A defesa do Estado Democrático de Direito e do sistema eleitoral brasileiro estiveram na agenda de centenas de pessoas que foram às ruas de Fortaleza na manhã desta quinta-feira, 11. Em ato que começou a concentração na Praça Clóvis Beviláqua e seguiu em caminhada pelas ruas da Capital cearense, manifestantes entoaram músicas e palavras de ordem contra os ataques à democracia do País.
O ato ocorreu no mesmo dia em que foi realizada a leitura da “Carta pela Democracia” em diversas cidades espalhadas pelo Brasil. O manifesto foi organizado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Ele foi assinado por mais de 960 mil pessoas, incluindo juristas, advogados, artistas, candidatos à Presidência, ex-ministros do STF, membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, além de milhares de outras pessoas.
“Independente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições. No Brasil atual, não há espaço para retrocessos autoritários. (....) A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa, necessariamente, pelo respeito ao resultado das eleições. Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito sempre”, diz trecho do documento.
Em Fortaleza, a leitura do manifesto ficou sob a responsabilidade do advogado e juiz aposentado Inocêncio Uchôa. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (UBJD) foi preso político durante o período da ditadura militar.
Ele contou ao O POVO que foram 11 anos (de 1968 a 1979) entre prisões e vivendo na clandestinidade por conta da repressão. “Esse movimento significa que o povo brasileiro não aceita ditadura, não adianta querer impor o fascismo do Brasil. O que o povo brasileiro está dizendo aqui é que os fascistas não passarão”, ressaltou.
No Ceará, o ato contou com a participação do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará (Adufc-Sindicato), movimentos como a Frente Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), União Estadual dos Estudantes do Ceará (UEE), dentre outros.
Presente no ato, Luciano Simplício, presidente do CTB-CE, avaliou que a democracia brasileira está sendo “golpeada” e que o País corre perigo de retornar a um “estado ditatorial”. Ele acrescenta que a postura do presidente Jair Bolsonaro (PL) gera um “risco” ao Estado Democrático de Direito. O chefe do Executivo foi um dos principais alvos das manifestações, principalmente pelos ataques sistemáticos que tem feito ao sistema eleitoral.
O deputado estadual Renato Roseno (Psol), por sua vez, disse que o Brasil vive um momento de ascensão de “ideias autoritárias”, principalmente partindo daqueles que “deslegitimam” o sistema eleitoral.
“O que nos move aqui é a defesa de valores democráticos. Independentemente de partidos, de ideologia, o que deve fundamentar a nossa participação aqui é o compromisso com os valores e com a cultura democrática. Não podemos nos amedrontar diante de uma escalada de tentativas de deslegitimação do sistema eleitoral”, afirmou.
Para Yara Larissa, presidente da UEE-CE, as manifestações são “históricas”. Ela ressalta que entidades estudantis e diversos movimentos sociais se uniram, durante o dia, na luta pela educação, democracia e por eleições livres.
“Infelizmente, em 2022, a gente está indo para rua para defender o óbvio. (....) Os estudantes, como sempre, na linha de frente e dessa vez eu acho que a gente tem que ampliar os nossos horizontes. Por isso que a gente está ampliando e consegue com que a nossa a nossa luta unificada consiga dar um retorno maior”, ressaltou.
Ecila Menezes, membro da ABJD, destacou o significado de ler novamente um documento em defesa das liberdades individuais, no mesmo lugar em que ocorreu no ano de 1977, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), manifesto semelhante contra a ditadura militar. “Hoje vamos trazer à memória esse importante momento de defesa da democracia, de defesa por um estado de direito democrático e de defesa da vida, porque sem democracia não há vida”, afirmou.
Presidenciáveis citam ato defesa da democracia; artistas comparecem em SP e Rio
Candidatos à Presidência exaltaram ontem, nas redes sociais, o ato em defesa da democracia. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) usou a hashtag #EstadoDeDireitoSempre para defender o movimento e afirmar que o Brasil "era soberano e respeitado". Lula não esteve no ato por temer que sua presença fosse interpretada como comício eleitoral, afirmaram petistas à reportagem.
O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) afirmou que o ato foi um "momento de união de diferentes segmentos contra os recorrentes ataques de Bolsonaro aos nossos direitos, ao sistema eleitoral e ao próprio regime democrático - que é a maior de todas as nossas conquistas. Este é um compromisso de todos nós". O pedetista estava ontem em uma agenda em Salvador (BA).
A senadora Simone Tebet (MDB) reforçou seu apoio à carta. "Estado de Direito Sempre!", afirmou. "No dia 11 de agosto, a sociedade levanta sua voz em defesa da democracia", escreveu.
