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Religião e política: Por que cresceu a importância política da fé
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Religião e política: Por que cresceu a importância política da fé

| ESTRATÉGIAS | Para estudiosos, o elemento religioso na definição do voto hoje disputa espaço na pauta com outros temas, como a fome e o desemprego
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Lula (de terno cinza, de costas no centro) em oração durante ato de campanha com evangélicos em São Gonçalo, Rio de Janeiro
 (Foto: ANDRE BORGES / AFP)
Foto: ANDRE BORGES / AFP Lula (de terno cinza, de costas no centro) em oração durante ato de campanha com evangélicos em São Gonçalo, Rio de Janeiro

Quatro anos atrás, o então candidato Jair Bolsonaro, à época no PSL, ensaiava um casamento arranjado com o segmento evangélico. Dessa união resultou uma parte do sucesso nas urnas. O agora presidente fez afagos constantes ao setor, que se tornou vital para a tentativa de recondução.

Bolsonaro lidera as intenções de voto entre evangélicos, com 50% da preferência, à frente do ex-presidente Lula (PT), que detém 32% - as posições se invertem entre católicos, com vantagem para o petista.

Mas qual o peso real desse elemento religioso na disputa pela Presidência da República em 2022? Há diferenças entre as eleições que vão ser disputadas daqui a uma semana e as de 2018, quando o discurso anticorrupção predominava na agenda pública?

Para o professor e pesquisador do assunto Emanuel Freitas, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), existe uma mudança sutil no modo como a briga pelo voto religioso tem se apresentado neste ano.

Num quadro de crescimento demográfico dos evangélicos, hoje correspondentes a 27% do eleitorado, conforme o Datafolha mais recente, Bolsonaro aparece como nome mais organicamente ligado a essa parcela dos cristãos.

"Em 2018 Bolsonaro se apresentava como um candidato que encampava pautas consideradas de políticos religiosos, como ideologia de gênero, aborto, descriminalização das drogas e defesa da família, aquilo que cabe no guarda-chuva dos valores cristãos. Só no decorrer da campanha que algumas denominações, como a Universal, abraçaram a sua candidatura", indica Freitas.

Perto de encerrar o governo, porém, o chefe do Executivo consolidou simpatias no segmento. Escolheu figuras desse meio para comandar ministérios (Damares Alves, por exemplo), visitou templos, estreitou as relações com pastores de grandes denominações e, ao cabo de três anos, escolheu um magistrado "terrivelmente evangélico" para o Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro André Mendonça.

Se quatro anos atrás a base evangélica foi estratégica para a vitória bolsonarista contra Fernando Haddad (PT), agora ela é vital. Daí que o presidente reforce sempre que pode a agenda de costumes, com pautas conservadoras da espinha-dorsal da crença religiosa.

Na abertura da 77ª assembleia-geral da ONU, por exemplo, o presidente fez menção a pontos dessa retórica, repertoriando questões como a ideologia de gênero e o aborto, além de se manifestar sobre uma fictícia ameaça comunista.

"Em 2022", continua Freitas, "nós temos um candidato à reeleição que dá mostras para esse segmento de que encampou essas pautas. A seu modo, Bolsonaro diz que defendeu a família, colocando uma pessoa religiosa em ministério, colocou pastores no MEC, ampliou a imunidade tributária das igrejas, o perdão das dívidas e a constante presença em templos".

Ainda conforme o professor, Bolsonaro não fez um discurso em 2018 e o retomou agora na véspera da eleição, mas operou basicamente para atender esse ponto da sua pauta e a esse público no curso do mandato.

"Durante a pandemia, ele se opôs ao fechamento de templos, propôs as igrejas como serviço essencial, reabriu esses espaços. Esteve o tempo acenando para esse segmento como alguém que incorporava essa pauta", frisa.

O discurso religioso é, portanto, articulado de maneira "mais à vontade e que soa mais natural porque esteve de mãos dadas com importantes líderes nesse tempo todo".

Mas, tal como em 2018, o voto religioso é crucial neste momento? O apoio dos evangélicos vai decidir a eleição de 2022?

Para Rodrigo Prando, doutor em ciência política e professor da Faculdade Mackenzie (SP), embora tenha avançado no segmento, Bolsonaro é hoje mais dependente da sustentação evangélica do que antes.

