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Expresso 150: adiamentos sucessivos emperram investigação na Justiça
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Expresso 150: adiamentos sucessivos emperram investigação na Justiça

| Justiça | Andamento dos casos da Expresso 150 tem sido lento na esfera criminal. Ao menos quatro desembargadores são alvos
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DEFLAGRAÇÃO da Expresso 150 completou sete meses no último mês de junho (Foto: Evilázio Bezerra, em 15/06/2015)
Foto: Evilázio Bezerra, em 15/06/2015 DEFLAGRAÇÃO da Expresso 150 completou sete meses no último mês de junho

Deflagrada sete anos atrás, a operação Expresso 150 resultou na aplicação de uma série de sanções na esfera administrativa contra desembargadores, como a aposentadoria compulsória, a mais grave entre as penas.

No âmbito penal, no entanto, as investigações enfrentam atrasos na primeira instância do Judiciário cearense, a cargo da qual se encontram as apurações desde que os casos foram remetidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Apenas num dos processos, o da desembargadora aposentada Sérgia Miranda, que tramita na 5ª Vara Criminal da Comarca de Fortaleza, houve adiamentos sucessivos, motivados seja por questões de saúde envolvendo investigados, seja por ausência de promotor, seja pela convocação do magistrado titular ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE).

Investigada criminalmente por suspeita de venda de decisões liminares nos plantões do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), entre os anos de 2012 e 2013, a magistrada se tornou alvo de acusação de corrupção após denúncia do Ministério Público Federal (MPF), formulada ainda em 2017.

Os achados do órgão subsidiaram tanto o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) do qual ela foi objeto quanto o trâmite da ação penal na qual era ré no STJ.

Em 2019, porém, a corte superior encaminhou o processo à Justiça estadual, assim como o de outros desembargadores que também são investigados pela Expresso 150.

As audiências da ação que apura potenciais crimes de Miranda, contudo, foram remarcadas para novembro próximo - a previsão era de que fossem realizadas em junho passado, mês em que operação completou sete anos.

Procurado, o TJ-CE respondeu, via assessoria de imprensa, que, "ao longo da tramitação, foram designadas várias datas para a audiência de instrução".

"No entanto", continua nota do tribunal, "por razões diversas que independem da atuação da Justiça, houve a necessidade de remarcá-la, a exemplo da condição de saúde de um dos acusados que estava de atestado médico".

Ainda de acordo com o Judiciário, "em outro momento, a audiência foi adiada por dois acusados residirem em Portugal, ocasião em que foi feito desmembramento do processo a fim de dar celeridade à tramitação".

Finalmente, "um outro motivo foi a ausência de promotor e uma única vez em razão de convocação do magistrado titular da 6ª Vara Criminal ao Tribunal Regional Eleitoral".

O TJ-CE esclareceu, todavia, que, mesmo remanejados para a Justiça Eleitoral, os magistrados cedidos "continuam trabalhando nos processos de suas respectivas varas e unidades, sem que haja prejuízo ao jurisdicionado".

Em seguida, informou que a audiência da ação está agendada para "ocorrer no próximo dia 9 de novembro", considerando-se "a pauta de audiências da referida unidade", que estaria cheia.

O POVO apurou que os advogados Jéssica Simão Albuquerque Melo Coutinho e Michel Sampaio Coutinho, ligados aos crimes atribuídos a Miranda, passaram a morar em Portugal após a investigação - ambos são réus no processo.

A apuração da conduta do casal foi desmembrada exatamente para que eventuais faltas ou dificuldades alheias ao trabalho da Justiça não comprometam todo o andamento, como já vem ocorrendo.

Os dois advogados são acusados de apresentarem petições durante os plantões da desembargadora aposentada, de modo a assegurar decisões favoráveis que, conforme denúncia do MPF, eram compradas por quantias que variavam de R$ 150 mil a R$ 200 mil - daí o nome da operação - e favoreciam frequentemente traficantes.

Essas negociatas, segundo o esquema descrito na apuração que embasou a denúncia do Ministério Público, eram intermediadas por Frankraley Oliveira Gomes, à época namorado de Sérgia Miranda.

Frankraley, a reportagem também apurou, tem alegado motivos de saúde para não comparecer a audiências. Fonte no Judiciário declarou que o investigado estaria internado desde agosto do ano passado, razão pela qual teria se ausentado.

À exceção de Carlos Feitosa, magistrado também aposentado compulsoriamente e já condenado pelo STJ à perda do cargo e à pena de prisão, as investigações do caso de Miranda são aquelas que estão mais adiantadas no Judiciário estadual.

Os demais alvos da Expresso 150 ainda devem esperar tempo razoável até que as ações que tramitam na primeira instância sejam concluídas.

Fruto da Operação Cardume, levada a cabo pela Polícia Federal em 2012, a Expresso 150 desbaratou, em 15 de junho de 2015, a venda de habeas corpus nos plantões da Justiça.

O delito envolvia sempre um desembargador plantonista e advogados de presos - alguns eram diretamente ligados a outros magistrados, como o filho do desembargador Francisco Pedrosa, Fernando Pedrosa. Os preços e os advogados que assinariam petições eram combinados em grupos de WhatsApp. Na denúncia apresentada pelo MPF, os plantões de Sérgia Miranda eram chamados por esses advogados de "dia de festa".

 

Desembargador Carlos Feitosa
Desembargador Carlos Feitosa

Processos envolvendo ex-magistrados ainda estão em fase de inquérito policial

Parte dos processos que investigam ex-desembargadores cearenses alvos da operação Expresso 150 ainda está em fase de inquérito policial, segundo fonte que acompanha os casos no Judiciário.

