A Polícia Federal indiciou ontem o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) por quatro tentativas de homicídio após ele disparar tiros de fuzil e jogar granadas contra agentes que cumpriam mandado de prisão preventiva em sua casa, em Levy Gasparian, no interior do Rio.
Na semana decisiva do segundo turno, a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) levou o episódio para o horário eleitoral. O presidente Jair Bolsonaro (PL), por sua vez, manteve o esforço para tentar se descolar do ex-aliado e minimizar os danos.
A campanha petista usa o episódio para tentar estancar a tendência de crescimento de Bolsonaro nas pesquisas de intenção de votos, identificada nos últimos levantamentos. A ideia é manter o ataque a Bolsonaro, que na semana passada já teve o desgaste de ter de se explicar sobre sua declaração de que "pintou um clima" com adolescentes venezuelanas.
O PT tratou de colar no candidato à reeleição a imagem do ex-deputado e outros episódios do que chamou de "violência bolsonarista". Em vídeo exibido ontem no horário eleitoral, repleto de fotos de Jefferson e Bolsonaro juntos, o locutor da propaganda petista diz: "Roberto Jefferson, um dos principais aliados de Bolsonaro e condenado por corrupção, atirou na Polícia Federal".
Também foram divulgadas informações de que Jefferson empregou o filho do presidente, e hoje deputado federal, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), quando ele tinha 18 anos, na liderança do PTB.
A estratégia foi reverberada pelo deputado André Janones (Avante-MG), que tem forte atuação nas redes. Ele postou mensagens na qual afirma que Jefferson é coordenador de campanha de Bolsonaro. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, no entanto, determinou ontem a remoção das redes sociais de sete publicações realizadas por Janones.
Segundo Moraes, as postagens "se descolam da realidade, por meio de inverdades e suposições, fazendo uso de recortes e encadeamentos inexistentes, com o intuito de induzir o eleitorado negativamente, a crer que Roberto Jefferson seria o coordenador de campanha de Jair Messias Bolsonaro e que o candidato teria manifestado apoio aos atos criminosos cometidos " Em mensagem no Twitter, Janones disse que ia cumprir a decisão
Lula falou sobre o assunto em ao menos três oportunidade entre a noite de domingo e a tarde dessa segunda-feira. Durante entrevista coletiva, ontem, em São Paulo, o petista afirmou que Jefferson e Bolsonaro são aliados "de todas as horas" e disse que o episódio é "uma fotografia" do que acontece no governo. "É resultado de tudo que é plantado", disse.
O petista voltou a chamar Bolsonaro de "mentiroso" por tentar se desvencilhar do ex-parlamentar. Apesar de o episódio já estar nas suas peças publicitárias, o petista disse que não irá colocar o ataque no centro da sua campanha. "Roberto Jefferson é coisa passageira. A economia é o centro do nosso debate".
Desde domingo, a campanha de Bolsonaro vem tentando desvencilhar a imagem de Jefferson à de Bolsonaro. "O que eu tenho a ver com o Roberto Jefferson atirar nos outros?", disse ontem o candidato à reeleição, em entrevista ao portal Metrópoles.
Jefferson é CAC (Colecionador, Atirador e Caçador), categoria apoiada na gestão Bolsonaro. Para o presidente, Jefferson perdeu a razão. "Ele queria que eu fizesse coisas que eu não queria fazer. Ele queria que eu fechasse o Supremo e o Senado", disse.
Justiça decide manter preso ex-deputado Roberto Jefferson
A Justiça decidiu manter preso o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB), durante a audiência de custódia realizada por videoconferência na tarde de ontem, no Rio de Janeiro, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio (Seap).
Desde a noite de domingo, 23, Jefferson está detido no presídio José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte do Rio. Segundo a pasta, em momento ainda indefinido, ele será transferido para o presídio Pedrolino Werling de Oliveira, conhecido como Bangu 8, no Complexo de Gericinó, em Bangu (zona oeste).
A audiência de custódia foi presidida pelo desembargador Airton Vieira, que é juiz instrutor do gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Até a publicação desta reportagem, o STF não havia se manifestado sobre a audiência de custódia.
A reportagem procurou a defesa de Jefferson para que se pronuncie sobre a audiência de custódia, sem sucesso até a publicação deste texto.
Por volta das 11 horas do domingo, Jefferson atirou e lançou granadas contra quatro policiais federais que foram à sua casa, em Levy Gasparian, município do sul fluminense, para cumprir uma ordem de prisão contra ele.
Protegido dentro de casa, ele se recusava a ser preso - só se entregou por volta das 19 horas, após horas de negociação com a Polícia Federal. Foi então conduzido para a sede da PF no Rio, e depois para o Instituto Médico-Legal e para o presídio de Benfica.
Jefferson diz à PF que deu 50 tiros de fuzil mas 'não atirou para machucar'
Em depoimento prestado à Polícia Federal após ser preso em flagrante por tentativa de homicídio, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) afirmou que deu cerca de 50 tiros de fuzil em uma viatura da PF e jogou três granadas contra a equipe que foi até sua casa em diligência na manhã de domingo, 23 - ‘uma atrás da viatura quando os policiais saíram e uma dentro de casa para assustar o policial que estava dentro da residência’.
O ex-presidente do PTB alegou que os dispositivos eram de efeito moral. Além disso, sustentou que ‘não atirou para machucar’. "Se quisesse, matava os policiais, pois estava em posição superior e com fuzil de mira", disse.