Rejeitado entre mais jovens, mais pobres e entre mulheres e em desvantagem entre católicos, o presidente tem reagido no sentido de se fechar mais a outros campos do eleitorado brasileiro. Nos últimos quatro anos, o candidato à reeleição não ampliou sua base. Ele seguiu "falando para os seus".

"De fato, em 2018", explica Prando, "houve papel preponderante da religião. Bolsonaro foi eleito colocando duas perspectivas de governo: liberalismo e pauta de costumes. Ao longo do mandato, ele sempre fez questão da presença e participação nos cultos e do protagonismo que ganhou Michelle Bolsonaro. Agora, não entendo que haja significativa mudança pra Bolsonaro".

De acordo com o docente, o presidente luta para se firmar nessa seara porque "não pode se dar ao luxo de ter maior rejeição nos segmentos nos quais ele tem apoio", mas "não dá para dizer que isso vai ser a variável mais importante na definição".

Contrariamente à campanha passada, neste ano outras variáveis se impõem no debate político-eleitoral, sobrepondo-se ao elemento religioso. Duas delas são a fome e o desemprego, problemas para os quais o presidente, conforme Prando, não conseguiu oferecer uma resposta à altura.

Bolsonaro na Marcha para Jesus, na Praia de Iracema, em julho em Fortaleza(Foto: FABIO LIMA)
Foto: FABIO LIMA Bolsonaro na Marcha para Jesus, na Praia de Iracema, em julho em Fortaleza

Religião é mais presente na disputa por vaga no Legislativo

Embora a eleição presidencial de 2022 esteja sendo marcada pela retórica de Jair Bolsonaro (PL) dirigida ao segmento evangélico e por uma contraofensiva de Lula (PT) para avançar nesse setor, é nas disputas por vaga no Legislativo que esse elemento se sobressai.

Segundo Emanuel Freitas, professor e pesquisador da Uece, “talvez a grande presença eleitoral da religião esteja sendo” na campanha de deputado estadual e federal e para senador.

“Se a gente assistir a um dia de campanha na TV, vai ver a quantidade expressiva de candidatos que prometem defender os valores da igreja e da religião. É um peso muito grande de candidatos, e isso é preocupante. Porque vamos ter legisladores que vão achar que o seu papel é defender os interesses de uma igreja”, critica o docente.

Ainda conforme Freitas, o debate de cunho mais religioso ainda não se manifestou de maneira forte na disputa pelo Governo do Estado, mas esse quadro deve mudar caso haja 2º turno.

“Tanto Elmano Freitas (PT) quanto Roberto Cláudio (PDT) têm fatos a serem explorados por evangélicos, acusando-os como ‘inimigos da fé cristã’”, indica.

Entre esses episódios que podem criar algum desgaste, está “a lei da intolerância religiosa, que teve debate intenso na Assembleia Legislativa e o projeto foi retirado de pauta”, mas também “o estigma de que o PDT fechou igreja durante a pandemia”.

O tema, portanto, deve ser mobilizado por Capitão Wagner (União Brasil) num eventual 2º turno contra um dos dois adversários, já que, dos nomes mais competitivos que concorrem ao Governo, o do deputado federal é aquele que tem maior simpatia do eleitorado evangélico cearense. (Henrique Araújo)

O que as pesquisas mostram sobre disputa por voto evangélico

Ipec e Datafolha têm coincidido nas preferências do eleitorado evangélico na corrida pelo Planalto.
Conforme o Ipec, Jair Bolsonaro (PL) tem 48% das intenções de voto nesse segmento, enquanto Lula (PT) aparece com 32%.

No Datafolha, o presidente surge com 50% ante 32% do ex-mandatário petista.

Nos dois cenários aferidos, Lula tem melhorado desempenho entre essa faixa dos entrevistados pelos institutos de pesquisa.

Os resultados refletem uma mudança de estratégia na campanha do ex-presidente, que vem tentando se aproximar desse público a fim de reduzir a vantagem de Bolsonaro e vencer ainda no primeiro turno.

Para tanto, Lula tem escalado a ex-ministra Marina Silva e o candidato a vice Geraldo Alckmin para estabelecer diálogo com o setor.

Marina, que havia rompido com o PT desde 2014, reatou a relação e declarou voto em Lula duas semanas atrás. O movimento foi visto como importante para abrir canais de diálogo com um eleitorado não alinhado com o petista.

