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Em menos de dois anos, dez prefeitos perderam mandatos no Ceará
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Em menos de dois anos, dez prefeitos perderam mandatos no Ceará

Cassações são motivadas principalmente por abuso de poder político e econômico. Em outros dois municípios, prefeitos aguardam os desdobramentos de batalhas judiciais travadas no TSE
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Urna Eletrônica. Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Urna Eletrônica. Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE)

O Ceará teve, desde as últimas eleições municipais, em 2020, dez prefeitos cassados e retirados do cargo pela Justiça Eleitoral ou por iniciativa do Poder Legislativo. Há, ainda, outros dois municípios em que os gestores municipais, mesmo com os diplomas invalidados, permanecem nos mandatos enquanto aguardam os desdobramentos de batalhas judiciais travadas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília.

A maioria das cassações decorre de processos por abuso de poder político ou econômico. Também há afastamentos motivados por inelegibilidade e infrações político-administrativas. Os dez municípios onde os prefeitos eleitos em 2020 foram afastados do cargo são: Barro, Jaguaruana, Martinópole, Missão Velha, Pedra Branca, Viçosa do Ceará, Baixio, Tururu, Pacujá e Iguatu.

Nas seis primeiras, os afastamentos foram efetivados ainda em 2021, menos de um ano depois do resultado das urnas, após decisões do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE). Com a vacância, os presidentes das Câmaras assumiram as prefeituras interinamente até que novos prefeitos fossem escolhidos pelo voto popular em eleições suplementares realizadas entre agosto e dezembro de 2021.

Em 2022, a primeira cassação ocorreu no município de Baixio, em abril. O TRE-CE invalidou o diploma do prefeito Zé Humberto e do vice-prefeito Donizete Cavalcante, ambos do PDT, por divulgação irregular de publicidade institucional nos canais de comunicação da Prefeitura.

Desde o dia 28 de junho, a Prefeitura é comandada provisoriamente pelo presidente da Câmara Municipal, Raimundo Amaurílio (PDT). Os eleitores da cidade voltarão às urnas no dia 11 de dezembro. O pleito será exclusivo para os cargos do Poder Executivo – prefeito e vice-prefeito. Os eleitos permanecerão nos mandatos até 31 de dezembro de 2024.

Ainda em junho, houve a cassação do mandato da prefeita de Tururu, Hilzete Marim (PSDB). O afastamento foi consequência de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada pela Câmara Municipal. A investigação apontou que a gestora teria nomeado diretores escolares em desconformidade com a legislação municipal, além de contratar servidores para cargos não previstos na estrutura administrativa do Município.

Em votação no plenário do Legislativo, a maioria dos vereadores decidiu pelo afastamento definitivo da prefeita. O vice-prefeito Dr. Bernardo (PSB) assumiu o cargo de maneira permanente, sem a necessidade de novas eleições, uma vez que a cassação não ocorreu mediante processo na Justiça Eleitoral.

Mais dois afastamentos foram confirmados no começo de novembro pelo TRE-CE: em Iguatu e Pacujá. No primeiro, o prefeito Ednaldo Lavor (PSD) e o vice-prefeito Franklin Bezerra (PSDB) perderam os mandatos por abuso de poder político. A chapa foi condenada sob a acusação de uso indevido dos meios de comunicação institucionais da Prefeitura.

Além da anulação dos mandatos, a corte eleitoral tornou Lavor inelegível por oito anos, a partir de 2020. O vice, no entanto, não sofreu a mesma punição. Conforme o acórdão do pleno, somente o prefeito praticou a conduta abusiva, o que explica, no caso dele, o agravamento da sanção.

Com a cassação, a presidente da Câmara, Eliane Braz (PSD), esposa do prefeito afastado, foi empossada como prefeita interina até a realização de novas eleições. A data do pleito ainda não foi anunciada oficialmente pelo TRE-CE.

Em Pacujá, a Prefeitura também está sob o comando do presidente da Câmara, o vereador Orlando Aguiar (Cidadania). Ele assumiu o cargo no último dia 4 de novembro após a cassação do prefeito Raimundo Filho (PDT) e do vice José Silva de Abreu (União Brasil). A chapa foi condenada por abuso de poder econômico no âmbito de um processo que ficou conhecido como "mensalinho".

Investigações do Ministério Público do Ceará (MPCE) apontaram compra de apoio parlamentar em troca de vários benefícios pessoais, tais como: passagens aéreas, materiais de construção, depósito de valores e repasse de dinheiro em espécie. O TRE-CE ainda não marcou a data da nova eleição no município.

