Após a derrota nas urnas em outubro do ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) teria arquitetado, com o senador Marcos do Val (Podemos-ES) e o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), um plano para tentar anular a eleição e impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), numa tentativa de golpe. A denúncia foi feita pelo senador capixaba, que, na madrugada de ontem, usou as redes sociais para anunciar que tinha sido coagido por Bolsonaro a participar da trama.
Menos de 12 horas depois, porém, ele começou a mudar a versão. Se na denúncia original dizia que o ex-presidente tinha feito a proposta para que ele participasse de uma operação para gravar Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na versão reajustada a ideia da trama teria sido de Silveira.
A nova narrativa foi apresentada depois de Do Val ter recebido telefonemas e conversado com os filhos do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Além de usar as redes para relatar o plano, Do Val contou à revista Veja detalhes de como a trama teria sido urdida. Segundo ele, a ideia era gravar Moraes para arrancar do ministro alguma declaração comprometedora que pudesse levar o magistrado à prisão, pôr em dúvida o resultado da eleição e impedir a diplomação de Lula no TSE e sua posse em 1º de janeiro.
Em mensagens obtidas por Veja, Do Val conversa com Silveira e combina, de forma cifrada, a ida ao encontro com Bolsonaro. Em uma das mensagens, o então deputado passa a localização de um estacionamento perto do Alvorada. De lá, os dois teriam sido levados ao encontro do então presidente em um carro oficial sem que precisassem se identificar na portaria do palácio.
Segundo relato, a conversa durou 40 minutos. Do Val disse ter ouvido uma ideia que "salvaria o Brasil". Bolsonaro teria afirmado que o plano já estava acertado com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que forneceria equipamentos. O GSI negou ter participado da ação e, mais tarde, o senador tentou explicar que o gabinete não fora citado pelo presidente e que foi uma dedução sua a participação do órgão na operação.
No início da noite, Veja divulgou o áudio da entrevista com o senador, comprovando que, de fato, ele havia denunciado a participação direta de Bolsonaro e o uso do GSI.
"(Bolsonaro disse): ‘Eles vão te equipar, botar o equipamento de escuta, de gravação e a sua missão é marcar com o Alexandre e conduzir o assunto até a hora que ele falar que ele, que ele avançou, extrapolou a Constituição, alguma coisa nesse sentido’. Aí ele falou: ‘Ó, eu derrubo, eu anulo a eleição, o Lula não toma posse, continuo na Presidência e prendo o Alexandre de Moraes por conta da fala dele’", contou Do Val.
Depois de receber ligações do clã Bolsonaro, o senador mudou o discurso. Atendeu jornalistas em seu gabinete para dizer que o plano, na verdade, foi de Silveira, que foi preso ontem por ordem do STF por violação de decisão judicial.
"O presidente (Bolsonaro) estava em uma posição semelhante à minha, ouvindo uma ideia esdrúxula do Daniel", disse Do Val. "Quando a imprensa diz que ele me coagiu, isso não confere", prosseguiu o senador, desmentindo suas próprias falas feitas em live durante a madrugada, quando afirmou que Bolsonaro o "coagiu para que pudesse dar um golpe de Estado junto com ele".
Durante a madrugada, nas redes sociais, o senador tinha prometido renunciar ao mandato. No final da manhã, abortou a ideia dizendo ter sido convencido por colegas como Eduardo e Flávio Bolsonaro.
A nova versão sobre o caso seguiu à risca o discurso proferido pouco antes no plenário por Flávio. Ele confirmou que o pai teve uma reunião com Do Val, mas alegou que a situação narrada não configura "nenhum tipo de crime". Flávio admitiu que tinha conhecimento da reunião, mas colocou a responsabilidade da proposta em Silveira.
"O que eu peço é que todos os esclarecimentos sejam feitos, e não digo nem abertura de inquérito, porque a situação que foi narrada não configura nenhum tipo de crime", afirmou Flávio, no Senado.
"Ele (Marcos do Val) já havia me relatado o que tinha acontecido, que isso iria ser trazido a público, contudo, numa linha que essa reunião, que aconteceu, ela seria uma tentativa de um parlamentar de demover as pessoas que estavam nessa reunião de fazer algo absolutamente inaceitável, absurdo e ilegal."
Moraes autorizou pedido da Polícia Federal para que Do Val fosse intimado a prestar depoimento. O interrogatório ainda não tinha sido concluído até o fechamento desta edição.
A versão do senador Marcos do Val (Podemos-ES) sobre o suposto plano golpista encabeçado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro envolve o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. O senador capixaba afirma que consultou Moraes previamente sobre se deveria conversar com Bolsonaro e disse ter sido incentivado pelo ministro. "E assim eu fui", relatou Do Val ontem, em entrevista coletiva.
Como o ministro é o relator do inquérito que investiga os atos golpistas, a conversa, se comprovada, poderia indicar que Moraes orientou a busca de provas contra o presidente e reforçar a tese dos bolsonaristas de que ele o persegue. Assim como ocorreu na Lava Jato, isso poderia dar margem para a nulidade do processo dos atos golpistas.
O senador não apresentou prova de sua declaração. A assessoria do Supremo disse que o ministro não iria comentar o assunto. Em conversas reservadas, Moraes afirmou ontem que não teria sentido ele orientar um bolsonarista a falar com Bolsonaro.
A versão de Moraes dada a interlocutores é de que ele recebeu Marcos do Val no Salão Branco do Supremo, uma área reservada aos ministros atrás do plenário, e ouviu relato de um plano para grampeá-lo. O pedido para que o senador gravasse o ministro ilegalmente teria partido do ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ).
"Na quinta-feira, antes de ir à reunião com ele (Bolsonaro), eu fui ao STF, conversei com o ministro Alexandre de Moraes, porque o processo todo referente ao Daniel é com ele, e perguntei: ‘Ministro, o senhor acha que eu devo ir ou não devo ir?’. Aí o ministro disse: ‘Vai porque informações são importantes’. E assim eu fui", relatou o senador.
Depois do encontro com Bolsonaro e Silveira, o senador disse que escreveu ao ministro novamente por WhatsApp e agendou um segundo encontro, na tarde de 13 de dezembro, no STF. O objetivo era, segundo Do Val, relatar a conversa a Moraes sobre o plano bolsonarista. "Ele ficou impressionado", contou.
Do Val também confirmou que ele e Moraes se conhecem da época em que deu treinamentos a policiais em São Paulo. O ministro era então secretário de Segurança Pública no governo Geraldo Alckmin (2015-2016).