Candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL) apostou boa parte das fichas no 7 de Setembro. Por cidades diversas do país, aliados instalaram outdoors com a convocação para os atos com a mensagem "agora ou nunca". O próprio presidente encarava o dia como uma espécie de hora da virada.
Dois dias depois, nova rodada do Datafolha mostrou quadro semelhante ao anterior. Líder nas pesquisas, Lula (PT) aparece com 45% das intenções de voto, ante 34% do atual mandatário. O petista detém 48% dos válidos e ainda pode levar a fatura no primeiro turno.
Em relação à sondagem anterior, Bolsonaro oscilou dois pontos percentuais, o equivalente à margem de erro, que é de dois para mais ou para menos. Foi de 32% para 34%.
O levantamento foi o primeiro a captar o humor do eleitor depois dos comícios do feriado. A se crer na tendência, o ganho para Bolsonaro foi insuficiente para impulsionar sua campanha, que já tentou outras cartadas.
Antes disso, o chefe do Executivo havia investido no Auxílio Brasil de R$ 600 e na liberação de R$ 42 bilhões a dois meses das eleições, via Congresso. O bolo, apelidado de "bolsa-reeleição", garantiu auxílio-caminhoneiro e taxista.
Mas essas jogadas, até aqui, têm sido incapazes de encurtar a distância que o separa de Lula, que já foi maior - eram mais de 20 pontos em maio -, mas continua significativa a três semanas das eleições.
Dos 13 pontos registrados no levantamento passado do Datafolha, a diferença caiu para 11. A tendência é de estreitamento da vantagem do petista, embora num ritmo devagar.
Além disso, Bolsonaro trabalha contra o tempo. Considerando o prazo curto, o que o candidato à reeleição ainda pode fazer? Há cartas na manga ou o arsenal se esgotou?
Até o dia 2 de outubro, data do primeiro turno, dificilmente uma "bala de prata" pode se apresentar como oportunidade para que o chefe do Planalto melhore o desempenho. Dono da caneta, o capitão reformado já tentou de tudo, incluindo-se liberação de recursos na véspera do feriado para irrigar a base no legislativo.
Nada, porém, vem surtindo efeito na proporção e com a velocidade esperadas pelo entorno do postulante. Pelo contrário, a rejeição ao presidente segue em patamar alto - 51%, conforme o Datafolha -, e mesmo a movimentação na intenção de votos pode ter relação com a migração de eleitores de Ciro Gomes (PDT), cujo patamar se reduziu também em dois pontos, passando de 9% para 7%.
Para especialistas ouvidos pelo O POVO, contudo, Bolsonaro dispõe de instrumentos de luta na corrida eleitoral.
"Bolsonaro é o presidente que está sentado na cadeira, tem uma série de recursos. Não existe qualquer tipo de responsabilidade fiscal por parte do governo, a lei do teto dos gastos caiu. Então a gente pode, sim, ter outros instrumentos, como redução de tarifas, alíquotas, programas", afirmou o cientista político Cleyton Monte.
De acordo com ele, já houve um fato após o qual os limites para medidas de caráter eleitoreiro por parte do governo se afrouxaram. "Um precedente muito grave ocorreu: a aprovação de medidas como Auxílio Brasil a meses da eleição é ilegal, mas passou", disse.
Ainda segundo Monte, "há espaços para outras barganhas" com as quais Bolsonaro pode tentar compensar o insuficiente volume de intenção de voto, apesar da distribuição de verba pública nas vésperas do pleito.
O pesquisador pondera, no entanto, que "são poucas semanas (até a eleição), e uma medida econômica leva tempo pra amadurecer".
"As tentativas anteriores não atingiram o esperado", apontou, "alguns aliados até acreditavam que o presidente estaria em empate ou até passaria o Lula agora em final de agosto. E as últimas pesquisas mostram que ele estagnou".
Para Gabriella Bezerra, cientista política e professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Bolsonaro deveria estar voltado para a ampliação de sua base, procurando um eleitorado que já votou nele, mas hoje resiste a lhe entregar o voto.
"Pelo que indicam as pesquisas e pelo que acreditavam os gestores da campanha", explicou, "o que ele precisava fazer era conquistar o eleitor de direita cansado dessas performances mais radicais e as mulheres".
O presidente, avaliou Bezerra, não parece estar interessado em "abandonar suas pautas de extrema-direita" e "hoje não há indícios de mudança".
Christian Dunker: "Obsessão com imbrochável é sinal ostensivo de masculinidade frágil"
A fixação de Jair Bolsonaro (PL) com o "imbrochável" cumpre papel importante na agenda de reeleição do presidente, sugere o psicanalista e professor da USP Christian Dunker.
