O presidente Jair Bolsonaro (PL) se apropriou das comemorações do bicentenário da Independência e fez da data cívica o seu maior ato da campanha pela reeleição. Manifestações de apoio ao governo reuniram ontem milhares de pessoas em Brasília, no Rio e em São Paulo.
Na capital federal e na capital fluminense, o presidente fez discursos mais contidos se comparados com o caráter de enfrentamento institucional adotado no 7 de Setembro do ano passado. Prevaleceu no cálculo do presidente a necessidade de atrair votos além de sua base fiel.
Sem citar a celebração dos 200 anos da Independência do reino português, Bolsonaro exaltou seu governo e dados da economia, disse que governa para os 215 milhões de brasileiros e pediu que apoiadores atuem para convencer "quem pensa diferente" - segundo ele, é preciso exercitar o diálogo com esquerdistas.
Ao mesmo tempo, repetiu motes eleitorais, direcionando ataques explícitos ou velados a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). A apoiadores que lotavam a Orla de Copacabana, chamou Lula de "quadrilheiro" e disse que ele deve ser extirpado da vida pública. Defendeu, ainda, empresários investigados pelo STF e, numa referência a ministros da Corte, repetiu que, caso reeleito, todos terão de agir dentro das "quatro linhas" da Constituição.
Em nenhum dos dois discursos, Bolsonaro fez menções ao bicentenário da Independência. Faltaram ao desfile militar os outros chefes de Poder: senador Rodrigo Pacheco (Legislativo) e ministro Luiz Fux (Judiciário); além dos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.
Entre os chefes de Estado, compareceram o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa; de Cabo Verde, José Maria Neves; e da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embalo.
Com alta rejeição entre o eleitorado feminino, Jair Bolsonaro reforçou ontem clichês e estereótipos machistas durante o discurso a apoiadores em Brasília. O chefe do Executivo engrossou coro do público que o chamou de "imbrochável", recomendou aos homens buscar uma "princesa" para casar e comparou a primeira-dama Michelle Bolsonaro à socióloga Rosângela da Silva, a Janja, mulher do ex-presidente Lula.
Além de se dizer "imbrochável", Bolsonaro deu um conselho aos homens. "Eu tenho falado para os homens solteiros, para os solteiros que estão cansados de ser felizes. Procure uma mulher, uma princesa, se case com ela para serem mais felizes ainda", disse o presidente aos apoiadores, antes de beijar a primeira-dama.
Ao elogiar Michelle, o presidente afirmou que a primeira-dama está, muitas vezes, à frente das decisões. "Podemos fazer várias comparações, até entre as primeiras-damas. Não há o que discutir, uma mulher de Deus, família e ativa na minha vida. Não é ao meu lado, não. Muitas vezes, ela está na minha frente", declarou Bolsonaro, sem citar nominalmente a mulher de Lula.
Em um breve discurso em tom religioso, a mulher de Bolsonaro citou "Deus" e afirmou que "o inimigo não vai vencer". "Estamos lutando pelo bem maior que é a nossa família e a nossa liberdade Estamos lutando por princípios e valores que Deus estabeleceu na terra", disse a primeira-dama durante o ato em Brasília.
"Não estamos aqui por poder e muito menos por status. Estamos para cumprir um propósito. Declaramos que esta nação pertence ao Senhor Jesus e é abençoada por Deus, o agro é abençoado por Deus, a família é abençoada e projeto de Deus", declarou Michelle.
Candidato à reeleição, Bolsonaro enfrenta dificuldades para conquistar o voto feminino. Segundo pesquisa Ipec (ex-Ibope) divulgada na segunda-feira passada, 5, o presidente tem 26% das intenções de voto entre as mulheres, ante 45% de Lula. No fim de agosto, Bolsonaro tinha 29%; Lula registrou os mesmos 45%.
Adversárias de Bolsonaro na corrida presidencial, as senadoras Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil) se manifestaram nas redes sociais contra as declarações de ontem do presidente da República.
"O presidente insiste em propagar que é imbrochável - informação que, sinceramente, não interessa ao povo brasileiro", disse Soraya. "Vergonhoso e patético! No dia da Independência do Brasil, o presidente mostra todo seu desprezo pelas mulheres e sua masculinidade tóxica e infantil. Como brasileira e mulher, me sinto envergonhada e desrespeitada", escreveu Simone.
No primeiro debate na TV entre candidatos à Presidência da República, no fim de agosto, Bolsonaro foi alvo dos adversários em razão de ofensas às mulheres. Em um dos momentos, o candidato à reeleição fez ataques pessoais à jornalista Vera Magalhães, uma das entrevistadoras da noite. Ela recebeu a solidariedade de outros candidatos.
Na sequência, Bolsonaro direcionou falas agressivas contra Simone Tebet. "A senhora é uma vergonha no Senado Federal. E não estou atacando mulheres, não. Não venha com essa historinha de se vitimizar", declarou ele na ocasião.
A presidenciável do União Brasil reagiu. "Quando homens são tchutchuca com outros homens, mas vêm para cima da gente sendo tigrão, eu fico extremamente incomodada", afirmou Soraya.
Depois do debate, a pauta feminina ganhou protagonismo nas campanhas e o combate à discriminação feminina se incorporou às temáticas mais relevantes da eleição.
