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Indígenas cearenses alvos de ameaça foram incluídos no programa de proteção do governo
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Indígenas cearenses alvos de ameaça foram incluídos no programa de proteção do governo

Nomeada para o Ministério dos Povos Indígenas, Ceiça Pitaguary fala também sobre os desafios para destravar a demarcação de terras no país
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Ceiça Pitaguary (Foto: Iago Barreto / divulgação)
Foto: Iago Barreto / divulgação Ceiça Pitaguary

Secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena no Ministério dos Povos Indígenas do Governo Federal, Ceiça Pitaguary está de mudança para Brasília nos próximos dias. Lá, vai atuar diretamente ao lado da ministra Sonia Guajajara.

Líder do povo Pitaguary, de Maracanaú, Ceiça conversou com O POVO sobre os desafios à frente da nova função, entre os quais está a luta por demarcação de terra e a proteção dos indígenas.

"Temos lideranças que estão incluídas no programa do Governo do Estado de proteção aos defensores dos direitos humanos", alertou a secretária.

Na entrevista a seguir, Ceiça relata série de dificuldades que a população indígena no Ceará tem encontrado, dos confrontos com posseiros às disputas com as companhias voltadas para a extração mineral. (Henrique Araújo)

O POVO - Como projeta o trabalho na Secretaria de Gestão Ambiental e Territorial Indígena?

Ceiça Pitaguary - A gente parte de um trabalho que já foi feito no governo Dilma, a gente realizou várias oficinas regionais escutando os povos indígenas e os parceiros também da gestão ambiental. Foi assinado em junho de 2012 da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial dos Povos Indígenas. Infelizmente não se conseguiu efetivá-la, porque logo em seguida veio o golpe, então a presidente foi destituída e essa política ficou esquecida. No ex-governo (Bolsonaro), foram dissolvidos todos os comitês e conselhos e encerradas as atividades que poderiam ser feitas em relação à gestão ambiental e ao desenvolvimento das terras indígenas. Vamos partir desse pressuposto, do que já está feito, consultas, os povos colocaram sua opinião do que poderia ser feito em relação a proteção do território. Esse trabalho está bem consolidado.

OP - A gente tem acompanhado com preocupação o caso do povo Yanomami. Como compara as situações dos yanomamis e a dos povos indígenas no Ceará?

Ceiça Pitaguary - A situação do povo Yanomami é dramática, é uma crise humanitária realmente. O Estado brasileiro estava de costas para os povos indígenas em geral. Se a gente fizer um apanhado do que foi a campanha do ex-presidente (Bolsonaro), ele sempre colocou que não iria de forma alguma demarcar terra, consequentemente não iria criar grupo de trabalho para identificar nenhuma terra e tratou de esfacelar e acabar com a Funai. Quem realiza essa proteção é a Funai em conjunto com o Ibama e PF. A partir do momento em que a Funai foi ao longo dos anos sofrendo cortes no seu orçamento, sem concurso, colocou-se à frente da Funai um delegado da PF e esse delegado tratou de indiciar lideranças indígenas que estavam denunciando fora do país a condição que os indígenas estavam vivendo, esses povos ficaram cada vez mais ameaçados e entregues à própria sorte. E o governo ainda incentivou a invasão dos territórios e o garimpo ilegal. Bolsonaro chegou a ir a Roraima para visitar um garimpo, é um absurdo sem tamanho. As lideranças era que estavam fazendo essa denúncia porque nenhum órgão poderia fazer e os funcionários que ousaram fazer isso foram expulsos da Funai, como foi o caso do indigenista Bruno Pereira, que foi assassinado. Ele comandou uma operação contra o garimpo, foi exonerado em seguida e consequentemente vimos a morte dele e do repórter.

OP - E em relação ao Ceará, qual a realidade dos povos aqui? Há um conflito intenso e histórico com posseiros e empresas. Como avalia o quadro atual?