Em conversa com O POVO, o pesquisador afirma que "essa obsessão com o imbrochável é sinal ostensivo e claro de uma masculinidade frágil".
"Aquele que precisa ficar gritando e exibindo seus músculos é porque está com temores de fracasso na cama. Aquele que precisa ofender os outros para se dizer mais macho está se sentindo menos macho", aponta Dunker.
Para ele, o "imbrochável é quase uma paródia involuntária do covarde que, por sentir que sua masculinidade está afetada e está perdendo o lugar, está anacrônico, envelhecendo e não é mais o que era, recorre a carros, a armas, a tanques, a canhões, suplementos imaginários para dizer 'eu continuo ereto o tempo todo, eu sou um príapo, eu sofro com uma ereção permanente'".
Como isso se relaciona com a pauta conservadora? Conforme o psicanalista, a plena potência física e sexual é um aceno a um porvir no qual o homem exerceria sua força física sem medidas.
"Isso funcionaria como uma bravata e uma pirotecnia para dizer 'olha, vem aqui porque nós vamos voltar aos bons tempos', em que a masculinidade estava hierarquicamente superior, e simplesmente pelo fato de a pessoa ser homem tinha alguma vantagem de saída", considera.
Nesse sentido, o coro do "imbrochável" levantado pelo presidente durante o 7 de Setembro atende a uma fatia expressiva do seu eleitorado cuja expectativa é a de restituição de uma ordem perdida.
"A pauta conservadora vai olhar para esse tipo de líder", explica Dunker, "e vai pensar que ele vai devolver pra nós a segurança que a gente perdeu, ele vai devolver o pai no seu lugar, a mulher no seu lugar, o filho obediente, ele vai mostrar tudo isso, porque tem a potência fálica, a potência de exercer a violência, só que desta vez o chicote vai estar do nosso lado".
O fato de que Bolsonaro tenha feito essa declaração no Bicentenário da Independência também se explicaria por causa da corrida eleitoral na qual ele aparece em desvantagem em relação ao ex-presidente Lula (PT).
"Isso tem que ver com a recuperação das origens do Brasil, do centenário, dos mitos fundadores. Por que isso é tão importante, essa alegoria? Porque está apontando pra transmissão natural e orgânica do poder fundador. Quem é o fundador? É o pai mítico, o pai originário, o pai que tinha todos os poderes, a constituição, o rei absolutista, o imperador", conclui. (Henrique Araújo)
"Ainda tem quase um mês de eleição"
Professor e cientista político, Emanuel Freitas (Uece) calcula que Jair Bolsonaro (PL) ainda tem um trunfo em mãos: a imprevisibilidade.
"Em se tratando de Bolsonaro, nunca se pode falar que foi a última cartada dele", diz o pesquisador, para quem o 7 de Setembro não cumpriu expectativa anunciada pelo presidente de enquadrar as instituições.
Nessas três semanas que restam até a disputa nas urnas, porém, o mandatário pode tentar forçar os limites, investindo agora num discurso ainda mais radicalizado a fim de se consolidar.
Nesse sentido, Bolsonaro seguiria o caminho inverso ao que estrategistas têm recomendado, ou seja, não procuraria ampliar o eleitorado e moderar suas falas, mas apostar no acirramento contra Lula, de maneira a ganhar votos dos eleitores de Ciro Gomes (PDT) e de Simone Tebet (MDB).
Pela rodada mais recente do Datafolha, Bolsonaro foi de 32% a 34% das intenções de voto, contra 45% de Lula. Ciro caiu de 9% para 7%, enquanto Tebet continuou com 5%.
"Dele sempre se espera o questionamento, o discurso da ruptura. E ainda tem quase um mês da eleição para muita fake news, ameaça, discurso incitando práticas violentas", ressaltou Freitas.
Docente na Universidade Federal do Piauí (UFPI), o cientista político Vitor Sandes avaliou que o 7 de Setembro serviu "para mobilizar a base politicamente, mas Bolsonaro cometeu erro estratégico de tentar expandir pra além da bolha bolsonarista".
"É um movimento pensando em levar para o segundo turno na expectativa de que Lula não terá quantidade de votos suficiente. Precisa tentar impedir avanço do eleitorado que busca outras alternativas", apontou.
Sobre cartadas do presidente depois do feriado pátrio, Sandes considerou que essa estratégia para conquistar eleitorado de Ciro e Tebet pode se consolidar nos próximos dias.
Afinal, conforme o Datafolha, uma fração dos votos declarados nos dois candidatos admite ainda migrar para outro concorrente. É nesse público que Bolsonaro está de olho. Por outro lado, Lula também pode se beneficiar desse encolhimento dos adversários. (Henrique Araújo)