Logo O POVO+
Que Brasil vai às urnas?
Politica

Que Brasil vai às urnas?

| Campanha | Brasileiros vão às urnas para escolher presidente em meio a uma campanha que vai deixar marcas mesmo depois de fechadas as urnas e anunciado o resultado
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Toalhas com as imagens do presidente brasileiro e candidato à reeleição Jair Bolsonaro e ex-presidente (2003-2010) e candidato presidencial Luiz Inácio Lula da Silva são enforcados à venda em uma barraca de rua em Belo Horizonte, Brasil, em 25 de outubro de 2022 (Foto: DOUGLAS MAGNO / AFP)
Foto: DOUGLAS MAGNO / AFP Toalhas com as imagens do presidente brasileiro e candidato à reeleição Jair Bolsonaro e ex-presidente (2003-2010) e candidato presidencial Luiz Inácio Lula da Silva são enforcados à venda em uma barraca de rua em Belo Horizonte, Brasil, em 25 de outubro de 2022

O país que chega às urnas neste domingo, 30, atravessou uma campanha política atípica, na qual o próprio sistema eleitoral esteve permanentemente sob ataque de um dos candidatos até a véspera da votação, com ofensivas contra as instituições e os atores que as integram.

E, no entanto, milhões de brasileiros e brasileiras devem escolher um presidente mediante voto secreto, seguro e depositado eletronicamente, como tem sido já há mais de três décadas. Não apenas a urna é confiável. É um orgulho de quem se considere democrata.

Neste ano, concorrem Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ex-presidente por dois mandatos e agora novamente candidato, e Jair Bolsonaro (PL), atual chefe do Executivo que pleiteia recondução ao cargo depois de uma gestão reprovada por mais da metade do eleitorado.

Para analistas ouvidos pelo O POVO, há uma verdade autoevidente na reta final desse embate: quem quer que vença a disputa, seja Lula ou Bolsonaro, terá pela frente uma oposição expressiva numericamente e articulada no Legislativo e nas ruas, que agora incluem também as redes.

Se Lula se sagrar presidente, enfrentará cenário inédito mesmo para quem já exerceu o poder por oito anos e fez uma sucessora: um Congresso de maioria conservadora, que lhe trará dificuldade desde a primeira hora de governança.

Caso Bolsonaro se eleja, terá sido a despeito da rejeição de uma parcela substantiva do povo para o qual ele governa e cuja confiança ele precisará reconquistar. Afinal, segundo o Datafolha, a maioria do eleitorado não dá crédito ao que o seu mandatário fala ou promete.

Economicamente, o quadro atual não é menos grave. O pacote de ações eleitoreiras lançado por Bolsonaro a poucos meses da campanha, por exemplo, é uma bomba fiscal prestes a explodir.

Politicamente, o ambiente de cisão que hoje se verifica em qualquer cidade tende a se prolongar ainda por algum tempo, asseguram especialistas. Nesse sentido, a atual divisão de forças veio para ficar. O bolsonarismo é uma realidade, mesmo com derrota eventual de Bolsonaro.

Em uma série de artigos escritos a convite do jornal, estudiosos refletem sobre o que entendem como os aspectos mais importantes de uma queda de braço violenta, simbólica e fisicamente. A eleição de 2022 não resultou apenas em arengas e discussões inflamadas em grupos de famílias. Ela produziu mortos.

Diante disso, é possível alguma pacificação no período que se segue ao pleito? Ou as feridas abertas no processo vão demorar para sarar?

Por ora, ninguém arrisca uma resposta segura.

Um país dividido

Ricardo Musse, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP

Ricardo Musse, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP  (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Ricardo Musse, professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP

A polarização do país é inegável. O segundo turno delineou com muita ênfase a contraposição entre as duas propostas de governo. Não se trata apenas de divergências no modo de administrar, são dois projetos de país inteiramente distintos e até mesmo antagônicos.

A principal consequência disso é que, seja quem for o vencedor da eleição presidencial, o governante irá se deparar com uma oposição aguerrida e hostil. A tendência é a permanência do clima de embate eleitoral: nas redes sociais e nas ruas, nas TVs e nos jornais, na Câmara e no Senado, nos tribunais de primeira e última instância, nas políticas dos governadores, nas tropas policiais e militares.

Como fator atenuante, cabe lembrar que o tamanho da força oposicionista será menor que a quase metade dos eleitores que não votaram no candidato vitorioso.

Os resultados do primeiro turno deixaram patente que o desempenho surpreendente do Partido Liberal foi ampliado pela adesão em massa de segmentos nutridos de antipetismo. O bolsonarismo, tudo indica, fincou raízes em uma parcela da população que não ultrapassa um terço dos brasileiros.

