A conferência internacional das Nações Unidas (ONU) sobre as mudanças climáticas (COP27) começou neste domingo no balneário egípcio de Sharm el-Sheikh, em meio a alertas contra o aquecimento global e grande nervosismo com o desabastecimento energético, além da grande expectativa com a volta do Brasil ao protagonismo ambiental.
Na segunda-feira, 7, e na terça-feira, 8, será realizada uma cúpula de líderes, com a presença de até uma centena de participantes. Não há previsão de participação do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Embora não vá participar diretamente deste fórum reservado aos chefes de Estado em exercício, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva confirmou que participará da COP27, aceitando convite feito pelo Egito. A governadora do Ceará, Izolda Cela (sem partido) também estará presente.
Trinta anos depois da histórica Cúpula da Terra, popularmente conhecida como Rio-92, o Brasil poderia voltar à primeira linha do combate às mudanças climáticas, após quatro anos de ceticismo que marcaram o governo Bolsonaro.
O atual presidente brasileiro é tido como inimigo pelos defensores do meio ambiente, devido ao apoio às atividades madeireiras e mineradoras em áreas protegidas da maior floresta tropical do planeta.
Durante seu governo, a extração de madeira e os incêndios florestais cresceram exponencialmente e a floresta amazônica começou a liberar mais carbono do que absorve, mostram pesquisas.
Embora o histórico ambiental de Lula não seja impecável, ativistas dizem que não há comparação entre ele e Bolsonaro.
Lula — que foi presidente entre 2003 e 2010 — disse após a vitória que, no novo mandato, a partir de 1º de janeiro de 2023, fará esforço para alcançar o "desmatamento zero".
O convite para o petista ir à conferência foi feito já na segunda-feira, 31, dia seguinte à vitória sobre Bolsonaro.
A ida de Lula à conferência teria incomodado Bolsonaro. Segundo informou o jornalista Josias de Souza, do UOL, Bolsonaro teria dito a interlocutores que o presidente eleito teria comportamento de "usurpador" e estaria tentando ocupar o cargo antes da hora. "Ainda sou o presidente, porra!", teriam sido as palavras do presidente, conforme o relato.
Outro que confirmou presença foi o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, mas a cúpula será marcada também por ausências importantes, como a dos presidentes russo, Vladimir Putin, e chinês, Xi Jinping.
A China é o maior emissor de gases de efeito estufa do planeta e as relações bilaterais com os Estados Unidos, que vêm logo em seguida, são muito frias atualmente, o que não facilita as complexas negociações no âmbito da COP, onde todas as decisões são tomadas por consenso.
A COP é o grande evento anual da ONU para o enfrentamento das mudanças climáticas. Desta vez, a temática africana estará em primeiro plano pela vontade do país anfitrião de dar voz às reivindicações do continente: basicamente mais ajuda para a adaptação ao impacto ecológico e a medidas colaterais, como um perdão à dívida externa.
Mas a guerra na Ucrânia, a angústia da Europa frente à grande crise do gás e do petróleo e as eleições legislativas de meio de mandato nos Estados Unidos, em 8 de novembro, ameaçam dominar, mais uma vez, uma conferência que reúne, até o próximo dia 18, praticamente toda a comunidade internacional — quase 200 membros.
Em meio a temores de uma recessão mundial, a COP27 começa precisamente sob a ameaça de bloqueio devido a um tema espinhoso: as "perdas e danos" provocados pelas mudanças climáticas.
Os países em desenvolvimento pedem a criação de um fundo para enfrentar estes prejuízos provocados pelas emissões de gases de efeito estufa, das quais são as principais vítimas.
Os Estados Unidos se mostram relutantes em estabelecer um fundo de perdas e danos.
A China é aliada do bloco em desenvolvimento, enquanto a União Europeia está aberta à discussão, ainda que com cautela.
