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A primeira semana do governo Lula
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A primeira semana do governo Lula

Os primeiros dias do governo petista no Planalto mostraram contraposição ao governo anterior, discursos desencontrados e personagens para se ficar de olho já nos primeiros meses de 2023
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O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, gesticula durante uma reunião bilateral com o presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco, em Brasília, em 2 de janeiro de 2023 (Foto: EVARISTO SA / AFP)
Foto: EVARISTO SA / AFP O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, gesticula durante uma reunião bilateral com o presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco, em Brasília, em 2 de janeiro de 2023

As primeiras ações do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já sinalizam caminhos e personagens para ficar de olho nos primeiros meses de 2023. Revogações como forma de contraponto à gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) já nas primeiras horas; ministros galgando certa autonomia - e se atrapalhando durante o processo -, e indicação da reabertura do Brasil ao diálogo internacional deram o tom dos dias iniciais.

“Revogação” foi a palavra-destaque. Na primeira semana de janeiro o termo atingiu seu pico de popularidade em pesquisas na web, desde 2004, de acordo com dados parciais da ferramenta Google Trends. No dia da posse, Lula assinou dezenas de decretos, ação que se popularizou como “revogaço” (outro termo em alta no buscador).

O petista cumpriu a promessa de campanha e revogou normas que facilitavam o acesso à armas de fogo; retirou estatais, como a Petrobras e os Correios, de uma lista de eventuais privatizações; exonerou centenas de servidores que ocupavam funções estratégicas na gestão anterior, dentre outras medidas.

Lula também empossou ministros e reuniu-se com dezenas de chefes de Estado, num movimento de retomada de relações antes estagnadas.

Especialistas ouvidos pelo O POVO consideram cedo para fazer análises mais profundas, mas apontam um balanço geral “positivo”, com alguns percalços no caminho.

O cientista político Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, avalia que embora as revogações tenham impacto simbólico por “demarcar a fronteira do governo anterior e do atual”, está dentro “daquilo que se esperava” para os dias iniciais.

Paulo Loiola, estrategista político e fundador da agência Base Lab, não considera ter havido revogaço ou revanchismo por parte de Lula, mas uma ação restrita a um grupo de legislações específicas. “Quando um novo presidente, com outro conjunto de ideologias e posicionamentos, toma posse é natural que haja este movimento”, comenta.

Dentro do balanço positivo, Prando ressalta a organização da posse presidencial pela primeira-dama Janja, sem incidentes, e a transmissão de cargos de ministros. “Foi o um ponto que colocou fim em teorias da conspiração de que Lula não subiria a rampa (do Planalto), de que teria morrido e de que a faixa presidencial era falsa”, exemplifica.

Na contramão, o professor destaca o “ataque ao teto de gastos” em discursos de Lula como ponto negativo. “A política consegue pensar responsabilidade fiscal com investimentos sociais. Ele (Lula) dá sinais ao mercado que geram ruídos, sem necessidade. Há condições de fazer as coisas sem criar esse mal-estar que Lula criou”, comenta.

Politicamente, os especialistas ouvidos pela reportagem destacam a nomeação de ministros como um ponto que merece atenção. Loiola diz ser natural que não agradem a todos os grupos e que o processo faz parte da política.

“Esta articulação vai refletir nos cargos a serem ocupados. Inclusive na iniciativa privada isso acontece. Quando uma pessoa está em uma empresa e surge uma oportunidade de emprego ela vai indicar um aliado”, pontua.

Prando destaca que o primeiro escalão não configura a frente ampla que se imaginava na campanha. “Muitíssimo pelo contrário, o que se tem é uma frente ampla de esquerda, com o PT no núcleo duro do governo e aliados e partidos satélites próximos. O PT ainda não perdeu e creio que não perderá nunca sua dimensão política hegemonista”.

A primeira semana trouxe também indicativos de que os ministros precisam aparar arestas e definir uma linha. Flávio Dino (Justiça) e José Múcio Monteiro (Defesa) divergiram sobre como lidar com acampamentos bolsonaristas em frente a quartéis.

Luiz Marinho (Trabalho) manifestou a intenção de extinguir a modalidade saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas voltou atrás no dia seguinte alegando que o tema será debatido.

O primeiro grande embaraço envolvendo ministros foi uma declaração de Carlos Lupi (Previdência) falando em “antirreforma” da Previdência em seu discurso de posse, aparentemente sem combinar com colegas de Esplanada.

A declaração repercutiu no já desconfiado mercado financeiro, com a bolsa fechando em queda e o dólar em alta após a fala. Foi preciso que Rui Costa (Casa Civil), colocasse panos quentes na situação.

