A semana que passou trouxe presentes para o governo Lula, que elegeu dois aliados para os comandos das casas legislativas, Arthur Lira (PP-AL) na Câmara e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no Senado, e viu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se enredar numa trama golpista que o deixa ainda mais sob pressão.
Além disso, a abertura do ano no STF, com discurso da ministra Rosa Weber, mostrou alinhamento entre Judiciário, Executivo e Legislativo contra ações de radicais, responsáveis pelos ataques e depredações de 8 de janeiro.
O cenário, então, não poderia ser melhor para o petista, que começa agora um terceiro mandato. Mas há riscos no horizonte. O principal deles está no Congresso, precisamente no tamanho do conglomerado de partidos sob guarda-chuva de Lira e numa oposição mais expressiva.
Eleito com 464 votos para seguir no comando da Câmara por mais dois anos, um recorde histórico, o deputado alagoano "revelou um superpoder", conforme o professor e cientista político Emanuel Freitas, da Uece. Tê-lo como aliado é importante, continua o docente, mas impõe um custo alto.
"A eleição mostrou um poder de Lira que é preocupante para o Planalto. Acho que Lula não deve ficar tranquilo. Lira não é bolsonarista, nem lulista, é 'lirista'", aponta o pesquisador, para quem o parlamentar apenas agora vai colocar as suas cartas na mesa.
"Lira não emplacou nomes que queria no governo durante a transição e já dá uma demonstração excessiva de forças. É um aliado caro de se manter. Mas, por outro lado, seria muito custoso para o governo travar embates com ele. Lira representa um perigo, sim", finaliza.
Gerente desse bloco chamado vulgarmente de centrão, o influente político do PP também tem feito acenos importantes ao Planalto. Foi um dos primeiros a reconhecer a vitória de Lula, ainda no ano passado, enfatizando a lisura do processo eleitoral. Depois da "intentona" golpista, condenou a ação de aliados do ex-presidente, de quem aos poucos tem se afastado.
Ao mesmo tempo, o presidente da Câmara apresenta a fatura para assegurar uma base governista ampla na casa que ele preside, que pode se traduzir na ocupação de cargos de segundo e terceiro escalões em estatais cobiçadas pelo centrão, tais como Codevasf, FNDE e Correios.
A tendência é de que, passada a eleição das mesas, o Planalto dê início a uma negociação no varejo com legendas do grupo, entre as quais PL, PP, Republicanos, União Brasil e PSD, parte das quais fez campanha pela recondução de Bolsonaro em 2022.
Como, sozinho, o leque de siglas que manifestam abertamente apoio a Lula é insuficiente para fazer aprovar as pautas do Planalto (reforma tributária e outras), Lula dependerá desse arranjo com Lira, sem o qual o trânsito da agenda do petista pode ficar comprometido.
Outro ponto de apreensão para o Executivo é a atuação da oposição no Senado. Embora derrotado na disputa pela chefia da mesa-diretora, Rogério Marinho (PL-RN) deve se consolidar como uma liderança da oposição na esteira da saída de Bolsonaro do radar político.
Na casa, a presença de ex-ministros bolsonaristas pode catapultar esse grupo, cujo número de integrantes chegaria a aproximadamente 30 senadores de um total de 81.
Em tese, esse enclave direitista teria condições de conseguir encaminhar pedido de abertura de uma CPI, por exemplo, cuja instauração ficaria dependendo da chancela de Pacheco.
Daí a necessidade do Planalto de, noutra frente, cultivar uma boa relação com o senador do PSD, que, mais ainda do que Lira, tem procurado se constituir como uma figura mais zelosa com a harmonia institucional.
Além das tensões próprias da relação entre Governo e Congresso, permanece o desconforto com a influência que Bolsonaro continua a exercer sobre o seu entorno mais radical, colocando sob suspeição as eleições que deram o poder a Lula.
Mesmo sob investigação do STF e do TSE, Bolsonaro atiça a tropa, colocando sob suspeição as eleições que deram o poder a Lula. A retórica golpista tem a intenção de manter o ex-presidente no foco e produzir alimento para o público interno – o ex-capitão bateu em retirada em dezembro para os EUA, de onde não voltou ainda.
Para Vitor Sandes, professor e cientista político da Universidade Federal do Piauí (UFPI), o maior desafio para Lula é a configuração de uma maioria confortável e que não lhe traga dissabores no futuro.
E, mesmo que Lula opere essa costura, a pactuação dessa coalização congressual terá de ser renovada a cada votação na Câmara e Senado, visto que o raio de ascendência do centrão é maior hoje do que foi no passado.
"Não há garantia em política, qualquer promessa pode ser quebrada. Por mais que dialogue, Lula não vai garantir apoio de longo prazo. O custo do apoio pode mudar ao longo do tempo de acordo com as circunstâncias", pondera o especialista.
Lira e Lula têm acordo de "cavalheiros"
Nem propriamente aliados, nem adversários. A relação entre Lula e Arthur Lira, presidente da Câmara, será um “acordo de cavalheiros”, segundo o cientista político Cleyton Monte.
