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O perfil dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro
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O perfil dos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro

| Ataques em Brasília | Analistas apontam características comuns ao grupo a partir do seu comportamento, dentre elas o desprezo pelas instituições, a violência em ações e palavras e a busca pela restauração de uma ordem supostamente perdida
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 Manifestantes golpistas bolsonaristas invadiram e depredaram os prédios dos três Poderes (Foto: Evaristo Sá / AFP)
Foto: Evaristo Sá / AFP  Manifestantes golpistas bolsonaristas invadiram e depredaram os prédios dos três Poderes

Políticos, influenciadores, empresários, candidatos derrotados em eleições recentes, militares e servidores públicos estão entre os participantes dos atos golpistas do último dia 8 de janeiro, em Brasília. A maior parte dos presos por envolvimento nos ataques são pessoas de meia idade, mas chamou a atenção a participação de idosos e de grupos de vários segmentos com postura extremista num movimento composto por atores heterogêneos, mas que encontrou na afronta à democracia um ponto em comum.

Levantamento do O POVO mostrou que pessoas com idade entre 40 e 59 anos representaram cerca de 70% das 1,1 mil prisões registradas pela Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape), de acordo com números de 12 de janeiro. A lista é atualizada diariamente, com a saída e a entrada de nomes. A Seape contabiliza 1,3 mil detenções, segundo dados mais recentes divulgados no dia 16.

Parte dos bolsonaristas que estiveram nos ataques e nos acampamentos antidemocráticos divulgaram livremente a participação nas redes sociais. Especialistas ouvidos pela reportagem apontam características comuns a partir do comportamento desse grupo, tais como o desprezo pelas instituições, a violência nas ações e nas palavras e uma espécie de convicção deturpada da realidade nacional que ocasionou posturas criminosas.

Há cearenses entre os envolvidos. Um deles, o blogueiro bolsonarista Wellington Macedo, 47, virou réu após ser acusado de envolvimento na tentativa de atentado a bomba em Brasília no final de dezembro. Natural de Sobral, na região Norte, Macedo teve o envolvimento revelado pelo Fantástico, da TV Globo.

Ele está foragido após retirar uma tornozeleira eletrônica que usava após ser preso por suspeita de participação em atos antidemocráticos em 2021. Candidato a deputado federal por São Paulo nas eleições do ano passado, Wellington não se elegeu.

Entre os bens declarados à Justiça Eleitoral à época do pleito, ele listou um veículo avaliado em cerca de R$ 63 mil. Outro nome do Ceará visto durante os atos golpistas em Brasília foi Maria do Perpétuo Socorro Aguiar Germano, a Perpétua Aguiar, de 58 anos.

Natural de Crateús, a fisioterapeuta publicou vídeo no qual participava da ação de radicais enquanto caminhava na área externa do Congresso. “Invadimos o Congresso gente (...) Daqui a pouco vai ser o Palácio do Planalto”, afirmou na gravação.

Candidata a deputada estadual pelo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, o PL, em 2022, ela também não se elegeu. À época do pleito, ela declarou um patrimônio de R$ 750 mil, sendo um apartamento (R$ 700 mil) e uma aplicação de renda fixa (R$ 50 mil).

Outros casos marcantes de envolvimento nos ataques são o da idosa Maria de Fátima Mendonça Jacinto, 67, e do coronel da reserva Adriano Camargo Testoni, 56 (ver quadro).

Os acontecimentos do dia 8 levantaram questões sobre os motivos pelos quais pessoas de diferentes grupos, estados e idades embarcaram na empreitada golpista. Rodrigo Prando, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, entende que o que perpassa as pessoas de diferentes grupos sociais é uma “concepção bolsonarista de extrema direita”.

Ele avalia o comportamento dos extremistas a partir de uma ótica sociológica. “Um dos autores clássicos da sociologia, Max Weber, explicou o que chamamos de ‘ética da convicção’, ou seja, aquele que realiza ações baseadas nessa ética, tem certeza de que sempre estará correto. Acredita que o único capaz de julgar suas convicções é ele próprio. Esses bolsonaristas são, na grande maioria das vezes, convictos. O que os une são os valores da extrema direita que levam a uma conduta de afronta ao estado democrático.

Sobre o alto contingente de pessoas de meia idade entre os presos, Emanuel Freitas, professor de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), avalia que elas fazem parte de um grupo que vivenciou parte ou o final da ditadura militar e os governos que sucederam o período.

“Viram as transformações sociais, culturais, econômicas e institucionais do País e, por isso, são alvo fácil de um discurso de restauração da ordem perdida. De um paraíso que teria sido corroído pela corrupção de costumes e valores”, diz.

Freitas aponta que parcela desse grupo nutre um “ressentimento” gerado por uma nostalgia que foi capturada pela ideologia bolsonarista. “Não são conservadores na acepção, mas reacionários que buscam essa ordem. E esse é um dos elementos fortes do bolsonarismo”, comenta, acrescentando que um dos pontos importantes para compreender os números é a “fácil captura desses sujeitos pelo discurso do passado como bom, frente a um presente corrompido e que é preciso retomar por meio daquilo que eles entendiam ser a prática política: a violência arbitrária e a imposição da ordem, como acontecia na ditadura”.

O POVO tentou contato com Wellington Macedo via número de telefone que ele utilizava até o ano passado, mas não obteve retorno. A reportagem não conseguiu contato com Perpétua. O endereço da rede social que ela utilizava constava “indisponível” até esta publicação.

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