Do outro lado, Lula, desde a escolha de Geraldo Alckmin como vice, agregou eleitores de centro e, no segundo turno, recebeu apoios até mesmo de expoentes da centro-direita como João Amoêdo.

Durante seu mandato, Jair Bolsonaro não mostrou serenidade para lidar com os movimentos da oposição. Contou com a sorte e o paradoxo de que, durante a pandemia, quando a rejeição ao presidente esteve mais acentuada, as pessoas evitaram aglomerações, esvaziando os atos de rua. Em um pouco provável segundo mandato sua reação seria intensificar o caráter autoritário do seu governo.

Em seus dois mandatos, Lula não se deparou com forças com a dimensão do bolsonarismo. É verdade que não encontrou tratamento ameno no parlamento, na imprensa e no Judiciário. A situação, porém, piorou depois de 2012. Sua sucessora não soube confrontar a oposição quando esta organizou gigantescas manifestações de rua. O desafio de Lula, portanto, será, em caso de vitória, evitar repetir os erros de Dilma Rousseff.

 

 

A paz vencerá

Marcelo Uchôa, professor de Direito da Unifor e membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e do Grupo Prerrogativas

Advogado Marcelo Uchoa (Foto: MAURI MELO)
Foto: MAURI MELO Advogado Marcelo Uchoa

É pela paz, manutenção dos afetos, pelo direito de viver em sossego com os seus, o não assédio na expressão da fé, a possibilidade de usar o verde-amarelo sem ser rotulado assim ou assado, que brasileiras e brasileiros votarão neste domingo, 30. Duas propostas antagônicas estão em disputa: uma que representa a esperança de resgatar, pacífica e coletivamente, a civilidade para reconstruir um país que sangra mais todo dia, e outra que representa a negação dessa alternativa via barbarização social. É a oportunidade de sonhar, de um lado, contra a crueldade de assistir à autofagia, de outro.

Há um pandemônio no Planalto arruinando a imagem do Brasil, o povo e a coisa pública. O império do deboche, da incompetência, da provocação gratuita, da desestabilização institucional e da promoção do ódio. Um pesadelo que escancarou todo seu desprezo pela vida na pandemia de Covid-19, quando refutou a ciência, negou a gravidade da crise e, por ações e omissões, contribuiu com 1/3 das quase 700 mil mortes no país. Um culto à maldade sustentado pela compra de apoio com o esbulho do erário, pela desinformação social e difusão do ódio via fake news e ameaça constante de traição à pátria com golpe de Estado, só não emplacado porque instituições convalescentes conseguiram conter o retrocesso. Sem falar das leviandades contra a Justiça Eleitoral e a integridade do processo eleitoral brasileiro.

Basta! O bom da democracia é que eleitores terão a oportunidade de dizer o quão felizes ou descontentes estão com o resultado da economia para o seu bolso; a banalização da brutalidade nas relações sociais, inclusive a intolerância à imprensa, a violência política e o assédio eleitoral no trabalho; a naturalização da misoginia, racismo, homofobia, xenofobia, violência sexual contra crianças e adolescentes; a autoblindagem do governo contra a fiscalização e a tolerância com sonegadores, amantes de armas, devastadores de florestas, mercadores da fé. E, também, o quão dispostos estão em optar pela paz ou a beligerância, com a continuidade da algazarra política e o risco totalitário, em paralelo ao aniquilamento dos vínculos afetivos, da fraternidade e generosidade entre as pessoas.

 

Às urnas, cidadãos!

Emanuel Freitas da Silva, professor adjunto de Teoria Política (Uece/Facedi), professor permanente do programa pós-graduação em Políticas Públicas (Uece) e professor permanente do programa de pós-graduação em Sociologia (Uece)(Foto: Acervo pessoal)
Foto: Acervo pessoal Emanuel Freitas da Silva, professor adjunto de Teoria Política (Uece/Facedi), professor permanente do programa pós-graduação em Políticas Públicas (Uece) e professor permanente do programa de pós-graduação em Sociologia (Uece)

Chegamos a um dos dias mais importantes de nossa história recente, com desdobramentos para aquilo que se entende como "História do Brasil". Decidiremos, durante o dia de hoje, quem tocará o comando da nação pelos próximos quatro anos, mas com consequências para a posteridade longeva. Esta eleição teve alguns antecedentes em termos de narrativa, tais como: sobrevida à democracia, guerra do bem contra o mal, país cansado de polarização, populismo, fundamentalismo religioso, dentre outros.