“Eu sei que todo mundo tem direito a opinião, mas neste momento não há nenhuma proposta de reforma da Previdência ou coisa semelhante”, declarou Costa, em Brasília. A ação que foi interpretada nos bastidores como desautorização ao comentário de Lupi.

Para discutir essas e outras questões, Lula realizou a primeira reunião com os 37 ministros na última sexta-feira, 6. Na abertura, transmitida nas redes sociais, sinalizou que definiria as diretrizes de atuação e que espera que os ministérios estejam montados até 24 de janeiro.

Lula mandou recados a ministros durante reunião em Brasília

A primeira reunião ministerial do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na última sexta-feira, 6, teve o intuito de desenhar as diretrizes de atuação da gestão ao passo em que serviu de alerta aos ministros de Estado. Lula mandou recados claros aos seus representantes do que espera em linhas gerais na atuação em cada uma das 37 pastas.

O presidente iniciou a conversa, que teve abertura transmitida nas redes sociais, afirmando que o governo é composto por pessoas diferentes que precisam “fazer um esforço para pensar igual”. Lula declarou que é possível fazer a economia voltar a crescer “com responsabilidade (fiscal), distribuição de riqueza e renda”, além da geração de empregos.

O petista destacou que a montagem do governo, nas respectivas pastas, devem obedecer critérios técnicos e políticos, mas sempre com competência. Lula reforçou a obrigação de servir bem à população e que aqueles que cometerem erros serão convidados a sair.

"Quem fizer errado sabe que tem só um jeito, a pessoa será simplesmente, da forma mais educada possível, convidada a deixar o governo. E se cometeu algo grave, a pessoa terá que se colocar diante das investigações e da Justiça", disse. A declaração ocorre no momento em que a nova ministra do Turismo, Daniela Carneiro (União Brasil), enfrenta acusações de ter relação com pessoas ligadas à milícia no Rio de Janeiro.

O presidente reforçou ainda que muitos dos ministros são “resultados de acordo político”. Segundo afirmou, “não adianta ter o governo mais técnico possível e não ter o apoio da Câmara”. Lula destacou a manutenção de uma boa relação com o Congresso como uma prioridade para todas as pastas. “Nós dependemos do congresso e é por isso que cada ministro tem que ter a grandeza e a paciência de ouvir cada deputado e cada senador”.

Em outro momento do discurso, Lula reafirmou o compromisso com a Educação e explicou o motivo que o levou a escolher o ex-governador do Ceará e atual ministro da Educação, Camilo Santana, para comandar o ministério. Ele também citou a ex-governadora Izolda para a pasta por sua trajetória na área. “Fiz questão de convidar o companheiro Camilo para ser ministro, porque dentre todos os estados, o Ceará, ao longo de muitos anos, vem tendo a mais importante história de educação fundamental e de ensino básico”, concluiu.

Lula vai se reunir com governadores no próximo dia 27

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) irá se reunir com governadores dos 26 estados e do Distrito Federal no próximo dia 27 de janeiro. O anúncio foi feito pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa. O encontro deve ocorrer em Brasília e, segundo o ministro, tem o intuito de retomar a boa relação institucional entre o Executivo Federal e os estados e municípios.

Costa destacou que a relação ficou “paralisada nos últimos anos” e projetou que esse tipo de encontro deve ser realizado de maneira periódica, a fim de dar mais capilaridade aos projetos de governo que serão colocados em prática durante a gestão petista.

“Como passamos tantos anos sem ter essas reuniões (com gestores estaduais e municipais), as primeiras vão ser um retorno com pactuação do formato, do fluxo”, afirmou o ministro.

A ação é mais uma forma do governo Lula se contrapor à gestão anterior, comandada por Jair Bolsonaro (PL). A relação entre governadores e Bolsonaro sofreu desgastes, sobretudo durante as fases mais críticas da pandemia de Covid-19.

Bolsonaro discursou repetidas vezes na tentativa de culpar os gestores estaduais e municipais que aderiram ao isolamento social pelos desdobramentos econômicos que vieram posteriormente à pandemia.

Com a iminência de uma reunião já no primeiro mês de mandato de Lula, o governo sinaliza abertura ao diálogo com as administrações estaduais e a volta de uma certa normalidade na relação institucional entre União e entes federativos. A reunião servirá também para que os governadores apresentem os projetos que consideram essenciais em busca de parceria.

Com isso, é esperado que o governo federal inicie uma avaliação sobre a viabilidade e a prioridade de cada proposta. “A orientação do presidente da República também é de que os estados tragam os principais projetos e demandas para apresentar”, comentou Rui Costa.

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