A Alemanha, que preside atualmente o clube de países ricos (G7), quer exercer um papel de "ponte", assegurou sua vice-ministra das Relações Exteriores, Jennifer Morgan. Ainda que o mundo esteja vivendo um "momento de turbulências maciço", advertiu.
Quem paga pelo prejuízo dos desastres ambientais?
A conferência mundial do clima da ONU COMEÇOU neste domingo, 6, em Sharm El-Sheikh, no Egito, num contexto de catástrofes climáticas: inundações históricas no Paquistão, ondas de calor na Europa, furacões, incêndios, secas... Desastres para os quais os países mais pobres, os mais afetados, reivindicam compensação financeira.
Esta delicada questão de "perdas e danos" foi oficialmente adicionada à agenda de discussões em Sharm El-Sheikh durante a cerimônia de abertura, enquanto até então era apenas objeto de um "diálogo", previsto para durar até 2024.
"Esta inclusão na agenda reflete um sentimento de solidariedade e empatia pelo sofrimento das vítimas de desastres induzidos pelo clima", ressaltou Sameh Choukri, ministro das Relações Exteriores egípcio, que preside a COP27.
O chefe da ONU-Clima, Simon Stiell, considerou como "crucial" esta questão de perdas e danos.
"O sucesso ou o fracasso da COP27 será julgado de acordo com este mecanismo de financiamento de perdas e danos", alertou Munir Akram, embaixador do Paquistão na ONU e presidente do G77 China, que representa mais de 130 países emergentes e pobres.
A desconfiança dos países em desenvolvimento é forte, enquanto a promessa dos países ricos e desenvolvidos de aumentar para 100 bilhões de dólares por ano, a partir de 2020, sua ajuda aos países pobres para reduzir suas emissões e se preparar para os impactos ainda não é cumprida.
As negociações ocorrem num contexto de crise climática cada vez mais premente. A luta pelo clima é uma "questão de vida ou morte, pela nossa segurança hoje e pela nossa sobrevivência amanhã", insistiu perante a COP27 o chefe da ONU, António Guterres.
A conferência "deve estabelecer as bases para uma ação climática mais rápida e corajosa agora e nesta década que decidirá se a luta pelo clima será vencida ou perdida", alertou. (AFP)
Uma história que começa no Rio de Janeiro
As edições da COP tiveram início em 1992, durante a Eco-92 ou Rio-92: encontro organizado pela ONU no Rio de Janeiro, marcado pela adoção da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC).
Segundo a ONU, na oportunidade os países participantes chegaram a um acordo visando diminuir as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera, de forma a "evitar interferências perigosas da atividade humana no sistema climático".
O tratado entrou em vigor em 1994. Desde então a ONU reuniu "quase todos os países" nas 27 edições das chamadas conferências das partes (as COPs). O documento original recebeu, ao longo dos encontros, vários acréscimos "para estabelecer limites juridicamente vinculativos para as emissões". Atualmente, o documento é assinado por 197 países.
Entre as extensões aplicadas ao documento original está o Protocolo de Kyoto, que foi incluído durante o encontro de 1997, estabelecendo metas como a de redução das emissões de gases de efeito estufa no período entre 2008 e 2012; e o estímulo à criação de formas de desenvolvimento sustentável visando a preservação do meio ambiente.
Uma outra ampliação do texto original foi o Acordo de Paris, em 2015. Nele os países signatários assumiram o compromisso de aumentar esforços para limitar o aquecimento global a 1,5°C acima das temperaturas pré-industriais; e de aumentar o financiamento da ação climática.
A COP26, em Glasgow (Escócia) no ano passado, marcou os cinco anos da assinatura do Acordo de Paris. A conferência deixou, entre seus legados, o Pacto do Clima de Glasgow, que "manteve viva a meta de conter o aquecimento global a 1,5 º C".
Glasgow foi também marcado pelos compromissos para zerar emissões (net-zero), proteção de florestas e financiamento climático. (Agência Brasil)