Da mesma forma, Alckmin pode melhorar a entrada de Lula entre evangélicos. Um dos principais trunfos da campanha de Lula para isso é o discurso beligerante de Bolsonaro.

A intenção é explorar, nos últimos dias de campanha, declarações de ódio e de violência do presidente, como a defesa aberta de armamento e de adoção da tortura contra adversários, mostrando que a retórica presidencial não é pautada pelos valores cristãos. (Henrique Araújo)

Disputa pelo voto cristão racha igrejas evangélicas; jovens fiéis contestam pressão por Bolsonaro

A disputa pelo voto cristão, protagonizada pelo presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição pelo PL, e por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), está rachando igrejas evangélicas no Brasil. Enquanto as cúpulas das denominações abraçam o bolsonarismo e tentam influenciar o voto dos fiéis, evangélicos jovens e de baixa renda rompem com grandes congregações e declaram apoio ao petista.

Jovens, mulheres e eleitores de periferia, onde Lula se sai melhor, lideram a mudança. Há ainda casos de pessoas que, cansadas do tom político de alguns eventos, se afastam dos cultos.

Vinicius do Valle, doutor em Ciência Política pela USP e diretor do Observatório Evangélico, explica que as igrejas evangélicas passam por um “efeito bumerangue” nesta campanha. Ele confirma que o amplo apoio a Bolsonaro por pastores e a politização dos cultos têm afastado fiéis divergentes.

“Muitos deixaram de ir aos cultos, e tivemos uma reação dos fiéis demonstrando desconforto com a discussão eleitoral nos templos. O evangélico quer ver seus valores na política, mas não concorda com a campanha eleitoral nas igrejas”, diz.

Enquanto a diferença nas pesquisas eleitorais entre os dois mais bem colocados na disputa presidencial cai no segmento, coordenadores das campanhas intensificam as agendas com líderes e eleitores evangélicos. Nas últimas semanas, Lula encontrou-se com religiosos, na Região Metropolitana do Rio. Bolsonaro participou de um culto do pastor Silas Malafaia, um de seus apoiadores, na capital fluminense. (Agência Estado)

PT foca evangélicos

Os evangélicos representam 31% da população (cerca de 65 milhões de pessoas), segundo pesquisa Datafolha divulgada em 2020. De acordo com o Censo Brasileiro, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), 60% (25,3 milhões) dos evangélicos eram pentecostais.

Para Vinicius do Valle, o crescimento de Lula no segmento também é resultado dos fiéis que se afastam das grandes igrejas. Com isso, segundo ele, há crescimento de pequenas igrejas, onde o petismo tem investido.

Pesquisas mostram que a diferença entre o petista e Bolsonaro tem recuado, embora permaneça grande. A última rodada da pesquisa Ipec, de 19 de setembro, mostra Bolsonaro em um cenário de estabilidade, com 48% das intenções de voto entre evangélicos. Já Lula cresceu 6 pontos em três semanas e agora aparece com 32%.

"Vemos um crescimento de pequenas congregações por causa do aumento dos 'desigrejados'", diz. "As pessoas não concordam com o rumo das grandes igrejas e procuram os pequenos templos nos bairros, os pastores conhecidos da comunidade, e Lula conseguiu uma adesão dessas congregações porque busca falar aos mais pobres", explica.

O pastor batista Ariovaldo Ramos, coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito e um dos interlocutores de Lula com os religiosos, diz que o foco da campanha petista nesta reta final será aumentar a influência entre os fiéis.

"Lula e sua campanha não querem cometer o erro de ferir o Estado laico. O objetivo é falar com todos. O presidente tem apoio aguerrido entre todos os segmentos, inclusive entre os evangélicos. Muitos são organizados e estão trabalhando para aumentar a influência e conscientizar o povo evangélico da vitória de Lula", diz. (Agência Estado)

Malafaia nega que haja politização da religião

O pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, rebate as acusações de que pastores estão impondo candidatos aos fiéis evangélicos. Para ele, não existe politização dos púlpitos.

“Eles não representam nada. Naturalmente há um apoio a Bolsonaro nas igrejas evangélicas. Não há intolerância. Lula é contra os valores do povo cristão. Apoia aborto, ideologia de gênero e é contra a família. Na minha igreja, eu dou consciência política sem citar nomes. Eles vão reclamar. O choro é livre. Isso é conversa da esquerda que não suporta o contraditório”, diz. (Agência Estado)

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