Pouco de Brasil, contudo, se discutiu neste segundo turno. Temos, pela primeira vez, um ex-presidente disputando contra o presidente que tenta a reeleição, o que tornaria mais nítido o modelo de governo levado a cabo por cada um quando tiveram suas oportunidades de presidir o país.

Talvez isso explique, em parte, que as pesquisas até aqui tenham mostrado pouca oscilação em torno daquilo que já foi o resultado do primeiro turno: Lula em torno de 48% e Bolsonaro na casa dos 45%. Tudo igual, mesmo depois de muitos apoios declarados a um lado e a outro.

O Brasil "do real", do liberalismo, da estabilidade (inclusive financeira) e dos "democratas" manifestou apoio a Lula. O Brasil do agro, do fundamentalismo religioso, dos CACs, da "nova política", da "revolução judiciária" e do reacionarismo, ao que parece, marcha com Bolsonaro. Um país, pois, polarizado, contra aquilo que parte da imprensa e da classe política dizia, é isso o que sairá das urnas, logo mais.

Os resultados da eleição não encerram o processo eleitoral de hoje. Seja Bolsonaro o eleito, com um Congresso majoritariamente favorável, o projeto político de esgarçamento da democracia ganhará mais capilaridade, exigindo ainda mais a vigilância das instituições, da oposição e do mercado em relação a um governo com traços autoritários e a uma sociedade cuja maioria (ou metade dela) sanciona tal projeto. Seja Lula o vencedor, os democratas a seu lado terão o grande desafio de garantir a governabilidade em meio a ataques os mais ferozes a seu governo, sem falar nos movimentos de questionamento do resultado final das urnas.

"A democracia é um mal-entendido" é uma frase atribuída a Sergio Buarque de Hollanda; ela nos auxilia a compreender, atônitos, resultados eleitorais que se produzem em nome dela, tendo-a como legitimadora. Por isso, vote!

Emanuel Freitas, professor de Teoria Política do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Uece

 

Somos todos Sísifo

Ricardo Moura, doutor em Sociologia e colunista do O POVO

Ricardo Moura, jornalista(Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Ricardo Moura, jornalista

É impossível compreender o Brasil sem levar em consideração os males de nossa colonização: a herança escravocrata, a concentração de renda e o autoritarismo que perpassa nossas relações sociais. A superação desses três elementos constituintes dessa brasilidade tão mesquinha é um projeto ainda incompleto. Ao longo da história, raros foram os momentos em que ousamos enfrentar essas chagas sociais como se deveria.

A ideia de um processo civilizatório, inclusivo e diverso, durou o tempo de uma primavera. Tratou-se de um "bug" no sistema logo corrigido pela programação do mais do mesmo da lógica do senhorio. O que mais se viu foram tentativas de acomodar interesses conflitantes e reações exasperadas de grupos privilegiados aos avanços sociais mais tímidos.

Estas eleições colocaram frente a frente dois projetos antagônicos. Lula e Bolsonaro encarnam concepções distintas de se fazer política e de futuro. Suas biografias condensam práticas ancestrais de resistência e de dominação. É possível ver traços delas nos discursos e nos símbolos mobilizados na campanha.

O homem branco e cristão como o padrão-ouro do que seria a humanidade é um conceito em crise e fadado à extinção. Formas de existência plurais começam a ganhar vez e voz no campo da micropolítica. As lideranças que mais rápido perceberem isso sairão na frente nos futuros pleitos.

Por óbvio, a velha política não entregará os pontos facilmente. A resposta veio por meio do jorro de dinheiro público que irrigou campanhas de Norte a Sul e da normalização da violência política como estratégia de intimidação. As raposas estão acuadas diante da novidade que brota das juventudes negras e periféricas, das mulheres, dos povos originários e da população LGBT. Até mesmo uma nova centro-direita emergirá desse processo.

Retomar o que se perdeu de civilidade é a nossa tarefa histórica neste momento. Teremos muito trabalho pela frente. Assim como no mito de Sísifo, a pedra que empurramos montanha acima após a redemocratização despencou morro abaixo. É nossa missão erguê-la novamente. Albert Camus, ao tratar dessa alegoria, ressalta que nem sempre vemos os resultados das lutas que travamos, mas ainda devemos cumprir esse destino.

Estar consciente dessa limitação histórica não é razão para deixar de fazer o que é o certo. "É preciso imaginar Sísifo feliz", afirma o filósofo. A rocha é pesada e nossos ombros doem diante do fardo que será a reconstrução deste país. A partir do dia 30, seremos todos Sísifos. E, ainda assim, seremos felizes.

 

 

 

 

 

 

O que você achou desse conteúdo?