Cientista político e professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Felipe Borba considera que, embora a polícia tenha concluído que a morte do tesoureiro petista Marcelo Arruda em Foz do Iguaçu (PR) não teve motivação política, "já está enraizado que foi um crime de ódio praticado por um bolsonarista contra um eleitor do PT".
Pesquisador do tema da violência em campanhas eleitorais, Borba avalia que o quadro brasileiro pode se deteriorar ainda mais no decorrer da campanha de 2022. "O que acontece é que essa polarização está sendo contaminada por um discurso de ódio que se origina principalmente na campanha do presidente", diz.
Em conversa com O POVO, o especialista explica que sempre houve polarização nas disputas eleitorais no país e que isso "gerava tensão, mas era uma tensão dentro das quatro linhas da Constituição".
O POVO - Casos de violência política têm aumentado no Brasil, segundo pesquisa da Unirio. O que explica esses números crescentes?
Felipe Borba - A violência cresce em anos eleitorais em relação aos anos não eleitorais, e durante o ano eleitoral ela tende a aumentar conforme se aproxima o dia das eleições, ou seja, ela está agora numa trajetória ascendente porque estamos nos aproximando do pleito. Neste ano, em particular, a gente espera um aumento da violência muito por conta dessa polarização que está sendo contaminada por um discurso de ódio e de intolerância política. Acho que esse é um tempero novo que tem ajudado a explicar o crescimento da violência especificamente agora.
OP - Esse quadro pode se deteriorar mais ainda no curso do processo eleitoral?
Borba - A violência tende a acompanhar as diferentes etapas do ciclo eleitoral. Agora em julho acontecem as convenções partidárias que oficializam os candidatos para todos os cargos que estão em disputa: presidente, senador, governador, deputado federal e deputado estadual. Em agosto começa então a campanha, quando os candidatos estão na rua pedindo voto e em setembro inteiro. É natural que essa tensão aumenta, e, aumenta a tensão, aumenta também a violência político-eleitoral, ainda mais se as pesquisas ficarem mostrando que Lula continua sólido na primeira posição, com chances de vencer maiores no segundo turno. Se a gente olhar o ciclo da violência eleitoral em 2020, é justamente nestes dois ou três meses que antecedem o primeiro turno que temos uma grande trajetória de ascensão da violência.
OP - Existem aspectos comuns nesses crimes, ou seja, é possível apontar um perfil de quem é vítima e quem é agressor?
Borba - Existe, sim, um padrão comum da violência. Ela atinge principalmente homens com escolaridade mais alta, políticos dos pequenos municípios, com uma incidência em todos os partidos. Todos os partidos são vítimas, mas principalmente partidos de direita e de centro-direita. Eu entendo isso por um motivo muito simples. Como a violência é preponderante nos pequenos municípios, são esses partidos de direita e de centro-direita que dominam a política nesses lugares. Desde 2016, os partidos de esquerda, principalmente o PT, perderam muito voto nas pequenas cidades. Deixaram de ser competitivos e deixaram de ser alvos. Porque nesses locais o que prevalece é uma violência de caráter econômico, ou seja, controlar o poder político é o controle econômico daquele município. Por exemplo, se temos uma cidade de 20 mil eleitores ou 50 mil, a prefeitura muitas vezes é o principal agente econômico, é quem mais emprega as pessoas, quem promove os serviços. Ter o controle desse poder político local é um controle também econômico e sobre as regras que imperam naquele território. Como os partidos de direita e de centro-direita são preponderantes nesses locais, naturalmente também vão ser as principais vítimas. Sobre os autores da violência, é o tipo de coisa que não sei. Se até hoje nem mesmo a polícia sabe, por exemplo, quem matou a Marielle... Eu faço o mapeamento das vítimas, traço o perfil e tento entender a dinâmica geral da violência no país.
OP - Há temor de que episódios como o do Capitólio (EUA) ocorram no Brasil. Vê espaço pra isso?
Borba - Eu acredito que o que pode acontecer no Brasil é um pouco diferente do que o que aconteceu nos EUA. Lá, foi uma manifestação política violenta cujo direcionamento eram as instituições políticas do país. Os eleitores republicanos estão demonstrando uma insatisfação com o processo eleitoral que eles acreditavam ser fraudulento. Aqui no Brasil a gente tem uma diferença. Eu vejo dois discursos: esse discurso que deslegitima as eleições, como aconteceu lá, e que o processo eleitoral não é íntegro, é vulnerável a fraudes, principalmente a urna. E o discurso de intolerância política em relação ao adversário. Se o Bolsonaro perde a eleição numa margem estreita, seja no primeiro ou no segundo turno, e ele consegue convencer os seus eleitores de que perdeu a eleição porque foi "roubado", isso pode ser o gatilho de uma violência em larga escala, que não seria contra as instituições exclusivamente como aconteceu nos EUA. Nesse caso, a Justiça Eleitoral e talvez o STF. Mas uma insatisfação contra as instituições e também contra os adversários políticos, que não é um adversário, é um inimigo que precisa ser vencido.
OP - Como os discursos do presidente Jair Bolsonaro influenciam nesse contexto de violência?
Borba - Essa polarização política que existe no Brasil hoje em dia sempre existiu, isso não é o problema. Existiu em todas as eleições e ajuda os eleitores, por um lado, a identificar os diferentes polos e as diferentes propostas de país. O que acontece é que essa polarização está sendo contaminada por um discurso de ódio que se origina principalmente na campanha do presidente. A polarização anterior também gerava tensão, mas era uma tensão dentro das quatro linhas da Constituição. Terminada a eleição, os candidatos reconheciam a vitória do adversário e continuavam. Foi assim com Lula, foi assim com Serra, com Alckmin e um pouco menos com Aécio em 2014, que demorou a reconhecer a sua derrota eleitoral. Esses discursos do presidente contaminam sua base eleitoral e atuam para propagar ainda mais esse clima de ódio que tem existido entre os diferentes eleitores.
OP - A polícia do Paraná concluiu que o assassinato do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu não foi crime político. Isso pode ter impacto na campanha?
Borba - Sobre esse inquérito da polícia, eu ainda não estou muito bem informado. Mas eu entendo que o que prevalece mesmo é a percepção das pessoas. Talvez o inquérito possa ajudar a diminuir um pouco o clima que se abateu sobre o país depois da morte de um militante, mas já está de certo modo na cabeça das pessoas a percepção de que foi um crime de ódio, que foi um crime político. Eu não sei se esse inquérito da polícia vai ajudar a diminuir essa percepção. Acredito que está enraizado que foi um crime de ódio praticado por um bolsonarista contra um eleitor do PT.