Ceiça Pitaguary - O Ceará é um dos estados mais atrasados em demarcação de terra indígena. Em regularização fundiária, que é a finalização do processo, temos apenas uma terra regularizada totalmente, que é a terra Córrego João Pereira, em Itarema, do povo Tremembé. Temos 15 povos identificados e reconhecidos pelo movimento indígena nos municípios, com cinco terras na fase de demarcação e as outras tantas terras reivindicadas sem providência nenhuma. Não se tem grupo de trabalho. Temos terras que têm decisão judicial para que a Funai comece os estudos, mas a Funai postergou isso. A gente sofre uma pressão grande porque, a partir do momento em que a terra não é oficialmente reconhecida pela Funai, tem todo tipo de especulação, imobiliária, invasão de não indígenas. A pressão no entorno da terra é muito grande, e as lideranças é que fazem esse trabalho de denúncia, de fiscalização. Isso causa um desgaste grande porque a liderança passa a ser a pessoa a ser batida. Temos lideranças que estão incluídas no programa do Governo do Estado de proteção aos defensores dos direitos humanos, porque as lideranças em algum momento sofreram ameaças ou de fato sofreram tentativas de assassinato.

OP - No caso dos Pitaguary, além da questão propriamente fundiária, existem problemas com empresas, a exemplo de uma pedreira, não é isso?

Ceiça Pitaguary - Isso. O povo Pitaguary hoje gira em torno de 4 mil pessoas numa terra insuficiente. São 1.735 hectares (em Maracanaú). Dessa área, tem uma decisão judicial que retirou 300 hectares, isso equivale a uma parte essencial para o nosso modo de vida. Estamos tentando reverter no STF, para que a corte reveja um processo que não tivemos condições de acompanhar nem tivemos defesa da Funai. Fomos altamente prejudicados nesse processo. A gente tenta uma ação rescisória para começar de novo e sermos ouvidos. Além disso, temos uma invasão desenfreada de pessoas no território. E, ao redor da nossa terra, que é parte do nosso território tradicional, mas que ficou de fora da demarcação, temos uma pedreira que atua há mais de 30 anos. Essa pedreira está ocasionando prejuízo grande no nosso território porque está ao lado das nossas casas, a gente sofre com explosões e poeira. Também ocupa um espaço significativo do nosso território que a gente tenta reaver, para recuperar áreas que ficaram de fora. Mas até então não conseguimos êxito, todas as ações que movemos contra a pedreira foram julgadas improcedentes. Hoje em dia só tem nós, é a terra indígena e essa pedreira. Todas as outras casas e outros moradores não indígenas que estavam no entorno, o dono da pedreira comprou e as pessoas saíram do local.

OP - Há também relatos sobre ocupação de eólicas.

Ceiça Pitaguary - Essas eólicas atuam mais para o lado de Itapipoca e Itarema. Os Tremembé sofrem diretamente esse impacto. Essas empresas estão bem próximas dos territórios, com impacto nas famílias. Locais de pescaria e plantação ficam impossibilitados de serem usados, além de relatos sobre o barulho dessas torres quando estão funcionando. Isso afugenta os peixes e os demais bichos. É uma luta diária, e essas empresas estão chegando cada vez mais forte. A ideia é ter energia limpa, mas com um preço que não está respeitando as diferenças de cada povo.

OP – O novo contexto político do Brasil pode destravar os processos de demarcação de terras no Ceará?

Ceiça Pitaguary – Acho que sim. O estado não demarca terra indígena, mas ele pode colaborar, ele pode ajudar o governo federal com técnicos, com empresas que possam fazer a demarcação física, como foi feito com o povo Tremembé em Itapipoca. O Estado do Ceará assumiu essa parte e fez a demarcação física, de acordo com as especificidades que a Funai determinou. Quanto a destravar as demarcações, acho que o presidente Lula está esperando o momento adequado de fazer isso, já que a ministra está
atuando fortemente em Roraima. Quando voltar é que acredito que vá haver esse momento. O grupo de transição indicou 13 terras indígenas para o presidente homologar, que é a última fase. São terras sem nenhum processo, nada que obstrua a assinatura do presidente. Nesse pacote de 13 terras, tem uma no Ceará para ser homologada que é justamente a terra de Barra do Mundaú, dos Tremembé de Itapipoca. Na posse da presidenta da Funai ela já assinou também um pacote de sete grupos de trabalho que irão
fazer os primeiros estudos em terras reivindicadas. Isso é sinal de que muda o parâmetro e o ponto de vista de como os indígenas devem ser tratados agora.

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