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Maria Luiza: 80 anos da mulher que abalou a política
Politica

Maria Luiza: 80 anos da mulher que abalou a política

Em conversa com O POVO, a cearense de Quixadá comentou a trajetória de professora, deputada, prefeita até a emancipação
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MARIA LUIZA Fontenele foi prefeita de Fortaleza entre 1986 e 1988 (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS MARIA LUIZA Fontenele foi prefeita de Fortaleza entre 1986 e 1988

Maria Luiza Fontenele chega aos 80 anos de vida neste domingo, 27 de novembro. Ela foi a primeira prefeita de capital eleita pelo PT no Brasil e uma das primeiras mulheres a serem eleitas prefeitas de capital no País — ao lado de Gardênia Gonçalves, eleita prefeita de São Luís pelo PSD naquela mesma eleição de 1985. Maria administrou Fortaleza entre 1986 e 1988, num período extremamente conturbado.

Deputada estadual e federal, Maria, como gosta de ser chamada, foi nome importante na oposição à Ditadura Militar, no movimento feminino pela anistia e na campanha pelas “Diretas Já”. Em conversa com O POVO, a cearense de Quixadá falou sobre a trajetória. Deputada que surgiu do movimento pela anistia durante os anos da ditadura, a candidatura para prefeita acompanhou a ascensão de movimentos sociais numa época em que o regime militar arrefecia.

“Na minha vida, o elemento chave é a luta pela anistia. Foi a luta central da minha vida. Quando o pessoal da anistia pediu que alguém se candidatasse, eu imediatamente fui escolhida. A deputada para divulgar o movimento pela anistia”, conta.

Lembranças

Durante a infância em Quixadá, Maria lembra que estudou em um colégio interno de freiras e relata uma experiência que lhe marcou. Aos 13 anos, conta que começou a namorar um rapaz e que as freiras logo agiram para que ela esquecesse o relacionamento. "Me colocaram para dar aula, fazer teatro, tocar piano para eu esquecer isso". Deu certo, Maria?, questionei "Não. Não esqueci", respondeu.

Ela revela ainda que certa vez as freiras pegaram "uns bilhetes" endereçados a ela e enviados pelo tal rapaz. "Papai disse que eu receberia um castigo por infringir as regras do colégio, mas não leu o que estava escrito. Essa foi uma das coisas que mais marcou minha vida, essa postura do meu pai. De me castigar, mas respeitar as cartas porque foram endereçadas a mim".

Quando menina, conta que fazia amizades com outras crianças para brincar no Sertão. "Eu dizia para uma menina, quase da minha idade, para nos juntarmos e sermos mais danadas que os meninos, nas corridas, em pular nos rios, em todas as situações. Do que lembro da minha infância, não tenho marca de violência".

A virada de 1985

A menina de Quixadá cresceu. Maria relata que chegou a Fortaleza no ano de 1958. No ano seguinte, foi aluna do Liceu, local que, segundo conta, “mudou radicalmente” a vida dela. Em 1962, prestou vestibular para o curso de Serviço Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), onde mais tarde seria professora e teria contatos com pessoas e ideais que a acompanhariam na política e na vida.

Já como deputada, ela se dispôs a disputar a Prefeitura de Fortaleza, episódio mais marcante de sua vida política. Ao som de “Maria, Maria”, canção de Milton Nascimento, a então candidata a prefeita fez uma campanha que entrou para a história. Até 1985, nenhuma mulher havia sido eleita para o Executivo de qualquer capital brasileira. Para o Partido dos Trabalhadores (PT), sigla pela qual se candidatou, Maria foi a primeira vitória eleitoral em capitais.

Maria corria por fora naquela eleição. Os favoritos eram Paes de Andrade (PMDB) e Lúcio Alcântara (PFL, à época). Ela aparecia em terceiro lugar nas pesquisas a 15 dias da eleição. Foi nesse período que o quadro começou a mudar.

Com greves de diversas categorias, Fortaleza viu motoristas de ônibus iniciarem uma paralisação que gerou repressão policial. À época, denúncias de abuso e a morte de um manifestante foram atribuídas à violência policial. Maria foi para a rua, foi "para a luta", como diz.

“Eu fui lá (para a manifestação) e era bala, era pedra. E eu fui para lá, colocamos isso na TV e denunciamos que apareceu um motorista morto. Isso teve uma repercussão extraordinária na categoria e na cidade”, relatou.

Vista como a candidata da ruptura, Maria foi o desejo expressado pela maioria nas urnas. Ao fim da apuração, em 17 de novembro, ela foi declarada vencedora com 159.846 votos; 11.409 a mais do que o então líder das pesquisas, Paes de Andrade. Como à época não havia segundo turno, ela foi eleita prefeita de Fortaleza.

“Maria Rosa ou Rosa Maria”

Durante a trajetória, Maria esteve cercada de companheiros que a rodeiam ainda hoje; alguns em memória. Uma dessas pessoas foi Rosa da Fonsêca, ex-vereadora, ex-presa política e professora que morreu no último dia 1° de junho.

A morte da amiga, que foi aluna de Maria na UFC e companheira de luta, abalou e abala a ex-prefeita ainda hoje. “Fiquei fora do ar (quando Rosa morreu). Nesse período próximo ao meu aniversário, essas emoções vêm muito fortes, porque são muitas homenagens e momentos de lembrança”.

Prestes a completar 80 anos, Maria conta que perder a aluna é um exercício diário de continuidade. “Se eu não tivesse tido a morte da Rosa, talvez estivesse me sentindo diferente. É como se, agora, eu tivesse de ser Rosa Maria, ou Maria Rosa, para não deixar que a falta dela seja tão profunda para a continuidade do nosso movimento pela emancipação humana”, comenta.

Na década de 1970, ela criou um grupo ao lado de Rosa, Jorge Paiva, Célia Zanetti e outros militantes. Após quase 50 anos, ele segue atuante, com o nome de Crítica Radical. Eles propagam a ruptura com a política e com as práticas de partidos e entidades que querem administrar a crise do sistema, mesmo estando inseridos nele. Além disso, o grupo trabalha para a construção de um novo movimento social com perspectiva emancipatória.

Ao fim da conversa com O POVO, Maria deixou um desejo, com ares de ensinamento, para o futuro: “A questão primordial é essa. A coisa mais terrível que existe no mundo é a discriminação do outro. Não podemos discriminar o outro ser humano”.

Os cabelos brancos

A vida de Maria foi marcada por polêmicas. E, em tom de brincadeira, ela se despediu contando que uma nova polêmica a ronda.

“Preciso ir, tenho de ajeitar os cabelos. Agora está uma polêmica, que uns querem que eu continue com os cabelos brancos e outros querem que eu pinte, para parecer mais jovem”.

E você Maria, o que quer?, indaguei.

“Eu estou mantendo eles brancos”, respondeu com a certeza de seus 80 anos.

Festejos

Aniversário de 80 anos de Maria Luiza Fontenele

Quando: domingo, 27, às 17 horas

Local: Largo do Micharia, Praia de Iracema

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