Em 20 de fevereiro de 2017, a então senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e diversos outros congressistas do PT apresentavam ao Senado Federal abaixo-assinado em protesto a uma recente determinação do presidente Michel Temer (MDB) à Casa. A relação, que reunia mais de 270 mil assinaturas, tinha um alvo claro: a indicação ao Supremo Tribunal Federal (STF) do ministro da Justiça de Temer à época: Alexandre de Moraes.
No dia seguinte, diversos atos contra a indicação foram organizados em todo o Brasil, a maioria acusando o emedebista de tentar “golpear” as instituições e “cooptar” o Judiciário.
“O STF deveria se chamar Submisso Tribunal Federal, ou Subalterno Tribunal Federal”, resumiu, em protesto com centenas de pessoas no Rio de Janeiro, o ator Gregório Duvivier. A indicação buscava preencher a vaga de Teori Zavascki, morto em acidente aéreo.
O contexto não poderia ser pior para petistas. No ano anterior, Dilma Rousseff (PT) havia sofrido um impeachment no Congresso, em articulação que teve atuação decisiva do PSDB na Câmara e no Senado.
Moraes, por sua vez, havia chegado aos holofotes nacionais pelo mais poderoso reduto tucano do País, como secretário da Segurança Pública do governo Geraldo Alckmin (ironicamente, um dos principais opositores do PT à época).
Alvo de protestos nacionais e de apelidos pouco lisonjeiros da esquerda – de “tucano” a “ex-advogado do PCC” –, Alexandre de Moraes seria aprovado pelo Senado em 22 de fevereiro de 2017, em meio a uma das mais conturbadas sabatinas realizadas até então pela Casa.
Mesmo bombardeado, o ministro foi assertivo: “Reafirmo minha independência, meu compromisso com a Constituição e minha devoção às liberdades individuais”.
O longo preâmbulo acima tem razões óbvias. Passados quase cinco anos, a “animada” chegada de Moraes ao STF ilustra bem o que viria a se tornar a trajetória do ministro na Corte como um todo – sobretudo após o início do governo Jair Bolsonaro (PL). Quase meia década depois, Moraes passaria de “juiz tucano” para o inimigo “número um” do bolsonarismo, com papel cada dia mais central no debate político nacional.
A trajetória de Alexandre de Moraes teria guinada brusca rumo à cúpula do Judiciário nacional a partir de abril de 2016. Naquele mês, o então vice-presidente Michel Temer procurou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, ainda sob o comando de Moraes, após a sua esposa, Marcella Temer, ser alvo de uma tentativa de extorsão.
À época, um homem que se dizia um hacker ameaçou tornar públicos três nudes – fotos íntimas – de Marcella, assim como uma série de conversas envolvendo Michel Temer, caso a família não pagasse R$ 300 mil.
Acionado pelo vice-presidente, Moraes formou “a dedo” uma força-tarefa para identificar e prender os criminosos, selecionando policiais experientes do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa do Estado.
O envolvimento pessoal do secretário deu desfecho rápido ao caso, que terminou com a prisão de Silvonei José de Jesus Souza em uma operação com mais de 40 policiais à paisana e 11 automóveis. Mesmo tendo cometido crime considerado “menor”, ele foi sentenciado a cinco anos, dez meses e 15 dias de prisão no presídio do Tremembé, destino de criminosos notáveis como Alexandre Nardoni e Roger Abdelmassih.
Com a "eficiência" na resolução do caso, Alexandre de Moraes caiu nas graças de Michel Temer, passando a ser homem de confiança do vice-presidente. Um mês depois, em maio de 2016, o Senado Federal receberia o processo de impeachment de Dilma Rousseff, afastando a presidente do cargo. Com a posse do novo governo Temer, Moraes é convidado para integrar a equipe e ascende a ministro da Justiça.
Sob a nova direção, a pasta da Justiça recebe maior destaque e projeção, incorporando o combate à violência e sendo rebatizada como Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Neste período, Moraes se torna não só um dos ministros mais alinhados com Temer, como um dos mais midiáticos – chegando a participar pessoalmente de operações de combate ao tráfico de drogas. Em uma das mais famosas imagens da gestão, o ministro aparece desferindo golpes de facão contra uma plantação de maconha no Paraguai.
Indicado por Temer em fevereiro de 2017 à vaga de Teori Zavascki no Supremo, Moraes teve um dos processos de nomeação mais conturbados da Corte. Logo de início, a oposição petista questionou o histórico do ministro com Temer e com o PSDB – partido ao qual Moraes foi filiado de 2015 até a indicação.
Para os críticos, a relação tornaria a escolha uma decisão político-partidária, impossibilitando uma atuação imparcial dele na Corte. O currículo de Moraes também foi “devassado”, sendo questionadas desde uma atuação como advogado para o ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) ao crescimento recorde de mortes por intervenção policial durante sua gestão na Segurança Pública de São Paulo.
Como autor de livros de Direito, ele também foi denunciado por copiar trechos idênticos de obras de outros autores, acusação de plágio que é rejeitada pelo ministro.
Por fim, Moraes também foi alvo de denúncia do jornal O Estado de S. Paulo que revelou citações do ministro em 123 processos do Tribunal de Justiça de São Paulo como advogado da Transcooper – uma antiga cooperativa de vans que foi citada em uma investigação envolvendo integrantes do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Apesar de só ter atuado em ações cíveis da empresa, o caso é frequentemente usado por adversários de Moraes para levantar a falsa acusação de que ele teria atuado como advogado da facção.
Em meio ao "bombardeio", o indicado de Temer também se envolveu em outra polêmica, ao participar de um encontro particular com diversos senadores a bordo de um barco em Brasília.
Na embarcação, de propriedade do senador Wilder Morais (PP-GO), Moraes teria passado por uma "sabatina informal" entre parlamentares aliados, em uma espécie de treinamento prévio para enfrentar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Em 21 de fevereiro de 2017, a CCJ do Senado realizou sabatina histórica com Moraes, em evento que contou com mais de 1.600 participações de eleitores por meio do portal do Senado. Das 12 perguntas feitas pelo relator da indicação, Eduardo Braga (MDB-AM), dez foram realizadas pela plataforma aberta.
Um dia depois, o plenário aprovou a indicação por 55 votos a 13. Alexandre de Moraes tomaria posse como ministro em 22 de março de 2017.