“O governo Lula sabe que o Lira não é um aliado estratégico que vá abraçar o PT, o apoio é circunstancial, da mesma forma que o apoio que o Lula emprestou a sua reeleição também é circunstancial. Ali é um acordo de cavalheiros”, avalia Monte.
Mas, na prática, o que isso significa? Que os termos desse acordo estarão permanentemente passíveis de revisão, a depender dos humores da política.
Para o Planalto, a expectativa é de que o chefe do centrão entregue uma base capaz de aprovar medidas importantes para o Governo, como a reforma tributária, ainda que esses arranjos se limitem a votações específicas.
A Lira interessa o que sempre interessou ao centrão: espaços na máquina. Essa divisão já começou no dia seguinte ao da vitória do petista no Congresso, com aliados em postos-chave.
Enquanto o Executivo tenta ampliar sua influência nas casas, de modo a ter mais tranquilidade, o líder do centrão segue tentando viabilizar as pautas de seu bloco.
O desafio de Lula é costurar um arranjo sem que, para isso, repito erros da gestão Bolsonaro, como o orçamento secreto, que desaguou em escaramuças agora sob a mira da Justiça.
Nesse ponto, pode ajudar o perfil tanto de Lula quanto de Lira: pragmáticos. “O Lira é pragmático. É líder de um aglomerado de partidos e quer espaços, quer liberação de recursos, facilitação em ministérios. E esse jogo o Lula sabe fazer, tem experiência”, indica Monte, ressalvando que, “diante de alguma crise institucional, de um escândalo, o PT sabe que Lira não é aliado de primeira hora”.
Para o cientista político Rodrigo Prando, da Faculdade Mackenzie, mesmo com Rodrigo Pacheco e Lira no comando do Legislativo, Lula não deve ter vida fácil.
“A vitória no Congresso foi simbolicamente importante para o presidente Lula e seu governo. Significa que Lula terá uma carta branca no Congresso? De jeito nenhum”, responde.
Segundo ele, o petista já “não teria carta branca por conta da oposição que existe em ambas as casas, Câmara e Senado, que é muito dura, e nem mesmo entre aqueles que são aliados”.
“Cada projeto da pauta do governo exigirá uma negociação. Agora, é inegável que, especialmente a vitória de Pacheco, permite que o governo não tenha no cenário um ambiente de crises constantes e de confrontação”, conclui.
Alinhamento entre poderes favorece Lula
Se o Congresso, mesmo com a eleição de aliados, pode apresentar alguma surpresa para o governo Lula nos próximos anos, o petista deve tirar proveito de um novo alinhamento entre os três poderes da República.
Sob Jair Bolsonaro (PL), Judiciário e Executivo estiveram em constante atrito, com o presidente investindo na desarmonia como forma de mobilizar seus aliados.
À frente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes acabou se tornando alvo prioritário dos ataques do chefe da nação, que apostava na tensão com o magistrado para lançar suspeição sobre as urnas antes e durante a campanha.
Noutra frente, as tratativas de Bolsonaro com o Legislativo se pacificaram apenas depois que o centrão passou a ocupar o coração do governo, apossando-se de postos-chave e dando as cartas na articulação política, com Ciro Nogueira (PP-PI) de manda-chuva.
Antes disso, porém, Bolsonaro e o Parlamento mantiveram convivência marcada por ruídos. Nesse período, Rodrigo Maia e depois Arthur Lira chegaram a receber mais de uma centena de pedidos de impeachment do presidente. Nenhum prosperou.
Sob Lula, há uma convergência entre as esferas de poder, num alinhamento institucional entre Congresso, STF e Planalto. Essa conjunção ficou demonstrada durante evento de abertura do ano judiciário, com uma sintonia de falas de Rosa Weber, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Lula.
O petista, obviamente, deve se beneficiar dessa situação, aproveitando o momento de calmaria que se seguiu aos episódios de 8 de janeiro para ampliar o diálogo com deputados e senadores e restabelecer as pontes com o Supremo.
Os discursos de Pacheco e Lira, logo depois de reeleitos, indicaram que a tendência é de acomodação política após os anos tumultuados de Bolsonaro, que ainda produzem estragos à normalidade democrática.
Senado terá disputa por espaço deixado por Bolsonaro
Recém-saído de uma derrota no Senado Federal, Rogério Marinho (PL-RN) pode se converter numa liderança do bloco bolsonarista na casa legislativa.
Com 32 votos alcançados, o ex-ministro de Jair Bolsonaro perdeu a disputa pela presidência para Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que era favorito e conseguiu 49 apoios de parlamentares na tentativa de recondução.
O espólio de Marinho, contudo, é significativo e deve ser explorado politicamente, sobretudo com o auxílio de outras figuras que compuseram a gestão do ex-capitão, entre elas Damares Alves (Republicanos-DF) e Sergio Moro (União Brasil-PR), ambos eleitos senadores.
Ex-vice-presidente da República, Hamilton Mourão (Republicanos-RS) também integra grupo direitista sob influência do ex-presidente.
Completa esse time o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), linha de frente da defesa política do pai, papel que vem cumprindo mesmo agora, diante das acusações feitas pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES) de que Bolsonaro o teria coagido a gravar conversas com o ministro do STF Alexandre de Moraes – acusação da qual o senador depois recuou, isentando o ex-presidente.