O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer pôr fim aos protestos que ocorrem na entrada de quartéis para contestar o resultado das urnas. A remoção de bolsonaristas que pedem intervenção militar será uma das primeiras orientações de Lula na conversa com os novos comandantes-gerais das Forças Armadas, nos próximos dias.
Antes mesmo dos atos de vandalismo em Brasília, na noite de anteontem, o presidente eleito já havia dito a deputados aliados que trataria com os generais do plano de encerrar as aglomerações e acampamentos no entorno das organizações militares. As ações violentas, que incluíram incêndio de ônibus e carros, começaram horas após a cerimônia de diplomação de Lula e de Geraldo Alckmin.
Para Lula, o presidente Jair Bolsonaro (PL) estimula a contestação das eleições. "Esse cidadão (Bolsonaro) até agora não reconheceu a sua derrota, continua incentivando os ativistas fascistas que estão na rua se movimentando. Ontem (segunda-feira), ele recebeu esse pessoal no Palácio da Alvorada. Ele tem de saber que aquilo é um patrimônio público. Não é dele, não é da mulher dele", disse o presidente eleito, ontem, ao participar do encerramento dos grupos de trabalho do gabinete de transição.
Ontem, Bolsonaro não fez comentários sobre os atos violentos. Para Lula, o caso é uma ação da extrema direita. "Ele (Bolsonaro) segue o rito que todos os fascistas seguem no mundo", afirmou.
O petista definiu Bolsonaro como "uma figura anômala, irracional, sem coração, sem sentimentos". Diante de uma plateia formada por integrantes da transição de governo, que entregaram ontem relatórios com diagnósticos sobre as principais áreas da gestão Bolsonaro, Lula disse que o presidente continua incentivando apoiadores a negar o resultado do segundo turno.
"Eu perdi três eleições e nas três voltei para casa, lamentei, chorei. Me preparei para ganhar a próxima", afirmou. Na sua avaliação, os relatórios recebidos ontem são como a radiografia do "estrago" feito no País nos últimos quatro anos.
O presidente eleito agradeceu nominalmente à senadora Simone Tebet (MDB-MS), que integrou a equipe de transição. Durante a campanha, o entorno de Lula sugeria que Simone, uma aliada no segundo turno, teria espaço no governo para ocupar a pasta que desejasse.
Recentemente, no entanto, os sinais são de que Simone pode não receber o Ministério do Desenvolvimento Social, reivindicado pelo PT por abrigar o Bolsa Família.
Na última quinta-feira, 8, Lula recebeu a cúpula do partido Avante no hotel onde despacha, em Brasília. Estiveram com ele, entre outros, os deputados federais André Janones e Luís Tibé, ambos de Minas Gerais.
Na ocasião, o presidente eleito disse que começaria no dia seguinte a apresentar seus ministros. Afirmou, então, que apontaria o ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) José Múcio Monteiro como novo titular da Defesa e que gostaria de conversar logo com os futuros comandantes, pois o fim dos atos na frente dos quartéis era uma de suas prioridades. Aos deputados, Lula considerou os acampamentos "um desrespeito" às próprias Forças Armadas.
Os oficiais-generais que assumirão Exército, Marinha e Aeronáutica já foram selecionados por Múcio. Lula planejava conversar com o general Julio Cesar de Arruda (Exército), o almirante Marcos Olsen (Marinha) e o brigadeiro Marcelo Damasceno (Aeronáutica) na sexta. O encontro foi adiado, a pedido de Múcio, para que ele pudesse fazer uma reunião prévia com o atual ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
A conversa entre Múcio e Oliveira ocorreu ontem, com a presença de integrantes da alta cúpula da Defesa, como o secretário-geral, Sérgio José Pereira, e o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, general Laerte de Souza Santos.
Há no cenário uma possibilidade de que os comandantes apontados pelo presidente eleito assumam as respectivas Forças antes da hora. Tudo porque os atuais deram sinais de que pretendem deixar os cargos antes da posse, em 1º de janeiro. Mesmo que os escolhidos por Múcio não sejam nomeados por Bolsonaro, eles poderiam comandar interinamente, como oficiais de quatro-estrelas mais antigos da tropa.
Os atuais comandantes publicaram carta na qual expressam apoio às manifestações, desde que não ocorram "excessos". No texto dirigido "ao povo e às instituições", eles ignoraram o teor intervencionista e o clamor por um golpe de Estado perpetrado por militares.
Um dia antes da publicação, o comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, determinou aos generais da ativa que não reprimissem pela força a realização de marchas, concentrações e discursos diante do Quartel-general (QG), em Brasília, e nas unidades militares em todo o País.
Ordenou, ainda, que os atos não fossem estimulados. Oficiais e praças da ativa e da reserva, no entanto, já foram flagrados incentivando e participando dos acampamentos.
Um parlamentar que aconselha Lula no diálogo com a caserna disse à reportagem que não se trata de um pedido, mas da necessária articulação, já em andamento, para acabar com as aglomerações. O maior problema é justamente a participação de integrantes da reserva e da família militar nos atos, assim como o apoio dos Clubes Militares.
O assunto tem de ser levado aos generais porque os atos ocorrem em perímetro de segurança de área militar, sob a responsabilidade dos comandos das Forças Armadas. Assim, o patrulhamento é controlado pela Polícia do Exército.
Ontem, o secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Júlio Danilo, afirmou que a manutenção ou não do acampamento no QG em Brasília será "reavaliada". Danilo ponderou que tudo tem de passar pelo crivo da área militar.