Correndo sob sigilo, três deles tramitam na 15ª Vara Criminal de Fortaleza. Essas ações têm como objetos os ex-magistrados Francisco Pedrosa, Valdsen Pereira e Carlos Feitosa, todos ou já aposentados compulsoriamente ou condenados à perda do cargo.

Do trio, Feitosa é o único já julgado e condenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele teve prisão decretada em 2021, também no âmbito da Expresso 150.

Respondendo a dois inquéritos no Superior Tribunal de Justiça (STJ), um por corrupção passiva e outro por concussão, o ex-magistrado pode cumprir até 13 anos, 8 meses e 2 dias de prisão, em regime fechado, numa das condenações. Na outra, ele foi sentenciado a três anos, 10 meses e 20 dias de prisão em regime semiaberto.

Feitosa já havia sido aposentado compulsoriamente desde 2018 - essa é a sanção administrativa máxima, aplicada no Tribunal de Justiça (TJ-CE) ou no CNJ.

Protegidas por segredo de Justiça, não é possível saber como está o andamento das demais ações que envolvem Pereira e Pedrosa. Mas, conforme apuração da reportagem, elas se encontram menos avançadas do que a que investiga a desembargadora aposentada Sérgia Miranda.

O inquérito de Miranda, assim como os dos outros alvos da Expresso 150, tramita na primeira instância do Judiciário depois de ter sido remetido pelo STJ. No caso dela, porém, a ação transcorre na 5ª Vara Criminal, embora o juiz que cuida dos trabalhos seja da 6ª Vara - a titular da Vara se declarou impedida.

A mudança de instância se deu após pedido da defesa da magistrada aposentada, ainda em 2019, depois que ela foi punida com a compulsória em meio às denúncias de que atuou em esquema de venda de liminares nos plantões da Justiça - a magistrada nega as acusações.

Outro magistrado aposentado cuja ação transcorre na Justiça estadual é Paulo Timbó, também em fase de inquérito policial e coberta pelo sigilo.

Ao todo, a Expresso 150 resultou na denúncia de cinco desembargadores e mais de uma dezena de advogados e dois de seus cônjuges.

Desdobramento da Operação Cardume, da Polícia Federal, ação de investigação desbaratou esquema de venda de liminares no Judiciário cearense entre os anos de 2012 e 2013, mas também de decisões que beneficiavam policiais não aprovados em concurso.

A suspeita sobre o comércio de habeas corpus foi levantada a partir de intercepções telefônicas de alvos da Justiça pela PF. Desde que foi deflagrada, em 2015, a Expresso 150 executou cinco fases. (Henrique Araújo)

 

Diluição dos casos dificulta investigação das suspeitas

Diferentemente da lógica das forças-tarefa, o trabalho de investigação da "Expresso 150" na primeira instância não se concentrou numa única vara da Justiça, o que poderia ter ajudado na concentração de esforços e compartilhamento de provas.

Assim, para o Judiciário cearense, sequer existe a rubrica "Expresso 150", nome com que a operação da PF deflagrada em 2015 foi designada, mas casos diferentes que, embora diretamente conectados, são julgados de forma separada.

Isso explica, por exemplo, a diferença no andamento das ações envolvendo um ou outro ex-magistrado alvo da mesma operação e cuja suspeita aponta para um mesmo tipo de crime atribuído: a venda de liminares.

Enquanto alguns processos tramitam na 15ª Vara Criminal, outros correm noutras varas, como a 5ª Vara Criminal, cujo calendário de audiências foi alterado, entre outras razões, por causa da convocação do titular para o Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE).

Passados sete anos desde que foi executada, a Expresso 150 promoveu uma devassa no Poder Judiciário. Revirou gavetas e inspecionou mídias de então desembargadores, cumpriu mandados de busca e apreensão e promoveu interceptações. Em suma, reuniu um conjunto sólido de elementos que depois deram sustentação à denúncia do MPF. (Henrique Araújo)

 

Cronologia da Expresso 150

Percurso da investigação

A primeira fase da operação Expresso 150 foi deflagrada em junho de 2015, atingindo em cheio o Judiciário cearense. A investigação se seguiu a uma denúncia do ex-presidente do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE), Gerardo Brígido, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

De acordo com ele, havia um esquema organizado de venda de liminares nos plantões da Justiça no estado. Embora trate de episódios que remontam a 2012 e 2013, a operação só foi adiante a partir de 2015. A sua fase inicial, seguiram-se outras quatro, resultando na denúncia, ao todo, de 14 pessoas. Entre elas estavam magistrados, advogados, empresários e servidores.

A investigação, desdobramento da Operação Cardume, também da PF, se originou em interceptações telefônicas que captaram referências à venda de habeas corpus em petições de advogados de traficantes.

As sentenças negociadas, porém, não se restringiam aos plantões nem aos traficantes. Também se destinavam a policiais reprovados em concursos públicos e à concessão de créditos bancários.

No geral, os valores cobrados por cada decisão favorável ficavam em torno de R$ 150 mil - daí o nome de batismo da operação que expôs as estranhas do Poder Judiciário no Estado.

Nela, magistrados foram aposentados compulsoriamente, em medida administrativa aplicada pelo TJ-CE. Paralelamente, são alvos da Justiça estadual, em inquéritos que correm em segredo, boa parte deles na 15ª Vara Criminal.

Pelo menos um, o da desembargadora aposentada Sérgia Miranda, tramita na 5ª Vara Criminal. Do grupo de investigados, apenas Carlos Feitosa foi sentenciado à prisão até agora. Advogado, o filho do ex-desembargador, Fernando Feitosa, também foi condenado.

 

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