Artistas e celebridades prestigiaram ontem os atos em defesa da democracia. Na sacada da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo de São Francisco - que virou uma espécie de "área VIP" para acompanhar o manifesto, a cantora Daniela Mercury marcou presença acompanhada de sua esposa, Malu Verçosa. Elas se acomodaram em baixo da faixa em que se lia os dizeres "estado de direito sempre".
Ao lado do casal, o jornalista Chico Pinheiro, ex-apresentador da TV Globo, também assistia aos discursos direcionados ao povo na rua. Professores da USP e políticos como o ex-ministro Aloizio Mercadante, coordenador do programa de governo do candidato do PT à Presidência, também circulavam pela área.
O ex-jogador de futebol e comentarista esportivo Casagrande e a chef de cozinha Bela Gil, filha do cantor e compositor Gilberto Gil, participaram do ato no Rio de Janeiro, que foi realizado na Pontifícia Universidade Católica (PUC).
'Pedaço de papel qualquer', diz Bolsonaro sobre carta em defesa da democracia
O governo Jair Bolsonaro e a campanha à reeleição do presidente buscaram minimizar os atos em defesa da democracia realizados ontem pelo País. Bolsonaro, ministros e coordenadores de campanha traçaram a estratégia de colar a iniciativa à oposição e trataram o ato na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) como algo menor.
"Hoje (ontem), aconteceu um ato muito importante em prol do Brasil e de grande relevância para o povo brasileiro: a Petrobras reduziu, mais uma vez, o preço do diesel", escreveu o presidente nas redes sociais, após meses de alta nos combustíveis, que elevaram a inflação.
"A redução representa queda de R$ 0,22 por litro. O presente mês acumula redução de R$ 0,42 por litro de diesel. Já estamos entre os países com o menor preço médio de combustíveis do mundo, no cenário atual", disse Bolsonaro.
À noite, durante live semanal, Bolsonaro exibiu um exemplar da Constituição Federal de 1988 e indagou: "Alguém discorda que essa daqui é a melhor carta à democracia?" O presidente ainda chamou os manifestos lidos ontem de "pedaço de papel qualquer" e afirmou que o PT deu voto contrário ao texto da Carta Magna brasileira.
Nos bastidores, ministros do Palácio do Planalto admitiram desconforto com os atos e já vinham reclamando que todos se identificavam como democratas e nenhuma ruptura seria positiva para o País. A iniciativa apoiada pelo empresariado, com a entrada da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) na articulação de uma carta com 107 adesões, foi a que mais incomodou o Planalto.
Apesar da presença de atores políticos e sociais de todo o espectro ideológico, a avaliação interna do comitê bolsonarista foi a de que as manifestações não vão afetar a decisão de voto em outubro e devem ser tratadas como protesto restrito a opositores e, de forma disfarçada, em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT ao Planalto. Os gritos de "fora, Bolsonaro", em São Paulo, deram munição à resposta governista.
Também com ironia, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) adotaram a mesma linha e disseram que a verdadeira carta da democracia brasileira é a Constituição Federal. "Essa é a carta que o povo brasileiro exige de um presidente da República", disse o filho mais velho do presidente, divulgando a queda no preço da gasolina e do diesel.
"Carta ao Povo Brasileiro: estamos escrevendo a Carta que muda o Brasil para melhor. Combustível mais barato, redução do preço do diesel! Deflação, aumento do emprego! Economia forte, Democracia forte! Parabéns, democrata Jair Bolsonaro!", registrou o titular da Casa Civil.
Alvo de Bolsonaro e prestes a passar o comando do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para o ministro Alexandre de Moraes, o presidente da Corte, Edson Fachin, divulgou ontem uma carta sobre os manifestos pró-democracia. Em tom contundente, o ministro escreveu que a defesa da ordem democrática "impõe a rejeição categórica do flertar com o retrocesso".
Sem citar o presidente, Fachin disse que a sociedade não pode adiar "a coibição de práticas desinformativas que pretendem, com perfumaria retórica e pretextos inventados, justificar a injustificável rejeição do julgamento popular". Moraes também elogiou os atos. "A Faculdade de Direito da USP foi palco de importantes atos, reforçando o orgulho da solidez e fortaleza da democracia e em nosso sistema eleitoral", postou Moraes.
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) disse que o Congresso não aceita "retrocesso" e "sempre será o guardião da democracia". "A solução para os problemas do País passa pela presença do estado de direito, pelo respeito às instituições e apoio irrestrito às manifestações pacíficas e ao processo eleitoral."
Aliado do Planalto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), destacou a importância da Casa na representação popular. "A Câmara dos Deputados é o coração e a síntese da democracia. Democracia, uma conquista de todos."