A mistura de ato cívico com campanha eleitoral que marcou as comemorações do bicentenário da Independência do Brasil levou milhares de pessoas ontem às ruas das principais capitais do País - com público mais expressivo em Brasília, São Paulo e Rio - com pautas bolsonaristas sendo agregadas aos desfiles e faixas com mensagens que pediam o fechamento do STF e intervenção militar, que destoaram do tom menos agressivo dos discursos de Bolsonaro.
Na capital federal, 28 tratores se misturaram ao desfile militar, que também teve defesa do agronegócio e o homeschooling - método de ensino domiciliar cristão, importado dos Estados Unidos. Um projeto sobre tema no Brasil teve um texto-base aprovado pela Câmara, mas está parado.
Em São Paulo, apoiadores de Jair Bolsonaro ignoraram o desfile militar que ocorreu esvaziado no bairro do Ipiranga, e lotaram a Avenida Paulista. O ato se estendeu por nove quarteirões, entre a Rua Augusta e a Avenida Brigadeiro Luís Antônio.
As maiores concentrações estavam em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), à sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Fundação Cásper Líbero. Mais de uma dezena de caminhões de som serviram de palanque para candidatos bolsonaristas nas próximas eleições. Um samba ironizando Alexandre de Moraes disputava as caixas de som com o Hino Nacional.
Ausente no ato, o presidente foi representado pelo filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), e pelos ex-ministros Tarcísio de Freitas (Republicanos), candidato ao governo do Estado, e Marcos Pontes (PL-SP), candidato ao Senado.
No Rio, reduto eleitoral de Bolsonaro, embarcações particulares exibindo faixas de apoio ao presidente se misturaram ao desfile da Marinha. Na orla, manifestantes ocuparam cerca de 12 quadras de Copacabana, na zona sul, uma distância aproximada de 1,2 quilômetro. Pelo menos seis caminhões de som participaram do evento.
Nas três capitais que reuniram público mais expressivo, apoiadores do presidente levaram às ruas faixas e cartazes com pedidos para o presidente acionar as Forças Armadas para "destituir" os ministros do STF - o que não está previsto na Constituição brasileira - e pelo voto impresso - pauta derrotada no Congresso no ano passado -, além de ataques a Alexandre de Moraes.
Pelo País, o 7 de Setembro atos pró-Bolsonaro. Em Belo Horizonte, ocuparam Praça da Liberdade, onde está localizado o Palácio da Liberdade, antiga sede do governo estadual, em apoio à reeleição do presidente, num evento de campanha, que contou com a presença de diversos candidatos da base bolsonarista às eleições de outubro.
Um culto em "louvor e clamor pela pátria", encerrou a manifestação em favor do presidente, na Praça 19 de Dezembro, em Curitiba.
Panfletos com material idêntico ao fixado na lateral de um prédio no centro de Porto Alegre, que ligava a esquerda ao narcotráfico e ao Primeiro Comando da Capital (PCC), foram distribuído no Parque Moinhos de Vento. A propaganda foi considerada ilegal pela Justiça Eleitoral e o outdoor foi retirado no mês passado.
Imprensa internacional alerta por uso eleitoral do 7 de Setembro
A imprensa internacional repercutiu o bicentenário da Independência, com destaque para a mudança na forma como as celebrações ocorreram este ano, às vésperas das eleições. Agências de notícias e jornais enfatizaram o viés eleitoral da festa.
A CNN destacou que as comemorações, que deveriam ser apartidárias, foram distorcidas. "Todos os anos, o 7 de Setembro no Brasil é um dia de desfiles coloridos, desfiles militares e orgulho nacional", diz a reportagem. "Mas, enquanto o Brasil se dirige para as eleições presidenciais no próximo mês, o presidente Jair Bolsonaro parece distorcer o feriado nacional para fins partidários."
Na mesma linha, a Reuters publicou uma análise sob o título "Bolsonaro convoca comícios para mostrar força no bicentenário do Brasil". A agência de notícias enfatiza os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro. "Os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral provocaram pedidos de golpe militar de seus apoiadores radicais. Alguns temem que ele esteja preparando as bases para alegar fraude eleitoral, como seu aliado dos EUA."
O britânico The Guardian afirmou que a celebração do bicentenário foi "sequestrada". "A empolgação da direita com as comemorações de Bolsonaro contrasta com o medo e a raiva dos progressistas de que a celebração tenha sido sequestrada", diz o jornal.
Torcida do Flamengo xinga Bolsonaro em chegada ao Maracanã lotado
Entre gritos tímidos de "mito", vindos de alguns camarotes, e xingamentos pesados, da maioria do público que está nas arquibancadas do Maracanã, o presidente Jair Bolsonaro chegou ao principal estádio do Rio pouco depois das 21h para assistir à partida entre Flamengo e Velez Sarsfield, válida pela semifinal da Libertadores.
A maior parte do público que lota o Maracanã recepcionou o presidente aos gritos de "Ei, Bolsonaro, vai tomar (...)". O presidente se posicionou em um dos camarotes ao lado do governador do Rio, Cláudio Castro. Os dois concorrem à reeleição em seus cargos pelo PL.
O ministro das Comunicações, Fabio Faria, e da Justiça, Anderson Torres, também estão no camarote.