Na primeira visita a Brasília após a vitória nas urnas, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) admitiu fazer um acordo político com o Centrão para aprovar medidas de interesse do Palácio do Planalto, a partir de 2023.
Em reuniões realizadas ontem com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Lula disse estar convencido de que o Congresso não vai criar problemas para o novo governo e afirmou nem saber mais quem é oposição. Na conversa com Lira, Lula assegurou que o PT não terá candidato próprio à presidência da Câmara e acenou para uma aliança.
"O Centrão é uma composição de vários partidos que o PT, o Alckmin e eu temos de aprender a conversar e convencê-los das nossas propostas", argumentou ele, citando o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, que estava a seu lado.
Acompanhado do vice e de vários aliados, Lula também se reuniu com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O encontro ocorreu pouco antes de o Ministério da Defesa enviar ao TSE um relatório que não apontou fraude nas urnas eletrônicas.
Pela manhã, o diálogo com Lira foi marcado por troca de gentilezas. Embora Lula não tenha afirmado com todas as letras que o PT apoiará a recondução do líder do Centrão à presidência da Câmara, as negociações caminham nesse sentido. A eleição que vai escolher a nova cúpula do Congresso será em fevereiro de 2023.
Após uma maratona de conversas com dirigentes de Poderes, Lula disse que não cabe ao chefe do Executivo interferir nas disputas da Câmara e do Senado. É exatamente isso que Lira quer, caso o Planalto não possa declarar apoio oficial à sua candidatura.
Em troca, o deputado - hoje aliado do presidente Jair Bolsonaro (PL) - deve ajudar o novo governo a aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para manter o Auxílio Brasil em R$ 600 e aumentar o salário mínimo, uma vez que não há recursos para isso no orçamento. O programa social deve ser rebatizado de Bolsa Família.
A estratégia para que o PT não se indisponha com Lira vem sendo construída pelo presidente eleito, sob protesto de uma ala do MDB, capitaneada pelo senador Renan Calheiros (AL). Lula pediu para o PT não isolar o deputado nem cair na armadilha de lançar um nome para enfrentá-lo na disputa pelo poder na Câmara. O acordo também deve envolver o orçamento secreto.
Lira quer a manutenção do atual modelo, que prevê o envio de recursos públicos para redutos eleitorais dos parlamentares. Lula avalia não ser possível acabar com o orçamento secreto agora, apesar de ter feito duras críticas à prática durante a campanha.
Enquanto espera o Supremo julgar esse dispositivo inconstitucional, o petista tentará convencer integrantes do Centrão a alocar a verba das emendas em uma lista de projetos considerados prioritários pelo Executivo.
Nos bastidores, Lula sempre diz que um dos maiores erros da então presidente Dilma Rousseff foi apoiar um concorrente do PT, o deputado Arlindo Chinaglia (SP), contra Eduardo Cunha (RJ), à época no MDB, na eleição para o comando da Câmara, em 2015. Pouco mais de um ano depois, Dilma sofreu impeachment.
Lula passou quase duas horas na residência oficial de Lira, antes de seguir para um almoço com Pacheco, que também disputará novo mandato à frente do Senado. O PT deve apoiar a recondução de Pacheco ao comando da Casa.
Uma ala do MDB, capitaneada por Renan e pelo deputado eleito Eunício Oliveira (CE), quer formar um bloco com o União Brasil e o PSD para eleger os presidentes das Câmara e do Senado.
Adversário de Lira, Renan viu uma "barbeiragem" nas tratativas conduzidas até agora pela equipe de Lula para a aprovação de uma PEC, com licença para o novo governo gastar cerca de R$ 175 bilhões, e disse que, desse jeito, o PT vai ficar "refém do Centrão".
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) evitou usar o termo "Centrão" ao se referir ao bloco informal de partidos no Congresso que costuma apoiar qualquer governo em troca de cargos e espaço no Orçamento.
"Não enxergo dentro da Câmara e do Senado essa coisa de Centrão. Eu enxergo senadores e deputados que foram eleitos e que, portanto, vamos ter de conversar com eles para garantir as coisas que serão necessárias para melhorar a vida do povo brasileiro", disse ontem o petista, em entrevista coletiva.
A declaração é uma forma de evitar um discurso contra a classe política, uma vez que o termo é associado ao fisiologismo.
Lula fez as afirmações após se reunir com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes. Questionado se iria apoiar a reeleição de Arthur Lira (PP-AL), ao comando da Câmara, e de Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ao Senado, Lula respondeu que não é tarefa do presidente da República interferir em assuntos do Legislativo.
"Quem vai decidir quem serão os presidentes da Casa serão os senadores e os deputados. O papel do presidente da República não é gostar ou não. É conversar com quem dirige a instituição", afirmou.
Aliados do petista no Congresso, porém, têm trabalhado pela recondução de Pacheco e também avaliam ajudar Lira a ser reeleito na Câmara, ainda que nos bastidores.