Além dos afastamentos definitivos, há dois municípios em que os prefeitos foram cassados, mas ainda assim permanecem no cargo até julgamento de recursos no TSE. É o que ocorre em Nova Russas e Coreaú, onde os prefeitos Giordana Mano (PL) e Edézio Sitonio (PDT), respectivamente, tiveram os diplomas invalidados pelo TRE-CE, mas conseguiram efeito suspensivo nas punições após ingressarem com pedidos de liminar na corte eleitoral em Brasília.

Ambos também pedem a anulação dos acórdãos proferidos pelo pleno do tribunal cearense. A análise do mérito de cada processo ainda não tem data para ser concluída. Em caso de rejeição das apelações, o TRE-CE realizará novas eleições nos dois municípios.

Disputa vai das urnas aos tribunais

Em eleições municipais cada vez mais marcadas por intenso acirramento político, a disputa vai além das urnas. Ao longo da campanha, os tribunais são sobrecarregados com um grande volume de ações judiciais movidas pelos candidatos.

A queda de braço na Justiça tem desdobramentos imprevisíveis para o processo eleitoral. Em último caso, invalida a escolha majoritária do eleitor por meio da cassação do diploma do postulante vencedor do pleito. Geralmente, a exemplo do que aconteceu no Ceará, as decisões definitivas sobre os afastamentos são proferidas já no curso dos mandatos.

O advogado Fernandes Neto, especialista em direito eleitoral, avalia que a demora no julgamento das ações pela Justiça Eleitoral ocasiona ambiente de insegurança jurídica nas prefeituras.

“Esses processos julgados depois dos pleitos podem gerar prejuízos diretos às gestões e aos municípios. Precisamos de um modelo mais ágil no sentido de constatar e determinar prazos preclusivos para não haver interferência no mandato do candidato que vença as eleições num período razoável”, comenta.

Na minirreforma eleitoral de 2013, houve endurecimento da legislação para conter abusos de poder político e econômico nas eleições. Desde então, as cortes eleitorais são cada vez mais rigorosas no julgamento de possíveis ilícitos que podem levar à cassação e inelegibilidade de agentes públicos.

Apesar de concordar com as mudanças na legislação, Neto pontua a necessidade de os tribunais estabelecerem novos mecanismos para evitar que as disputas judiciais dissolvam a escolha dos eleitores nas urnas.

“Nunca é bom para um município ter o seu prefeito cassado. Primeiro, porque é uma decisão da Justiça Eleitoral contra a vontade daqueles que elegeram o candidato. Segundo, porque seria muito bom que prevalecesse sempre a vontade do povo e a decisão judicial fosse uma exceção”, pontua Neto.

O advogado, que também preside a Comissão de Direito Eleitoral da OAB Subsecção Ceará, defende o aprimoramento do Código Eleitoral Brasileiro no sentido de tornar o texto legal mais objetivo quanto aos tipos de ilícitos que sujeitam os candidatos a cassação de mandatos e suspensão dos direitos políticos.

Eleições suplementares podem ser anuladas pelo TSE mesmo após proclamação de resultados

Embora o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seja a última instância da Justiça Eleitoral, cabe aos tribunais regionais a tarefa de deliberar sobre novas eleições. Os pleitos geralmente são organizados após as cortes rejeitarem os embargos de declaração – último tipo de recurso possível – protocolados por candidatos com mandatos cassados.

Mas, a exemplo do que aconteceu em Nova Russas e Coreaú, os processos eleitorais suplementares podem ser suspensos ou anulados pelo TSE. “O nosso sistema eleitoral permite que os acórdãos que cassam prefeitos sejam executados antes mesmo de transitar em julgado e isso pode ocasionar atropelos às decisões da segunda instância”, analisou Fernandes Neto.

O advogado ressalta que, mesmo após os novos representantes serem eleitos em pleito suplementar, eventuais decisões do TSE têm o poder de invalidar o resultado das urnas apurado na segunda eleição. “É algo difícil, mas possível de acontecer”, afirma o especialista.

“Se o processo estiver pendente e o prefeito cassado ganhar a ação no final, ele retorna ao cargo e inclusive a eleição suplementar pode ser anulada completamente. Prevalece, nesse caso, o resultado da eleição originária, a primeira eleição”, acrescenta.

Pelas regras eleitorais, se o mandato do prefeito for cassado antes dos seis últimos meses de governo, a eleição suplementar deve ser direta, ou seja, pelo voto popular. Do contrário, a escolha é feita de forma indireta, pela Câmara Municipal.

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