordo, haveria a substituição e assim se ganhava mais tempo. Cid, então, apresentou seu método: jogou além dos limites do prazo. Luizianne aceitou Tin na chapa após cerca de um mês de campanha.
Em 2010, Cid foi candidato à reeleição. Apenas na véspera do fim do prazo escolheu o vice — Domingos Filho, que era do PMDB — o que deixou contrariado tanto o PT, que perdeu a vaga, quanto causou desconforto no próprio Eunício, líder peemedebista. Ali, o grande impasse foi sobre o Senado. Havia acordo para apoiar Eunício para uma das vagas. Para a outra, Cid resistia às pressões do PT por José Pimentel. A intenção era acordo informal com Tasso Jereissati. Após visita de Lula ao Ceará e declarações em entrevista ao O POVO, o tucano cansou de esperar e anunciou o rompimento. Passada a eleição, com o tucano derrotado, Cid disse, nas Páginas Azuis do O POVO, que Tasso se precipitou e ele ainda trabalhava para dar um jeito.
Em 2012, na eleição em Fortaleza, foram os Ferreira Gomes que decidiram romper com o PT, por não concordarem com a candidatura escolhida por Luizianne para a sucessão. O movimento, então, foi preparado com certa antecedência, embora a escolha de Roberto Cláudio como candidato tenha sido já perto do prazo final.
A eleição de 2014 foi o ápice do laboratório político de Cid. O grupo, então no Pros, tinha cinco pré-candidatos: Domingos Filho, Izolda Cela, Leônidas Cristino, Mauro Filho e Zezinho Albuquerque. Eunício havia rompido. Cid cogitou sair para concorrer ao Senado, mas queria que Domingos, o vice, também renunciasse e não ficasse no governo — o candidato não seria ele e Cid sabia da força que um ex-presidente da Assembleia teria uma vez na cadeira. Uma situação similar à que agora ocorre com Izolda, mas potencializada. Domingos não aceitou e Cid ficou para comandar a própria sucessão — decisão que Tasso havia tomado em 1990. Num dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo, foi anunciado que o candidato não seria nenhum dos postulantes, mas Camilo Santana. A opção por um petista bloqueava a hipótese de Lula fazer campanha para Eunício Oliveira. Afinal, o PMDB era o principal apoiador de Dilma Rousseff (PT) na reeleição.
Em 2016, Roberto Cláudio foi para a reeleição e não houve muito o que discutir. Assim como em 2018. Naquela ocasião, Camilo foi para a reeleição. Cid concorreu a uma das vagas no Senado. Para a outra, o acordo com Eunício, que acabou sendo informal, foi articulado pelo petista. No fim, Eunício foi derrotado e se julgou traído pelos Ferreira Gomes.
Em 2020, houve longa discussão pública com cinco pré-candidatos: Ferruccio Feitosa, Idilvan Alencar, Salmito Filho, Samuel Dias e José Sarto, além de membros de partidos aliados, casos de Alexandre Pereira (Cidadania) e Élcio Batista (PSB). Roberto Cláudio propôs a metodologia e tinha Samuel como preferido. A decisão também foi postergada. O desfecho teve um importante contraste em relação ao que ocorre agora: o então prefeito não reclamou quando aquele que indicou foi preterido — com a diferença de que Izolda é governadora e Samuel era ex-secretário.
Pela primeira vez de 2008 para cá, pela primeira vez numa eleição não há alguém na cadeira de governador que esteja na coordenação do processo. Izolda está lá, mas há três meses e está dentro de uma disputa interna, o que não ocorreu com Cid em 2010 ou Camilo em 2018. Nunca o senador foi considerado tão ausente das articulações. Particularmente sentido pelos deputados é o fato de ele não estar fazendo a tradicional divisão de redutos eleitorais, com os cálculos para eleger o maior número possível de parlamentares, instrumento responsável por acomodar muitas insatisfações.
Administrar o tempo da decisão é um método que Cid deixa explícito, como falou ao sair de cerimônia no Palácio do Planalto, em março de 2013. “Eu aprendi que o correto, para quem está no governo, é deixar tudo para a última hora. Precipitar o debate eleitoral só acirra os ânimos e o governo precisa de um ambiente mais tranquilo no Congresso, para aprovar os seus projetos.”
No Ceará, a demora está levando ao acirramento. O PDT marcou para dia 18 uma reunião que pode ser decisiva, sem que Cid até agora tenha entrado nas discussões cruciais.