Ao comentar a reunião que teve ontem com os presidentes do Senado e da Câmara, Lula disse que eles se comprometeram em aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, que abre espaço fiscal para promessas da campanha do petista, como o pagamento do Bolsa Família de R$ 600 e o aumento do salário mínimo.
A estimativa é a de que despesas sociais sejam retiradas permanentemente do teto de gastos. A regra limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior.
"Educação e saúde não podem ser considerados como gasto. Isso é investimento", destacou Lula. O petista evitou prever quando a proposta será aprovada. Disse, porém, que o assunto precisa ser resolvido até a segunda quinzena de dezembro, na votação do Orçamento de 2023.
"Quero agradecer porque houve muita disposição do presidente da Câmara e do presidente do Senado de fazer com que as coisas aconteçam com a maior pressa possível", disse Lula.
Lula: Acho que vamos conseguir aprovar (PEC) porque houve muita disposição
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse ontem acreditar que a PEC da Transição será aprovada e que os presidentes das Casas do Congresso demonstraram muita disposição para a tramitação da medida. O petista se reuniu nessa quarta-feira com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para tratar do tema.
"Houve muita disposição dos presidentes da Câmara e do Senado (para tramitação da PEC. Alckmin vai sentar com presidentes (das duas Casas) para falar sobre a PEC", disse. Em sua primeira entrevista coletiva em Brasília, após agenda com autoridades, Lula falou em recuperar a normalidade entre as instituições.
A PEC é a medida escolhida pelo governo de transição para abrir espaço no Orçamento e tirar do teto de gastos despesas consideradas inadiáveis, como o pagamento de R$ 600, em 2023, para beneficiários do novo Bolsa Família.
O presidente eleito também falou sobre a relação com parlamentares. Ele disse não saber ainda quem será a oposição e defendeu que seu partido, o PT, e o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin terão que "aprender" a conversar com os partidos do Centrão e tentar ganhar apoio para as propostas de sua gestão.
O petista indicou que pretende proporcionar tranquilidade na relação e que as negociações devem acontecer "sem brigas": "Se depender de mim, dia 2 a gente está colocando obra para funcionar".
Lula afirmou que deputados e senadores precisam lembrar quem são os beneficiários dos recursos para áreas sociais quando votarem e defendeu que "não adianta guardar dinheiro para pagar juro para banqueiro". "Saúde, Farmácia Popular e Educação não são gastos, são investimentos", frisou.
Questionado por jornalistas sobre a possível indicação dos ex-ministros Henrique Meirelles e Fernando Haddad, cotados para o comando do Ministério da Economia, Lula afirmou que irá começar a pensar na montagem de seus ministérios após a viagem para o Egito. "Estou mais preocupado do que vocês, mas ainda não posso contar", respondeu.
David Uip recusa convite e equipe de transição tem a primeira baixa
A equipe de transição do novo governo já tem a primeira baixa. O médico infectologista David Uip, cotado para a área de Saúde, recusou o convite alegando questões pessoais. A informação foi confirmada pelo senador Humberto Costa (PT-PE), coordenador da área.
A participação do ex-secretário da Saúde de Geraldo Alckmin havia sido divulgada na manhã de ontem pelo próprio Costa. O médico coordenou o Centro de Contingência contra a Covid no governo de João Doria (PSDB) e é atualmente secretário de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde, no governo de Rodrigo Garcia (PSDB).
Além de Uip, também foram anunciados para a transição da Saúde o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) e os ex-ministros Arthur Chioro e José Gomes Temporão.
"A definição agora vai depender da coordenação geral", disse Costa, referindo-se ao grupo liderado pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin. O senador afirmou ainda que a equipe de Saúde não terá apenas sua coordenação, mas será um trabalho compartilhado entre todos os integrantes.
À reportagem, Humberto Costa disse que a expectativa do grupo é fazer, nos próximos 50 dias, um diagnóstico sobre a situação do ministério.
"É uma comissão de alto nível, com pessoas experientes. Temos um programa de governo elaborado de pessoas que compuseram a frente de governo. Vamos fazer o desdobramento desse programa e realizar um diagnóstico", disse. "Nosso objetivo é preparar o terreno para quem vier a assumir o ministério."
Também já foi definido que a área temática da Cultura do governo de transição terá três coordenadores: Juca Ferreira, ex-ministro da pasta nos governos Lula e Dilma Rousseff, a atriz Lucélia Santos e o secretário nacional de cultura do PT, Márcio Tavares.
A atriz confirmou o convite nas redes sociais: "Agora é oficial, fui convidada para compor a equipe de transição (...). Vamos adiante! Há muito trabalho a fazer", escreveu.
Parte do trabalho será avaliar a recriação do Ministério da Cultura, que foi transformado em secretaria no governo Bolsonaro