Apesar das alegações de Roberto Jefferson, a avaliação da Polícia Federal é a de que Roberto ‘minimamente aceitou o risco’ de matar policiais federais ao disparar mais de 50 vezes e lançar as três granadas contra a equipe que foi até Levy Gasparian, no interior do Rio, para cumprir mandado de prisão expedido pelo ministro Alexandre de Moraes.
A PF chega a citar ‘motivação torpe’ de Jefferson, em razão de o político ter externado que o ‘motivo da reação foi a discordância em relação ao mérito da decisão judicial’. O ex-deputado acabou sendo indiciado por quatro tentativas de homicídio, ligadas aos quatro integrantes da equipe da PF que tentaram capturá-lo.
No depoimento à PF, Jefferson narra que neste domingo, 23, estava falando no telefone sentado no quarto quando olhou pela televisão na câmera do portão quatro pessoas. Disse ainda que ‘viu a equipe da Polícia Federal de pistola e sem colete’ e afirmou que a PF ‘nestas condições não teria a menor condição de retirar o interrogado da residência’. Em seguida, pegou uma granada e disse que não iria se render. Em depoimento, Jefferson narrou ainda que falou aos policiais: "corre que eu vou jogar em vocês".
Sobre a origem das granadas, Jefferson disse que ‘sempre’ as teve, tendo comprado os dispositivos ‘no mercado’ há cerca de cinco anos. O ex-deputado disse que ‘precisava de autorização, mas não tinha’, sustentando que ‘sempre esteve ameaçado’.
Além disso, afirmou que tinha ‘muita’ munição dos calibres .45, .38, 5x56m, 9mm, .12 e 357mag. Como mostrou a reportagem, a Polícia Federal apreendeu caixas de balas de grosso calibre na caso do ex-deputado. Também foi confiscado o fuzil que ele usou para atirar nos policiais.
Jefferson ainda legou possuir de 20 a 25 armas, que ficariam em Brasília, no cofre de um hotel do qual era mensalista. Na residência vasculhada pela PF em Levy Gasparian, o ex-deputado mantinha o fuzil e uma pistola 9mm. Jefferson ainda disse à Polícia Federal que efetua em média 500 tiros por semana.
Roberto Jefferson teve pelo menos 10 reuniões com governo Bolsonaro
Nos últimos dois anos, o ex-deputado Roberto Jefferson participou de pelo menos dez reuniões com a cúpula do governo Jair Bolsonaro (PL). Levantamento feito pela reportagem com base em agendas oficiais do governo mostra que o presidente de honra do PTB que, no último domingo, 23, lançou granadas e disparou tiros de fuzil contra agentes da Polícia Federal, esteve com o presidente e ministros para tratar de temas variados.
Após o ataque de Jefferson a policiais federais e a prisão do ex-deputado, Bolsonaro tem buscado se desvincular do petebista, a quem passou a chamar de "bandido".
Entre 2020 e 2021, Jefferson foi recebido na Presidência da República e nos ministérios da Justiça; da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; e da Agricultura, além do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Em julho de 2020 e agosto de 2021, quando seria preso por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, por atuação em organização criminosa digital para atentar contra a democracia, Jefferson teve duas agendas com a Presidência da República.
Em maio, participou também de reunião com o vice-presidente Hamilton Mourão, acompanhado do pastor Joel Bitencourt Serra, que é coordenador do Movimento Cristão Evangélico no PTB.
Em abril de 2021, o Ministério da Justiça abriu agenda para receber Jefferson, em reunião que teve a participação do reverendo José Góes, capelão da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo.
As articulações de Jefferson e sua influência sobre diversos assuntos alcançaram também a pasta da Agricultura. A então ministra Tereza Cristina teve encontro com o ex-deputado em fevereiro do ano passado, para falar sobre "ações de desenvolvimento para a Cooperativa Mista dos Produtores Rurais na Agricultura Familiar da Paraíba".
Ainda na Agricultura, o ex-deputado encontrou espaço para discutir, em maio de 2021, um "termo de cooperação técnica no banco de dados do Ministério da Agricultura".
A reportagem questionou a pasta sobre as razões de Jefferson participar dessa discussão. Não houve resposta até a publicação desta matéria. Em junho do ano passado, ele esteve em agenda da Secretaria de Pesca, que é vinculada ao Ministério da Agricultura, para tratar de assuntos de seu interesse.
O ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, então comandado por Damares Alves, também abriu as portas para Jefferson. Foram duas reuniões, em março e maio do ano passado, na Secretaria Nacional da Família.
As questões estratégicas de segurança da própria Presidência também estiveram no radar do ex-deputado. Em abril de 2021, Jefferson teve agenda com o general Augusto Heleno, ministro-chefe do GSI da Presidência.
A reportagem questionou cada um dos ministérios mencionados sobre o objetivo de cada um dos encontros realizados. A pasta da Mulher declarou que, no dia 22 de março de 2021, houve contato telefônico entre a secretária Angela Gandra e Roberto Jefferson "a fim de alinhar agendas para a reunião presencial que ocorreu no dia 27/5/2021".
Segundo o ministério, neste encontro, "houve apresentação dos programas da Secretaria Nacional da Família, uma vez que o então dirigente havia manifestado interesse na temática sobre o fortalecimento de vínculos familiares".
Não houve posicionamento dos demais ministérios até a publicação deste texto.